Moção de censura: a alternativa tem de surgir dos trabalhadores

/

Apesar de uma situação calma e do relativo prestígio do Governo PS, no último período surgiram novos elementos que parecem dar sinal de uma alteração na situação nacional. Nos últimos meses do ano, para além de constantes quedas de ministros e remodelações no governo, tivemos importantes lutas dos trabalhadores que agitaram as águas e que parecem aumentar em 2023. A extrema-direita pede oportunisticamente a queda do Governo, mas o Governo só poderá cair com mobilizações fortes e os trabalhadores nas ruas.

O ano de 2022 começou com Costa a mendigar por uma maioria absoluta. Acabou por a conseguir, não porque as suas políticas tinham um apoio da maioria da população, mas graças ao medo que se instalou do regresso do PSD ao governo. Os resultados eleitorais foram um desastre para a esquerda parlamentar que, depois de anos a sustentar os governos do PS e aprovar os seus orçamentos de estado – que continuavam a degradar os serviços públicos –, acabou por perder 20 assentos parlamentares. 

Quem saiu beneficiado foi a direita e extrema-direita e o próprio PS, que julgava ter o seu trabalho facilitado agora que não precisava de negociar migalhas com os seus parceiros à esquerda. Pensava poder aproveitar a maioria absoluta para satisfazer os interesses da Alemanha e do resto da União Europeia, pagando pontualmente mais de 6 mil milhões de euros todos os anos somente em juros para a dívida pública, deixando o país à míngua. Imaginou que distribuir algumas migalhas – uns 125 euros aqui e 240 euros acolá – chegaria para conter a contestação popular e satisfazer os credores internacionais, abrindo portas a novas privatizações. Mas 2022 acabou por não ser tão estável quanto pensava Costa. 

Caos no Governo

Desde que António Costa tomou posse, nos primeiros 6 anos sustentando pelo PCP e BE, que manteve a política da direita de desinvestimento nos serviços públicos. Servindo os interesses dos privados da saúde, canalizava 40% do OE para a saúde para os privados, mantendo o SNS num caos. Durante a pandemia vimos como, por um lado, o SNS não tinha capacidade de lidar com a emergência sanitária e, por outro, a forma como os privados de saúde se descartavam da responsabilidade de responder à situação. A verdade é que mesmo com a covid sob controlo, o SNS continuou a agonizar, subindo à tona graves problemas no serviço de obstetrícia. Algumas grávidas tiveram de percorrer centenas de kilometros para serem atendidas, uma chegou mesmo a morrer. No meio deste caos, Marta Temido demitiu-se de Ministra da Saúde e o Governo manteve a trajetória de destruição do SNS.

Seguiram-se casos de incompatibilidades dentro do próprio governo. O mais coberto pela imprensa, e que levou mesmo à demissão do Secretário de Estado Adjunto, é o de Miguel Alves que acabou acusado pelo Ministério Público de Prevaricação. Miguel Alves tinha outros casos de negócios obscuros na Câmara de Caminha. Muitos outros ministros e secretários de estado tinham negócios com o próprio estado, como foi coberto pelo RUPTURA nº 161. A verdade é que este tipo de proximidade entre a política e os negócios sempre foi a norma dos governos PS e PSD/CDS. Os partidos políticos tradicionais são, muitas vezes, a porta giratória entre a política e o mundo empresarial, e vice-versa. A política está transformada num sorvedouro de benefícios. A acumulação de benefícios privados subverte o interesse público. A direita e extrema-direita muitas vezes, demagogicamente, criticam estes interesses obscuros no Governo, mas também eles servem de ponte entre os negócios e a política.

O caso mais recente é o de Alexandra Reis, ex-secretária de Estado do Tesouro, que recebeu uma indemnização de meio milhão de euros para sair da administração da TAP. Depois da injecção de dinheiros públicos, de despedimentos em massa e da desvalorização do salário, parece que a TAP tem agora dinheiro suficiente para carros de luxo e indemnizações milionárias. Em resposta a isto, e para recuperar os direitos retirados pelo governo, os trabalhadores da TAP têm lançado várias importantes greves no setor. Mas o caso de Alexandra Reis tornou-se o central da contestação e acabou por se demitir e, com ela, o próprio Ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos.

Pedro Nuno Santos é visto por muitos como um ministro “simpático para os trabalhadores”, mas a verdade é que ele tem sido a principal figura no desmantelamento das lutas sindicais que marcaram os últimos anos. Desde os motoristas das matérias perigosas que, ainda durante a geringonça, sofreram com uma requisição civil do Governo e, mais tarde, viram o seu sindicato ilegalizado; passando pelos estivadores que também sofreram nas mãos de Pedro Nuno, que voltou a impor a requisição civil; chegando aos trabalhadores da CP, TAP e Groundforce, que o agora ex-ministro culpava como responsáveis pela destruição destas empresas – e não as suas políticas. Pedro Nuno Santos foi, durante os seus anos de governação, um dos principais agentes dos patrões – quando não diretamente o patrão – contra os trabalhadores em luta.

Moção de censura ao Governo

A extrema-direita tem olhado para esta instabilidade no governo a lamber os lábios. Vê a contestação como uma oportunidade para subir ao poder. Com isso em mente, a IL apresentou uma moção de censura ao Governo e o Chega, impossibilitado de apresentar novamente uma moção, acompanha a da IL e pede ao Presidente da República para destituir o Governo. Mas, como já referimos anteriormente, estes partidos não querem por fim aos compadrios, às portas giratórias entre reguladores e regulados, aos negócios obscuros, etc, porque também eles e os seus próximos beneficiam dessas leis. Querem continuar a permitir que bancos, a TAP e outras empresas, façam as suas próprias “leis” internas que permitem indemnizações de milhões e reformas milionárias até ao fim da vida. Basta lembrar dois casos: do banqueiro Jardim Gonçalves (BCP) com uma reforma de 174 mil euros por mês ou a de 52.000 euros/mês que outro banqueiro queria manter (Ricardo Salgado do ex-BES) exigindo, na altura, uma indemnização de 300 mil euros e com juros.

A extrema-direita é a que mais fanaticamente defende o sistema capitalista. Mas é precisamente a economia capitalista que permite salários de miséria para os trabalhadores e que, ao mesmo tempo, garante grandes salários e privilégios para os administradores e acionistas das empresas. O compadrio, as negociatas entre governantes, empresários e bancários faz parte do funcionamento normal deste sistema.

Foram governos da direita (PSD/CDS) e do PS que criaram, nos últimos 40 anos, todas as leis que este sistema permite, como as reformas milionárias, em poucos anos de serviço, de deputados e outros presidentes de câmaras e vereadores, enquanto que um trabalhador normal tem de descontar mais de 40 anos para poder desfrutar de uma parca reforma.

Como podemos então confiar na Iniciativa Liberal e Chega, ambos filhos dos partidos de direita que nos têm governado? Estão apenas interessados em terem também uma fatia dos dinheiros que são repartidos pelo Estado. Querem substituir um governo mau por outro ainda pior, que só aumentará o desmantelamento dos serviços públicos  – para serem entregues aos privados – e manterão os salários de miséria para os trabalhadores.

É óbvio que a moção de censura não passará na Assembleia da República e que o Marcelo não satisfará as vontades de Ventura, pelo menos por enquanto, pois tudo indica que eleições antecipadas continuariam a dar vantagem ao PS. É verdade que o Governo tem tido um ano atribulado, mas também é verdade que o Governo mantém o seu “estado de graça”.

A alternativa que precisamos

Depois de um ano em que o custo de vida explodiu, em que a inflação reduziu os já curtos salários e em que o Governo continuou no seu trajeto de desmantelamento do estado social, muitos foram os trabalhadores que saíram à rua. Os tripulantes da TAP, os professores, os enfermeiros, os operários da Autoeuropa, os camionistas e revisores da CP, todos têm mostrado grande força nestas lutas e têm mostrado um outro caminho.

Se queremos realmente um Governo que sirva os nossos interesses e não as negociatas de criminosos, se queremos reverter o desinvestimento nos serviços públicos, o controlo dos preços e o aumento generalizado dos salários que acompanhe a inflação, então temos de construir essa alternativa nas lutas nos nossos locais de trabalho e nas ruas. Precisamos unificá-las, radicalizá-las e construir novas alternativas políticas e sindicais, de modo a evitar que a demagogia da extrema-direita (ou uma nova maioria absoluta do PS) sejam cronicamente as alternativas de poder. O MAS está ao serviço da construção dessa alternativa para a classe trabalhadora.

Anterior

Professores a lutar também estão a ensinar

Próximo

Governo vira costas à educação