Putin mantém a ofensiva que já destruiu a quase totalidade da cidade de Mariupol e continua a aproximar-se de Odessa, para controlar toda a fronteira marítima da Ucrânia. A Norte, Kharkiv mantém-se sob duros bombardeamentos, enquanto as tropas russas avançam nos subúrbios de Kiev, em direcção à tomada do centro administrativo e político do país.
Putin não tem ainda como justificar um fim da escalada militar, uma vez que nenhum dos seus objetivos está garantido. Não depôs o governo ucraniano, não assegurou a neutralidade da Ucrânia, embora Zelensky tenha demonstrado abertura para o fazer, e não garantiu o controlo dos territórios da Crimeia ou a autonomia do Donbass.
Para não perder a face na disputa imperialista pela Ucrânia, Putin acaba por enfraquecer a sua posição no contexto mundial. As sanções dos imperialismos ocidentais isolam a Rússia, corroem o seu aparelho produtivo e desestabilizam a burguesia russa, e, como recaem sobretudo sobre o povo russo, desencadeiam o descontentamento popular. A resposta de Putin tem sido o endurecimento do regime interno, já de si autocrático, enquanto vai tentando substituir a sua dependência do mercado europeu, aumentando o escoamento de hidrocarbonetos para a China1.
Do lado do imperialismo americano, Biden vai colhendo os benefícios do isolamento da Rússia, uma vez que vai conquistando o importantíssimo mercado europeu de hidrocarbonetos, ao mesmo tempo que negoceia a neutralidade da China, evitando qualquer auxílio militar chinês à Rússia.
Por enquanto, os imperialismos europeu e americano não têm interesse em entrar directamente no conflito que, apesar da inflação galopante, lhes é, até ver, favorável: (i) desgaste do regime de Putin e da economia russa no plano económico, social, político e militar; (ii) recuperação do desgaste a que a NATO e as potências ocidentais têm vindo a ser sujeitas, nos últimos 20 anos, com as criminosas intervenções no Médio-Oriente; (iii) confluência da UE e dos EUA em torno do aumento substancial dos seus orçamentos de guerra; (iv) ainda maior aproximação do conjunto do Leste europeu às potências imperialistas ocidentais; (v) fornecimento de equipamento militar e financiamento à Ucrânia, em troca da aplicação dos planos de empobrecimento do FMI, sem que isso signifique qualquer desgaste no campo de batalha. No entanto, as potências da NATO fazem questão de exibir o seu poderio militar, ao largo da costa da Noruega, junto a exercícios militares russos, um pouco mais a Norte, no Mar de Barents, numa declarada demonstração da força imperialista de ambos os lados, alimentando a escalada belicista.
Livres do esforço militar e com o tabuleiro a seu favor, as potências imperialistas ocidentais têm campo aberto para se dedicar à campanha mediática, afogando a propaganda russa. Lubrificam as suas máquinas mediáticas com o endeusamento de Zelensky, reduzindo a invasão russa da Ucrânia à superficialidade de um suposto conflito moral entre “bem” e “mal”, censurando tudo quanto seja russo, incluindo importantes referências culturais da história da humanidade, e sentenciando todos os que ousam questionar tamanha mediocridade jornalística.
Entretanto, Zelensky, talvez a precaver-se contra a contestação que advenha de algum recuo negocial que esteja a preparar, acaba de impor a suspensão selectiva de uma parte da oposição interna, tanto à direita como à esquerda, incluindo partidos de esquerda que, neste preciso momento, combatem a invasão russa no terreno. Para além disso, Zelensky também decretou a concentração de toda a imprensa sob o seu poder. Apenas os partidos da direita ultraliberal e os ultranacionalistas/neonazis continuam a operar livremente na Ucrânia, numa clara ameaça ao povo ucraniano, factor a que a campanha mediática dos imperialismos ocidentais não deu importância alguma.
É urgente o fim da guerra na Ucrânia, cujos custos recaem sobre todos os povos europeus e o povo russo. Putin fora da Ucrânia! Não à NATO! Toda a solidariedade com o povo ucraniano, pela conquista da sua autodeterminação e independência!
Exigimos dos governos europeus e, em particular, do governo português que o apoio prestado à resistência ucraniana seja isento de quaisquer condições ou interesses. Exigimos o cancelamento da dívida pública ucraniana. Exigimos que as sanções do Ocidente recaiam exclusivamente sobre as elites russas e não sobre o seu povo e povos europeus: fim das offshores, tabelamento de preços dos combustíveis e bens essenciais, fim da escalada belicista.
1 https://expresso.pt/economia/2022-03-21-Moscovo-prepara-venda-de-mais-petroleo-a-China-passando-pelo-Cazaquistao-21e10fca