Solidariedade com o povo chinês: fim da política de “covid zero”

A crise na economia chinesa

Os drásticos e sucessivos confinamentos de cidades chinesas com milhões de pessoas têm, pura e simplesmente, fechado fábricas, suspendido serviços e interrompido cadeias de distribuição em prejuízo da própria economia chinesa. 

As exportações chinesas diminuem e o desemprego cresce, atingindo o actual recorde de cerca de 6%, a nível nacional. Parece pouco, mas face aos registos das últimas décadas e a uma população gigantesca é um valor significativo. Em especial, o desemprego entre os jovens que galopou de perto de 11%, em 2019, para os actuais 20%. Mais desemprego significa menos rendimentos no bolso das famílias, menor poder aquisitivo, acabando por deteriorar as condições de vida da juventude e dos trabalhadores.

Estes efeitos contribuíram para acelerar o rebentamento da bolha imobiliária, nos últimos meses, que estava em gestação na economia chinesa, actividade produtiva que representa cerca de 25% do PIB chinês e que, por exemplo, resultou numa quebra de vendas de 60%, em Junho de 2022, face ao mesmo período do ano anterior. 

No final do mês de Novembro de 2022, Xi Jinping foi mesmo forçado a intervir no mercado para minimizar a turbulência gerada pelo colapso do Grupo China Evergrande, um dos maiores construtores e promotores imobiliários chineses e dos mais endividados do mundo. Para o feito está a ser fornecido todo o crédito necessário às construtoras e estão a ser concedidos incentivos fiscais aos compradores de novas casas como forma de suster o funcionamento do mercado imobiliário, ao mesmo tempo que se vai tentado controlar a especulação imobiliária. 

Já para minimizar a crescente turbulência que os mercados tecnológicos têm vindo a evidenciar, Xi também aí interveio nos últimos meses. O mesmo foi feito nos mercados de capitais chineses como forma de controlar fortes quedas.

Ou seja, a economia chinesa parece mostrar sinais de que enfrenta uma dura crise económica e financeira, para a qual tem contribuído negativamente a política de “covid zero”, cenário que força o Estado a intervir de forma vigorosa sobre os seus principais sectores, como forma de esvaziar a especulação privada e manter o funcionamento mais estável possível dos mercados.

A política de “covid zero” como política de controlo social

Assim sendo, a manutenção da política de “covid zero”, após 3 anos de duros confinamentos, com profundos prejuízos sociais e económicos para a economia chinesa, só é compreensível do ponto de vista do controlo e repressão da possível contestação popular que advém de qualquer crise económica. Simultaneamente, o ambiente de alargado controlo social é também ele conveniente ao combate às alas das elites chinesas que podem desenvolver-se como grupos de poder contrários à vontade do líder em funções. Assim parece ter acontecido no XX Congresso do PCC, em Setembro.

Esta caracterização é reforçada pelo facto de a economia mundial ter começado a desconfinar há cerca de 1 ano, sem que isso represente novos surtos descontrolados de Covid-19. É, aliás, intrigante o fecho de cidades com milhões de habitantes pelo simples registo de algumas dezenas ou centenas de casos. Mais, já se compreendeu que o melhor combate à Covid-19 se deu através da vacinação generalizada da população, sobretudo dos seus sectores mais vulneráveis a doença grave, e de aceitarmos que a doença terá de se tornar endémica, à semelhança da gripe. O que é facto é que aqueles que ficam presos nos rígidos confinamentos vêem-se, muitas vezes, em condições piores que aquelas que teriam ao contrair a doença: falta de alimentos adequados, falta de suprimentos básicos ou mesmo falta de cuidados médicos em emergências não relacionadas com a Covid-19. Já para não falar dos nefastos efeitos para a saúde mental. Na China, chegou-se ao ponto de o confinamento que se diz cura ser mais prejudicial que a doença.

Portanto, tudo indica que a política de “covid zero” tem funcionado, em grande medida, como uma política de prevenção da contestação social, num contexto de crise económica, e o povo chinês já o entendeu como tal. Daí ter alcançado o seu ponto de ruptura, fazendo despoletar aquelas que já são consideradas as maiores manifestações populares desde os protestos de Tiananmen, em 1989, sobretudo, pela sua amplitude nacional.

A revolta popular contra a política de controlo social

A situação política chinesa tem vindo a amadurecer. A contestação que agora irrompeu em Urumqi não é a primeira manifestação de descontentamento. Em Outubro, um manifestante tinha pendurado faixas, numa ponte de Pequim, contra a política de “covid zero” e exigindo a saída de Xi Jinping, exigências que se têm espalhado pelo país. Em Novembro, os trabalhadores da maior fábrica de montagem de iPhone da China, em Zhengzhou, abandonaram os seus postos de trabalho quando aquela foi colocada em confinamento, e os residentes de Guangzhou, cidade muito industrializada, derrubaram as barreiras de bloqueio e manifestaram-se nas ruas durante a noite contras as medidas de confinamento.

A gota de água que fez alastrar os protestos a nível nacional parece ter sido um incêndio. A 24 de Novembro, num prédio residencial, em Urumqi, cidade sob um rigoroso confinamento, desde Agosto de 2022, com a maioria dos residentes proibidos de sair de casa, incidente do qual terão resultado oficialmente 10 mortes (os números reais podem ser bem mais elevados), por alegadamente não ter sido possível prestar o devido socorro às vítimas devido às barreiras de trânsito, destinadas a restringir a circulação nas ruas, que terão impedido os bombeiros de conseguir chegar ao edifício em chamas. 

Na manhã seguinte, durante o fim de semana de 25 a 27 de Novembro, os protestos irromperam por várias cidades do país, incluindo Pequim e Xangai, exigindo o fim da política de “covid zero” e chegando mesmo a materializar palavras de ordem contra o Governo Xi Jinping, algo inédito, nas últimas décadas. 

Xi Jinping foi forçado a responder com o alívio de algumas medidas de confinamento, ao mesmo tempo que colocou em marcha a mais dura repressão social com vista a perseguir e esmagar o mínimo indício de contestação popular. Violência policial, detenções arbitrárias, o maior e mais sofisticado sistema de videovigilância e o exército de censores foram postos em acção, numa orwelliana fiscalização e perseguição de tudo o que possa indiciar a participação nas manifestações populares. 

As manifestações foram diminuindo ao longo da semana seguinte, mas o sentimento de sufoco social e económico parece estar instalado. Se Xi Jinping não aliviar a política de “covid zero”, a mobilização social pode escalar e transformar-se em contestação política ao seu governo. 

O MAS solidariza-se com o povo chinês que, sob a mais severa repressão, tem a audácia de se mobilizar, sair às ruas e contestar a política do regime autoritário de Xi Jinping. Fazemos nossas as palavras de ordem que se ouvem nas ruas: Fim das restrições Covid! Fora Xi Jinping! 

Abaixo o regime de partido único! Pelas mais amplas liberdades democráticas de reunião, organização e manifestação!

Anterior

Esclarecimento público relativo às notícias publicadas sobre a manifestação de hoje, contra a mineração, em Montalegre

Próximo

Marcelo Rebelo de Sousa, de que espera para se demitir?