As eleições americanas de 2024 colocam em evidência não apenas a polarização política, mas também o fascismo disfarçado de retórica populista que ameaça a democracia (por mais limitada que ainda seja). Os sucessivos ataques machistas e misóginos de Donald Trump a Kamala Harris, que transcende as normas da decência no debate político, ilustra a ascensão de um discurso que tenta deslegitimar não apenas uma mulher em posição de poder, o que já tinha sido feito pelo mesmo Trump em 2016, mas de qualquer figura política que se lhe oponha. Este ataque não é um evento isolado, representa uma tendência maior dentro do Partido Republicano, que tem sido cúmplice de um sistema que se alimenta de preconceitos.
Trump, ao atacar Harris desta forma, recorre a táticas que a visam desumanizar e rebaixar, chegando a chamá-la de estúpida por várias ocasiões, uma estratégia que ecoa as práticas de regimes autoritários. Ao mesmo tempo, apresenta-se como o defensor dos valores tradicionais e da classe trabalhadora, utilizando uma retórica que apela ao medo dos imigrantes, aos receios de insegurança e à glorificação de tempos passados, características fundamentais do fascismo. A isto alia um discurso “antissistema”, como se ele, um milionário, pudesse representar os que estão fora do sistema e que defendem os trabalhadores.
Ambos os partidos, Republicano e Democrata, têm falhado em representar verdadeiramente os interesses da população americana. Ambos os partidos têm um lastro de guerras pelo mundo fora, para além das por “interposta pessoa” ou Estado, como é o caso evidente do genocídio praticado pelo Estado racista de Israel (mas continuamente armado pelos EUA), que ocorre na Palestina e agora no Líbano; ambos os partidos representam interesses imperialistas declarados a prepararem-se para eventuais novas guerras mundiais (agora com a China). Contudo, o Partido Republicano, com sua agenda de favorecimento das grandes empresas e da elite económica, passou os últimos 40 anos a implementar uma política de desregulação económica, aumentando as desigualdades sociais, tendo, por exemplo, contribuído decisivamente para a crise do subprime em 2007.
O Partido Democrata, por outro lado, não tendo um projeto económico muito diferente para o país, tem perdido várias oportunidades de mudar verdadeiramente as políticas económicas e sociais, com os oito anos de administração Obama a acentuar ainda mais os problemas sociais. Foi o desperdício da esperança depositada pelo povo americano em Obama em 2008 que levou a que vozes extremistas, como a de Trump, tenham ganho força. Apesar disto, o projecto deste partido não é a implantação de um regime de tipo fascista onde perante as câmaras de televisão Trump se atreveu a dizer que Harris merecia ser fuzilada.
As eleições de 2024 não são apenas um combate entre partidos, são uma batalha pelo futuro de uma super potência imperialista mas que (ainda) não é dirigida por ditadores claramente adeptos de ruptura com os chamados regimes democrático-burgueses que primam na Europa ocidental. Sabemos que a verdadeira mudança necessária nos Estados Unidos não virá de nenhum destes dois partidos, e que a necessidade vital é a classe trabalhadora norte-americana consiga construir um seu partido para defesa dos seus interesses e futuro do povo americano em convivência pacifica com os povos e os trabalhadores de todo o mundo. Mas hoje, nestas eleições há que derrotar Trump para evitar uma viragem ao fascismo. Por outro lado, é urgente uma ruptura pela esquerda no seio do partido democrata que tarda muito por responsabilidade das capitulações de Bernie Sanders. Faz falta um partido dos trabalhadores verdadeiramente anticapitalista nos EUA. Uma revolução política nos Estados Unidos não virá dos “democratas” (e menos ainda dos “republicanos”), mas de um movimento que rompa com a dicotomia bipartidária tradicional e que enfrente, de frente, as raízes das desigualdades sociais, o racismo e o machismo estrutural que continuam a moldar a sociedade americana.