Um ano de invasão russa da Ucrânia: nova ofensiva russa

Depois de um ano desde o início da invasão russa da Ucrânia, assistimos a um novo escalar do conflito. No início de Fevereiro, estimavam-se cerca de 100 mil militares mortos e feridos do lado ucraniano contra 180 mil do lado russo[1].

Após o início da invasão russa, a resistência ucraniana conseguiu, grosso modo, encostar a Rússia aos territórios já ocupados desde 2014 (Crimeia e a parte mais a Este do Donbass), aos quais acresceram Melitopol e parte de Kherson, estas duas últimas regiões ocupadas pelas forças russas no último ano.

Um maior recuo de Putin nas regiões ocupadas colocá-lo-ia numa frágil posição militar e política. Para o evitar, as tropas russas fortificaram as suas posições, durante os últimos meses, e prepararam-se para uma nova ofensiva. Uma frente de guerra com cerca de 800 Km, de Kherson até Zaporíjia e de Bakhmut, passando por Kreminna, até Belgorod. Trincheiras, campos minados e obstáculos anticarro, aliados a mais artilharia, mais infantaria e, de acordo com Putin, melhor armamento é o que se tem registado do lado militar russo.

Este tipo de fortificação e a espectável nova ofensiva russa, exige outro tipo de armamento, daí a insistência ucraniana, antes que a época dos lamaçais chegue ao fim, por novas armas: carros de combate pesados, foguetes de maior alcance e, eventualmente, aviões. Mais poder de combate e maior alcance é o que a resistência ucraniana precisa.

Putin tem necessidade em continuar a guerra, assim como do lado das potências imperialistas ocidentais existe todo o interesse político, económico e militar em retirar proveitos da guerra. Primeiro, as sanções ocidentais à Rússia seguem em crescendo, isolando, cada vez mais, esta potência concorrente. Por outro lado, a guerra serve de boa justificação para um processo inflacionista mundial que, não sendo controlado, impõe uma brutal destruição salarial sobre trabalhadores e oportunos lucros extraordinários para os grandes grupos económicos ocidentais.

Ao mesmo tempo, mantêm-se as transferências de dinheiro ocidental e respectivas contrapartidas para a Ucrânia, numa metamorfose daquele país num Estado refém de tais interesses económicos e financeiros. Os dividendos serão crescentes e a ingerência política do Ocidente já se faz sentir na composição do próprio governo ucraniano. No final de Janeiro, Zelensky foi forçado a uma rápida e profunda remodelação no seu governo, incluindo membros que lhe eram bastante próximos, sob a conveniente justificação de “combate à corrupção”. De acordo com Taras Kuzio, professor britânico-ucraniano, da Universidade Nacional Kyiv-Mohyla: “todos os meses, a Ucrânia recebe cerca de 5.000 milhões de ajuda financeira ocidental para o orçamento do Estado. Isso poderia estar em risco se a corrupção não fosse tratada com esta rapidez e aspereza”[2]. Dir-nos-ão que, neste caso, a ingerência das potências imperialistas até é benéfica. Somos forçados a discordar. Assim como não cabe à Rússia, pela via militar, decidir seja o que for sobre o governo do povo ucraniano, também não cabe aos EUA ou à UE, fazê-lo pela via financeira. Só ao povo ucraniano – e só ao povo ucraniano – cabe pôr cobro aos vícios das suas elites, nunca a qualquer ingerência externa, ainda para mais vinda da UE, onde o corpo do Qatargate nem sequer arrefeceu.

Ainda no plano político, os chefes de estado das maiores potências europeias servem-se oportunamente da invasão russa da Ucrânia para lavar a cara e desviar as atenções da poderosa contestação social de que estão a ser alvo as suas políticas neoliberais. Rishi Sunak, Primeiro-Ministro do Reino Unido, com uma das maiores greves do sistema de Saúde e manifestações populares à perna, encontra-se com Zelensky e não afasta nenhuma possibilidade de fornecimento à Ucrânia: “Caças? Tudo está em cima da mesa”[3]. Logo de seguida, Macron, sob mais uma contestação popular gigantesca contra as alterações à idade da reforma, em jantar oficial com Zelensky e Olaf Scholz, Chanceler alemão, redime-se da sua exigência inicial em “não humilhar a Rússia” para salientar que foi o primeiro a anunciar o envio para a Ucrânia de carros blindados, ainda antes da Alemanha e dos EUA[4]. António Costa, por sua vez, também está sob forte contestação social, faz questão de tornar público que colocou ao dispor de Zelensky a sua rede diplomática em África e na América Latina para apoio logístico ou ações diplomáticas de Kiev[5].

Do ponto de vista militar, a indústria de armamento Ocidental rejubila com a escalada do conflito. Os EUA e o Reino Unido, nas respectivas recepções a Zelensky, prometeram todo o apoio durante o tempo que for necessário. França e Austrália associaram-se para produzir granadas de 155 mm e os alemães da Rheinmetal, fabricante dos tanques Leopard, já anunciaram ter capacidade para produzir lança-foguetes HIMARS[6]. Tudo com a necessária contenção para não parecer que se estão a envolver directamente no conflito. Basta salientar que o envio de carros de combate pesados não foi feito em nome da NATO, mas oportunamente em nome de cada um dos seus Estados, de forma “isolada” ainda que abertamente coordenados.

Não existe, portanto, qualquer interesse ou possibilidade de negociações de paz, nem da parte de Putin, nem da parte do imperialismo Ocidental. Caminhamos para um confronto cada vez mais directo entre potências imperialistas, com fortes possibilidades de escalada internacional. Ainda assim, somos do entendimento que aquilo que continua a marcar o conflito é a invasão russa da Ucrânia, numa violação aberta da sua independência e soberania.

Só a mobilização solidária dos povos poderá colocar um fim às guerras que lhes são completamente alheias. Não à guerra. Putin fora da Ucrânia. Não à NATO. Não ao aumento dos gastos militares. Toda a ajuda financeira e militar à resistência ucraniana, sem contrapartidas, para expulsar os invasores russos do seu território. Fim de todos os blocos militares. Toda a solidariedade com a resistência do povo ucraniano. Pela defesa do seu direito à soberania e autodeterminação.


[1] https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2623/html/primeiro-caderno/internacional/os-russos-sao-carne-para-canhao-mas-nos-tambem-estamos-a-morrer

[2] https://expresso.pt/internacional/guerra-na-ucrania/2023-01-25-Zelensky-afasta-os-seus-homens-sem-cerimonia.-Dinheiro-ocidental-em-risco-se-a-corrupcao-nao-fosse-tratada-com-aspereza-aec7920c

[3] https://sicnoticias.pt/especiais/guerra-russia-ucrania/2023-02-08-Zelensky-e-Sunak-fazem-balanco-da-visita-ao-Reino-Unido-7b2ee0eb

[4] https://www.publico.pt/2023/02/08/mundo/noticia/zelensky-macron-mudou-relacao-russia-2038183

[5] https://expresso.pt/politica/2023-02-09-Em-Bruxelas-Costa-confirma-a-Zelensky-apoio-militar-a-Ucrania-e-disponibiliza-rede-diplomatica-em-Africa-e-America-Latina-f138e8da

[6] https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2623/html/primeiro-caderno/internacional/armas-modernas-contra-ataques-em-massa

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