Sobre a posição do PCP quanto à intervenção de Zelensky na AR

A posição do PCP relativa à intervenção de Zelensky na AR é o reflexo da sua posição quanto à invasão russa da Ucrânia, um absurdo, fruto de concepções políticas deformadas.

O PCP afirma condenar a “recente intervenção militar da Rússia na Ucrânia”1. No entanto, faz uso ostensivo dos argumentos de Putin para deslocar as atenções do plano da Rússia invasora da Ucrânia para o plano da Rússia cercada pela NATO, como se este cerco pudesse servir de justificação àquela invasão.

Para dar alguma sustentação e suposta profundidade a tal posição, o PCP apoia-se em dois principais elementos. Um verdadeiro, que “o agravamento da situação é indissociável da perigosa estratégia de tensão e confrontação promovida pelos EUA, a NATO e a UE contra a Rússia, que passa pelo contínuo alargamento da NATO e o reforço do seu dispositivo militar ofensivo junto às fronteiras daquele país”2. E outro discutível, que Volodymyr Zelensky “personifica um poder xenófobo e belicista, rodeado e sustentado por forças de cariz fascista e neonazi, incluindo de carácter para-militar, de que o chamado Batalhão Azov é exemplo”3. No entanto, nada disto serve de justificação à invasão russa sobre a Ucrânia. Porquê?

Repare-se que, se considerarmos como justificação para a invasão russa sobre a Ucrânia o argumento do PCP (e de Putin) de que “não é expectável que a Rússia […] considere aceitável que seja incrementado junto às suas fronteiras um cerco militar por via de um ainda maior alargamento da NATO”, então, pela mesma ordem de razão, teremos de aceitar como justificáveis as incontáveis ingerências militares levadas a cabo pelos EUA, ao redor do globo, uma vez que tal potência imperialista não “considera aceitável” perder hegemonia seja em que lugar for. Um absurdo!

Apesar de o PCP afirmar que a “Rússia é um país capitalista, cujo posicionamento é determinado, no essencial, pelos interesses das suas elites e detentores dos seus grupos económicos”4, parece continuar a trabalhar com a concepção deformada de que a Rússia cumpre um qualquer papel anti-imperialista e que isso seria justificação para a invasão da Ucrânia.

Sejamos claros: estamos na presença de uma disputa mundial por territórios, recursos e mercados, entre as potências imperialistas ocidentais, capitaneadas pelos EUA, por um lado, e os imperialismos russo e chinês, em ascensão, por outro. Esta é uma disputa entre potências capitalistas com aspirações expansionistas, todas elas. Nenhuma das potências em confronto cumpre um papel progressivo ou anti-imperialista. Esta disputa tem tido sucessivos desdobramentos nas últimas décadas, em várias regiões do globo, sobretudo, no Médio-Oriente, sem que se possa considerar justificável qualquer invasão ou ingerência imperialista. O desdobramento mais recente dessa disputa é a actual invasão russa sobre a Ucrânia.

A disputa inter-imperialista e a invasão russa da Ucrânia são dois eventos distintos, mas relacionados. No entanto, o primeiro não pode ser aceite nem utilizado como justificação para o segundo, sob pena de estarmos a justificar a invasão de qualquer país por uma qualquer potência imperialista. Justificar uma invasão imperialista implica justificar qualquer invasão imperialista. Ou haverá alguma invasão imperialista melhor que outra? Não nos parece. O MAS coloca-se determinantemente contra qualquer invasão ou ingerência imperialista.

Por outro lado, se considerarmos como justificação para a invasão imperialista russa sobre a Ucrânia o argumento do PCP (e de Putin) de que Volodymyr Zelensky “personifica um poder xenófobo e belicista, rodeado e sustentado por forças de cariz fascista e neonazi, incluindo de carácter para-militar, de que o chamado Batalhão Azov é exemplo”, então, por maioria de razão, teremos de aceitar, não só o alargamento da NATO, mas inclusive apoiar uma eventual invasão da NATO sobre a própria Rússia, uma vez que as características do regime de Putin não andarão muito longe das do regime de Zelensky. Outro absurdo!

Para além disso, convém ter presente que o desenvolvimento das forças de cariz fascista e neonazi na Ucrânia, incluindo de carácter para-militar, tal como o Batalhão Azov, se deve, em grande medida, à secular opressão nacional russa sobre a Ucrânia, nomeadamente, à do antigo czarismo, à do regime estalinista e à do actual regime de Putin. O nacionalismo ucraniano é a consequência directa da opressão nacional russa sobre a Ucrânia, algo que o PCP parece querer ignorar. Justificar a invasão russa da Ucrânia como forma de alcançar a sua “desnazificação” é como justificar a hegemonia imperial dos EUA para acabar com o capitalismo.

No contexto da ofensiva militar russa sobre a Ucrânia, o MAS coloca-se ao lado da resistência ucraniana e da defesa do direito do povo ucraniano à sua soberania e auto-determinação, o que não significa qualquer apoio político ao Governo Zelensky, da mesma forma que a unidade militar entre o exército vermelho e os exércitos aliados para combater a expansão nazi, durante a II Guerra Mundial, não significaram qualquer apoio político mútuo entre os seus governos.

Como temos vindo a referir, chave da situação não está em definir qual dos imperialismos pode ser mais benéfico para a humanidade, mas sim na solidariedade e mobilização dos povos europeus contra a invasão russa da Ucrânia e contra as elites que nos arrastam para mais um conflito militar de consequências imprevisíveis. Não à guerra. Putin fora da Ucrânia. Não à NATO. Fim de todos os blocos militares. Solidariedade com o povo e resistência ucraniana.

1 https://www.pcp.pt/pela-paz-nao-instrumentalizacao-da-assembleia-da-republica-instigacao-da-guerra

2 https://www.pcp.pt/pcp-apela-promocao-de-iniciativas-de-dialogo-paz-na-europa

3 https://www.pcp.pt/pela-paz-nao-instrumentalizacao-da-assembleia-da-republica-instigacao-da-guerra

4 https://www.pcp.pt/pcp-apela-promocao-de-iniciativas-de-dialogo-paz-na-europa

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