Desde a revolução iniciada a 25 de abril de 1974, Portugal passou por transformações significativas na esfera política e social, que incluem importantes conquistas democráticas para as mulheres. No entanto, milhares de mulheres e jovens continuam a enfrentar graves problemas causados pela desigualdade de género e, em vez de avançarmos para novas conquistas, somos hoje confrontadas com a necessidade de lutar para combater o retrocesso na garantia dos direitos que já conquistamos, como se vê, por exemplo, pela crescente falta de acesso a cuidados de saúde.
O reconhecimento, pela lei, da igualdade de direitos entre homens e mulheres na participação na vida política, social e cultural do país, o direito de acesso a serviços de saúde sexual e reprodutiva, a proteção contra a violência de género, o combate à desigualdade salarial e o acesso igualitário à educação e ao emprego são algumas das principais conquistas democráticas alcançadas pelas mulheres após o 25 de abril, mas nenhum destes problemas se encontra resolvido para a maioria das mulheres e jovens no país hoje em dia.
Pelo contrário, o aumento de casos de violência obstétrica e a dificuldade crescente no acesso a cuidados de saúde sexual e reprodutiva, a persistência da desigualdade económica e laboral que mantém as mulheres em trabalhos mais precários e mal pagos, a impunidade para os agressores e falta de apoio para as vítimas em casos de violência sexual e doméstica, a discriminação de mulheres em questões relacionadas aos direitos de parentalidade no trabalho, as dificuldades no tratamento de casos de assédio moral e sexual, entre tantos outros exemplos, demonstram bem que a necessidade de organização em torno da luta feminista pela emancipação da mulher e pelo direito à igualdade se mantém mais urgente e atual do que nunca.
Onde quer que vamos, a violência sobre a mulher está presente. Na saúde, as consequências catastróficas da política de desinvestimento nos serviços públicos afetam mais duramente os serviços de ginecologia e obstetrícia. É, por exemplo, alarmante constatar que a taxa de mortalidade materna em Portugal atingiu em 2020 o número mais alto em 38 anos, com 20,1 óbitos por 100 mil nascimentos, assim como também nos deve preocupar a recente revelação de que, entre 2009 e 2023, sete hospitais deixaram de realizar interrupções voluntárias da gravidez no Serviço Nacional de Saúde.
Ao mesmo tempo, as mulheres representam quase metade do emprego em Portugal, são as mais qualificadas, mas têm, ao mesmo tempo, mais contratos precários, uma maior taxa de desemprego e ganham, em média, menos do que os homens: apenas 88 cêntimos por cada euro ganho por um homem. Também a precariedade é mais evidente nos setores laborais com maior presença de mulheres (p. ex., limpezas, prestação de cuidados, ensino e comércio). Devido à sobrecarga de trabalho doméstico, as mulheres perdem nos salários, nos prémios, nas avaliações e na progressão das carreiras. Estatisticamente falando, uma em cada três mulheres será vítima de violência em contexto de intimidade. Além disso, as mulheres LGBT+ e/ou racializadas sofrem mais intensamente e, com isso, são concentradas nos trabalhos mais precários ou são empurradas, muitas vezes, para situações de grande vulnerabilidade, como a prostituição.
A falta de políticas públicas para dar resposta aos principais problemas da mulher, aliada ao conservadorismo e ao machismo promovidos pela extrema-direita, representam uma ameaça clara aos avanços na conquista de direitos e igualdade para as mulheres, assim como para o conjunto da sociedade. Por isso, é necessário construir uma luta feminista capaz de promover a solidariedade, a mobilização, a organização e a consciencialização política, todas elas ferramentas fundamentais na luta pela igualdade de género.
Para erradicar os problemas da vida da mulher trabalhadora, é necessário valorizar os salários das suas profissões, aumentar o SMN para 1.000€, proteger os direitos à parentalidade e às famílias monoparentais e congelar os preços dos combustíveis, dos bens essenciais e da habitação. Exigimos a reabertura dos blocos de parto e dos serviços de Ginecologia/Obstetrícia.
Além disso, a permanência das mulheres no mercado de trabalho e nas outras esferas da vida, com plenitude de direitos e verdadeira igualdade, só é possível se as tarefas domésticas e de cuidado a familiares forem socializadas: além de se libertarem dessas funções, é necessário um investimento público em creches, lares, lavandarias e cantinas que exerçam, com plenitude, as funções de cuidado, para que, por exemplo, as escolas deixem de ser vistas como “depósitos” para as nossas crianças, mas sim como instituições dedicadas exclusivamente ao ensino e à sua preparação para o futuro. Por último, exigimos a criação de Gabinetes de Apoio à denúncia de assédio, nos locais de trabalho e nas instituições de ensino e o fim das penas suspensas, da impunidade dos agressores e mais medidas de afastamento.
Nos últimos 7 anos de Governo PS, com ou sem o apoio da esquerda tradicional, muito pouco disto avançou. É caso para dizer que, também no feminismo, faz falta um novo 25 de abril. A realidade mostra-nos, cada vez mais, que apenas através da luta organizada e solidária, disposta a colocar em causa as prioridades que o sistema capitalista, dependente da opressão e da discriminação para explorar mais e melhor, nos impõe, poderemos forçar as classes dominantes a colocarem as nossas vidas e os nossos direitos à frente das suas margens de lucro e privilégios. Foi com esta perspetiva que o MAS participou ativamente na construção da mobilização para a luta feminista no passado dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, e esteve presente nos protestos de Lisboa, Porto, Coimbra e Braga, reafirmando o seu compromisso e determinação em combater a opressão sistémica que as mulheres enfrentam.