No passado dia 28 de Maio tiveram lugar eleições municipais e para os parlamentos de 12 das 17 comunidades autónomas do estado espanhol. Estas traduziram-se num voto de protesto ao governo e aos seus aliados à esquerda. A nível municipal o PSOE perdeu 6%, cerca de 400.000 votos, 1557 eleitos e 15 das 22 capitais de província que governa desde 2019. A nível autonómico, o PSOE foi o partido mais votado em apenas 4 das 12 comunidades onde se realizaram eleições, quando em 2010 tinham ganho em 10 autonomias. A derrota foi pesada institucionalmente, mas foi mais qualitativa do que quantitativa, ou seja, o PSOE teve um rombo muito superior em cargos eleitos do que em número de votos.
A noite eleitoral terminou com Pedro Sanchez a antecipar as eleições gerais para daqui a 2 meses, a 23 de Julho. Parece preferir precipitar as eleições do que esperar por Dezembro, poupando o Governo a um período ainda maior de desgaste e unificando o partido em torno das eleições, calando por momentos a oposição interna. Com as devidas diferenças, António Costa em Portugal também fez uma aposta que mostra a mesma linha de pensamento na última crise com Marcelo, por causa da demissão do Ministro João Galamba. A ser derrubado que seja agora, mas neste caso o bluff funcionou, não se deu o cenário de eleições antecipadas e o Governo Português continua no aprofundar da sua crise.
A auto-intitulada governação “mais progressista da Europa” – a coligação PSOE-IU-PODEMOS com pequenos partidos regionais – não consegue, com todas as suas medidas progressistas e importantes para os sectores oprimidos, esconder a realidade de crise social e económica em que vive a classe trabalhadora, os jovens e os próprios sectores oprimidos. O nosso estado vizinho não escapa à crise europeia e a sua classe trabalhadora tem empobrecido a olhos vistos, afetando já 26% da população. Os dados de 2022 indicam que a inflação foi, em média, de 8,4%; já os salários cresceram 2.78% ou seja, a inflação cresceu 3 vezes mais rápido do que os salários e o poder de compra caiu como não acontecia há 20 anos.
As prioridades do Governo são claras: os aumentos de gastos de 11,4% nas pensões, de 6,7% na saúde, de 6,6% na educação e de 5,4% nas políticas de habitação contrastam com o orçamento para a defesa que subiu 25% a caminho dos 2% pedidos pela NATO no total do OE. A maior parte dos fundos europeus são canalizados para as empresas e grandes grupos económicos do IBEX, a reforma trabalhista foi apenas maquilhagem, as políticas de habitação não diminuíram a fatia que rendas e empréstimos à habitação têm no orçamento familiar, a pobreza afeta 26% das pessoas num país que se tornou dos mais desiguais do mundo segundo a OIT e onde a paz social é mantida por um pacto de regime entre a coligação de governo e as centrais sindicais CCOO e UGT.
Extrema direita sai reforçada e condiciona PP
Após o desaire eleitoral, o PSOE já está em campanha. O seu discurso apoia-se principalmente no vertiginoso crescimento da extrema-direita nestas eleições e na entrada do VOX para o governo com o PP, mas foi à sombra do governo do PSOE que o VOX mais cresceu. “Sou eu ou o VOX” é mais do que uma palavra de ordem de Pedro Sanchéz para chamar ao voto útil, é um isco que pretende fazer refém toda a esquerda. Nada que não conheçamos já de Lula e, em menor medida, de Costa. Por isso Sanchéz tem mantido o discurso centrado nos pactos que o PP vai fazer com o VOX a nível local no rescaldo destas eleições. De acordo com sondagens de Maio, numas eleições gerais, o PP e o Vox teriam 46,3% dos votos e 177 lugares, um acima da maioria absoluta (fixada em 176).
O Partido Popular (PP) de Alberto Núñez Feijóo foi o grande vencedor da noite eleitoral, teve um crescimento de 23% para 32%, mais 1.900.159 votos, em relação às municipais de 2009. Para este crescimento contribuiu largamente o desaparecimento do Ciudadanos, partido de centro-direita de pendor liberal, que caiu quase 85%, perdendo 1.687.264 votos depois da sua subida meteórica. Aparentemente não vai concorrer às próximas eleições, estando em sério risco de desaparecer. Apesar de terem surgido como uma novidade na política e rapidamente ter conseguido excelentes resultados à custa de muito eleitorado do PP, a pouca diferenciação com a direita tradicional fez com que entre o original e a cópia, os seus apoiantes tenham voltado ao original.
A extrema-direita também teve uma grande vitória nestas eleições, com o VOX a duplicar a sua votação de 2019 e a mais do que triplicar o número de eleitos. Passou de 812.804 para 1.608.401 votos e de 530 para 1.695 eleitos. Um dado importante é o seu resultado na Catalunha, onde o Vox teve 124 eleitos, mais 121 do que os 3 obtidos em 2019 e consegue representação nas 4 capitais de província da Catalunha (Barcelona, Girona, Tarragona y Lleida). Passam de 0 a 8 eleitos nestas cidades. Tal como o Chega em Portugal, cresceu a fazer oposição a um governo supostamente centrista e progressista, que no entanto aplica as mesmas políticas liberais da direita, favorecendo os grandes interesses económicos à custa do esmagamento das condições de vida dos trabalhadores e dos jovens – neste caso, um governo capitaneado pelo PSOE e suportado pelo Unidas Podemos, formação composta pelo Podemos e pela Esquerda Unida (IU), vinda do antigo Partido Comunista (PCE).
A ausência de oposição ao governo pela esquerda abriu caminho para o crescimento da extrema-direita do VOX, tendo atingido um peso eleitoral que torna o PP muito dependente dele, quer a nível local quer a nível nacional. De notar que o VOX tem um enraizamento social cada vez maior e não é só a nível autárquico, já avançou com a construção de um projecto sindical nacionalista, anti-emigração, espanholista anti-nacionalidades oprimidas e anti-liberdades e direitos sindicais que parece estar a ganhar fôlego.
Esquerda castigada com pesada derrota eleitoral
Para o Unidas Podemos, principalmente IU e PODEMOS, estas eleições foram uma hecatombe. Perderam 231.103 votos, uma redução de 64,4% em relação a 2019, e apenas mantêm 200 mandatos autárquicos dos 462 que tinham até agora. Aparentemente não valeu de muito ao Unidas Podemos ter feito parte do governo, ao contrário da geringonça portuguesa que ficou a apoiar de fora, já que o resultado foi o mesmo: ser castigado com uma forte derrota eleitoral. O PODEMOS encontrou-se na difícil posição de decidir como vai a eleições, se sozinho, se com o SUMAR, uma plataforma eleitoral criada para as eleições gerais de 2023 pela segunda vice-presidente do Governo e ministra do trabalho Yolanda Díaz (ex IU) e para onde a IU já está a chamar a confluir toda a esquerda e movimentos de cidadãos. Na passada sexta-feira, a direção do Podemos anunciou a sua integração à coligação Sumar que já conta com 17 partidos, 11 deles regionais.
A aposta de Sanchez é arriscada e pode acabar com o PP e o VOX no governo, mas para ele e para o PSOE a questão é de timing e de cálculo eleitoral: é melhor ir a eleições antes que o desgaste se aprofunde ainda mais ou que tenha de colocar austeridade. Entre a chantagem de Sanchez com a ultra-direita e a incapacidade de a esquerda parlamentar apresentar uma solução unificada em oposição ao PSOE, o resultado das eleições vai ser polarizado pelo voto útil no PSOE para impedir o PP e o VOX de chegarem ao governo e pelo discurso da oposição ao governo do PSOE, quase totalmente pela mão da direita e da extrema-direita.