A Ucrânia – por Lenine

Artigo de Lenine, publicado no jornal Pravda, Nr. 82, a 28 (15) de Junho de 1917, poucos meses antes da Revolução de Outubro.

O fracasso da política do novo Governo Provisório [russo] está a tonar-se cada vez mais óbvio. O Decreto Universal sobre a organização da Ucrânia, emitida pelo Concelho Central Ucraniano (Rada Central)1 e adotada a 11 de junho de 1917, pelo Congresso do Exército de Toda a Ucrânia, expõe claramente a sua política e fornece provas documentais daquele fracasso.

Sem se separar da Rússia, sem romper com o Estado russo”, lê-se no decreto, “deixemos o povo ucraniano ter o direito de moldar a sua própria vida no seu próprio solo… Todas as leis segundo as quais a ordem deve ser estabelecida aqui na Ucrânia devem ser aprovadas exclusivamente por esta Assembleia Ucraniana. E as leis que estabelecem a ordem em todo o Estado russo devem ser aprovadas pelo Parlamento de Toda a Rússia”

Estas são palavras perfeitamente claras. Elas afirmam muito claramente que o povo ucraniano não deseja separar-se da Rússia de momento. Eles exigem autonomia sem negar a necessidade da autoridade suprema do “Parlamento de Toda a Rússia”. Nenhum democrata, muito menos um socialista, se aventurará a negar a completa legitimidade dos pedidos da Ucrânia. E nenhum democrata pode negar o direito da Ucrânia de se separar livremente da Rússia. Apenas o reconhecimento absoluto desse direito permite defender uma união livre dos ucranianos e dos grão-russos, uma associação voluntária dos dois povos num só Estado. Apenas o reconhecimento absoluto deste direito pode realmente romper completa e irrevogavelmente com o maldito passado czarista, quando tudo foi feito para provocar um distanciamento mútuo destes dois povos tão próximos um do outro na língua, território, carácter e história. O maldito czarismo fez dos grão-russos carrascos do povo ucraniano e fomentou neles o ódio por aqueles que até proibiam as crianças ucranianas de falar e estudar na sua língua nativa.

Os democratas revolucionários da Rússia, se querem ser verdadeiramente revolucionários e verdadeiramente democráticos, devem romper com esse passado, devem recuperar para si, para os operários e camponeses da Rússia, a confiança fraterna dos operários e camponeses ucranianos. Isso não pode ser feito sem o pleno reconhecimento dos direitos da Ucrânia, incluindo o direito à livre secessão.

Nós não favorecemos a existência de pequenos estados. Defendemos a mais apertada união de todos os trabalhadores do mundo contra os “seus” capitalistas e os de todos os outros países. Mas para que essa união seja voluntária, o trabalhador russo, que não confia nem por um momento na burguesia russa ou ucraniana, defende o direito dos ucranianos de se separarem, sem lhes impor a sua amizade, mas lutando para conquistar a sua amizade tratando-os como iguais, como aliados e irmãos na luta pelo socialismo.

O Rech2, o jornal dos amargurados burgueses contrarrevolucionários, que estão meio dementes de raiva, ataca selvaticamente os ucranianos pela sua decisão “não autorizada”. “Esse acto dos ucranianos”, diz ele, “é um crime absoluto segundo a lei e exige a aplicação imediata e legítima de medidas punitivas severas”. Não há nada a acrescentar a este ataque dos selvagens burgueses contrarrevolucionários. Abaixo a burguesia contrarrevolucionária! Viva a união livre de camponeses e operários de uma Ucrânia livre com os operários e camponeses da Rússia revolucionária!

Artigo traduzido do inglês em: https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1917/jun/28.htm

1 O Concelho Central Ucraniano foi uma organização nacionalista burguesa contrarrevolucionária, fundada em abril de 1917, no Congresso Nacional de Toda a Ucrânia, em Kiev por um bloco de partidos e grupos nacionalistas burgueses e pequeno-burgueses ucranianos. M. S. Grushevsky, um ideólogo da burguesia ucraniana, era o seu presidente e V. K. Vinnichenko o seu vice-presidente. Entre os seus membros estavam Petlyura, Yefremov, Antonovich e outros nacionalistas. Socialmente, o Concelho Central Ucraniano contava com o apoio da burguesia urbana e rural, dos kulaks e dos intelectuais nacionalistas pequeno-burgueses. Tentou consolidar o poder da burguesia e dos latifundiários ucranianos e estabelecer um estado burguês ucraniano, aproveitando o movimento de libertação nacional na Ucrânia. Sob o pretexto de iluminar a independência nacional, esforçou-se para ganhar o apoio do povo ucraniano, desviar-se do movimento revolucionário de toda a Rússia, colocando-se sob o domínio da burguesia ucraniana e impedir a vitória da revolução socialista na Ucrânia. O Concelho Central Ucraniano apoiou o Governo Provisório apesar das divergências sobre a questão da concessão de autonomia à Ucrânia.

Após a vitória da Revolução Socialista de Outubro, o Concelho Central Ucraniano declarou-se o órgão supremo da “República Popular da Ucrânia” e fez campanha abertamente contra o domínio soviético. Foi um dos principais centros dos contrarrevolucionários de toda a Rússia.

2 Órgão oficial do partido russo Partido Constitucional Democrata, também conhecido pelo Partido Kadet, que deriva da abreviatura K-D, proveniente do seu nome em russo – Konstitutsionno-demokraticheskaya partiya. O Partido Constitucional Democrata defendia a instauração de uma monarquia constitucional na Rússia, representando os interesses da burguesia.

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