Quanto mais democrático for o regime estatal, mais claro será para os operários que a raiz do mal é o capitalismo, não a falta de direitos. Quanto mais completa for a igualdade nacional (ela não é completa sem liberdade de separação), mais claro será para os operários da nação oprimida que a questão reside no capitalismo, não na falta de direitos etc.
Vladímir Ilitch Uliánov Lenine1
Não há fundamento para declarar que o interesse de Lenine na questão nacional estivesse arraigado em qualquer tipo de compromisso pessoal. Não se podem descartar as experiências pessoais, pois seria difícil encontrar uma única reminiscência revolucionária, ou obra literária relevante, desde o início do século, que não mencione as várias manifestações de desprezo por outros povos, absolutismo nacional e opressão chauvinista que marcaram o império do tsar, seja na vida diária, seja nas zonas obscuras da política. Lenine, naturalmente, também sabia do caráter repressor da autocracia em relação às minorias nacionais. A Rússia se encontrava em um estado tal que um intelectual do período não poderia nem mesmo tangenciar a questão nacional. A literatura russa, como um todo, dá testemunho disso – de Dostoiévski a Tolstói, de Saltykov-Schédrin a Korolienko, de Bábel a Chólokhov. Os impérios multinacionais russo, austro-húngaro e turco depararam-se com iniciativas variadas e cada vez mais resolutas dos movimentos nacionais redivivos.
De acordo com o censo de 1897, na virada do século o Império Russo, incomparavelmente multinacional, abrigava 128.924.289 pessoas. O povo que vivia nas regiões asiáticas compunha aproximadamente 10% da população total do império. Isso significa que a soma da população da Ásia central e dos caucasianos constituía número menor na virada do século (e mais tarde) que a população urbana do império em 1913 (que perfazia 18% da população total). É típico da mistura de etnias das cidades que, por exemplo, houvesse registo de 45 nacionalidades em Kharkiv e que a população de Odessa falasse 50 idiomas diferentes. Evidentemente, a organização revolucionária nas metrópoles deparava com um emaranhado de problemas e conflitos étnicos e sociais. A repressão étnica, inseparável das tendências “russificadoras” do czarismo, não deixava “incólumes” os operários.
Enquanto isso, Lenine notou que, no âmbito internacional, a social-democracia2 demonstrava algum interesse na questão nacional no início do século, dado que a Internacional estava ciente da pressão exercida pelos movimentos nacionais e pelo nacionalismo sobre a formação e o fortalecimento dos Estados-nação. Em 1896, o Congresso de Londres da Segunda Internacional reconheceu o direito das nações à autodeterminação e vinculou essa resolução às metas da revolução proletária. Deixou, no entanto, de destacar as especificidades e a complexidade da questão nacional no Leste Europeu. No início do século, essa questão não poderia ser evitada também pelo movimento operário russo.
A questão nacional interessava a Lenine somente como problema básico de organização e política partidária, embora gradualmente tenha reconhecido seu alcance mais amplo. Quase cem estudos e artigos – muitos dos quais polémicos – específicos sobre a questão nacional antes da Revolução de Outubro demonstram sua grande dedicação ao assunto e a importância dele. Um exame cuidadoso de suas obras a respeito da questão nacional mereceria um estudo à parte. No entanto, pode-se indicar aqui, com certeza, que o legado de Lenine sobre a questão, entre 1912 e 1916, demonstra interesse e profundidade científicos. Em 1912, ele já argumentava que a questão nacional seria de excepcional importância no período seguinte e contava, acima de tudo, com a união dos movimentos nacionais e revolucionários sociais. A questão nacional e, mais especificamente, o direito de autodeterminação das nações tiveram afirmação e definição políticas articuladas pela primeira vez no II Congresso do Partido Operário Social-Democrata Russo, em 19033. Marcaram presença 46 delegados de todos os cantos do império e de 26 organizações social- democratas. A relação entre partido e nacionalidades, bem como o papel da associação dos operários judeus (Bund), também foi motivo de debate no POSDR. Por iniciativa de Lenine, Plekhánov, Mártov e outros intelectuais importantes do partido, passou-se uma resolução no II Congresso do Partido que tomava posição firme sobre a questão do Bund4. A resolução rejeitava a reestruturação federativa do partido baseada em nacionalidades, segundo o princípio de que o partido da classe operária russa – sendo baseado em classe – não se poderia dividir em secções nacionais.
O partido, de acordo com a nona cláusula do programa, declarava – e foi o primeiro a fazê-lo entre os sociais-democratas da Europa oriental – reconhecer o direito das nações à autodeterminação. Escritos de Lenine e documentos relacionados do partido afirmam, não obstante, que o reconhecimento do direito à autodeterminação e à secessão não deve ser confundido com o fato de ser oportuno ou não que dada nação se torne Estado soberano. Segundo essa postura, o reconhecimento do direito à autodeterminação de criar um Estado-nação soberano – isto é, secessão do Império e qualquer outra formação institucional de Estado – é, em geral, um direito civil democrático e fundamental que “qualquer social-democrata deve reconhecer”. No âmbito político, esse é o único meio de autodefesa das minorias étnicas oprimidas contra o chauvinismo da Grande Rússia.
O reconhecimento do direito das nações à autodeterminação somou-se à tendência de desenvolvimento capitalista – ou talvez à oportunidade histórica de desenvolvimento capitalista – em levar à dissolução dos impérios europeus orientais, sob a pressão de suas contradições internas, em Estados-nação. A rápida expansão do capitalismo e a transformação burguesa minaram e destruíram economicamente os tradicionais impérios feudais e, com o fortalecimento dos mercados nacionais, despertaram várias formas de nacionalismo. Para os movimentos formados em torno dessa perspectiva, a dispersão de antigas estruturas de Estado e a dissolução dos conflitos de classe em “unidade nacional” foram as metas mais importantes. Por isso, o programa do partido enfatizava que, sob condições capitalistas, o desenvolvimento interno do movimento operário exigia uma pauta que estabelecesse a unidade do movimento operário sem restrições nacionais.
Lenine expressou sua solução teórica para essa contradição aparentemente complexa em escritos do final de 1913 ao começo de 1914. Esboçou a tese, hoje famosa, de que, no desenvolvimento capitalista, duas tendências simultâneas estavam em evidência quanto à questão do nacionalismo. A primeira envolvia o “despertar da atividade nacional e dos movimentos nacionais”, a “luta contra todas as formas de opressão nacional” e, para os Estados-nação, os mercados nacionais. A segunda tendência histórica era o desenvolvimento de elos económicos, comerciais, científicos e outros entre nações, e a derrubada de fronteiras nacionais de acordo com a integração dos interesses globais e a expansão do capital internacional. Embora Lenine acreditasse que ambas fossem “leis universais do capitalismo”, contava com a ampliação das tendências integracionistas ao desenvolvimento do sistema capitalista e registou a “confirmação” disso em seu livro sobre o imperialismo. Apenas durante a guerra depararia com a importância capital do problema de que o capitalismo se dirigia a uma nova fase destrutiva. No contexto da luta de classes revolucionária, aquilo tornava a questão nacional vital à “política de alianças da classe operária”. Lênin pretendia que o programa político dos sociais-democratas levasse em consideração ambas as tendências do desenvolvimento capitalista. Defendia “a igualdade das nações e idiomas e a proibição de quaisquer privilégios a esse respeito”, em conjunto com uma “luta intransigente contra a contaminação do proletariado pelo nacionalismo burguês, mesmo aquele do género mais refinado”.
Todo o seu conceito teórico-económico e político da questão nacional foi determinado por um pensamento já examinado em relação ao imperialismo, nascido de sua identificação da subdivisão hierárquica tripartida do sistema mundial, com base na “lei” do desenvolvimento desigual. Ao estudar a questão nacional e o problema do direito das nações à autodeterminação, Lenine delineou a estrutura básica do sistema mundial da seguinte maneira:
A este respeito, devem-se dividir os países em três tipos principais: primeiro, os países capitalistas avançados da Europa ocidental e os Estados Unidos da América. Neles, os movimentos nacionais progressistas e burgueses terminaram há muito […]. Segundo, Europa oriental: a Áustria, os Balcãs e, particularmente, a Rússia. Aqui, foi especialmente o século XX que desenvolveu os movimentos nacionais democrático-burgueses e intensificou a luta nacional.
Os países coloniais foram incluídos no terceiro grupo, que abrigava nações cuja formação ainda estava em andamento. Lenine alcançou a compreensão da “lei” do desenvolvimento desigual com base na variação de épocas e regiões históricas, diferenças básicas dos modos de produção e dos sistemas económicos. Durante o processo de, mais uma vez, “revisar” Marx, Lenine chegou a uma conclusão definitiva, a partir do ponto de vista da revolução:
A revolução social não pode ser a ação unida dos proletário de todos os países pela simples razão de que a maior parte dos países e a maioria da população mundial nem mesmo atingiu, ou apenas acabou de atingir, o estágio capitalista de desenvolvimento […]. Somente os países avançados da Europa ocidental e da América do Norte amadureceram para o socialismo.
Lenine considerava desdobramento importante que bancos e grandes monopólios “libertassem” de suas variedades nacionais de produção e opressão capitalista os pequenos Estados e colónias que não faziam parte do centro. Embora a luta pela liberdade nas colónias tivesse acabado de começar, Lenine já previa que, de certo modo, elas seriam empurradas de volta às circunstâncias do período colonial, na medida em que aquelas instituições capitalistas organizadas internacionalmente incorporariam o Estado-nação como instituição económica sua e o transformariam em uma das funções do capital globalizado e de suas instituições.
O Império Russo sob domínio dos czares parecia uma mistura de periferia e semiperiferia. A Rússia autocrática se encontrava em posição subsidiária diante do centro capitalista, mas também era potência colonialista, ainda que as colónias estivessem integradas ao Estado. A energia centrífuga dos movimentos nacionais em avanço, ao fim do século XIX, no Império Russo, impeliu os sociais-democratas, desde o começo, a buscar a unificação do movimento operário, desembaraçada de questões de origem nacional. Esse foi o mais alto objetivo no que se referia às metas revolucionárias.
A “posição estratégica de proeminência” de Lenine incorporava o reconhecimento da autodeterminação das nações como uma das circunstâncias especiais na via revolucionária, a célebre aliança “crítica” com os movimentos nacionais5. A novidade de sua abordagem do internacionalismo, em oposição àquela da social-democracia tradicional – que inclui Luxemburgo6, entre outros teóricos –, foi que ele construiu exigências pela eliminação da opressão nacional, incluindo a opressão linguística e cultural, dentro do conceito “universalista” de luta de classes, na condição de conjunto diverso de problemas7.
Em estudo sobre o direito das nações à autodeterminação, escrito na primavera de 1914 – mais uma vez polémico quanto à posição de Luxemburgo8 –, Lenine fustigou as considerações políticas que rejeitavam a autodeterminação nacional derivadas de princípios abstratos. Um conceito-chave da social-democracia estava em jogo; desde as minorias nacionais locais até os participantes dos movimentos coloniais em meio a seus conflitos nacionais, virtualmente todos os oponentes do czarismo iriam se beneficiar da autodeterminação.
Naqueles escritos, Lenine correlacionou as exigências nacionais, “purgadas” de nacionalismo, à cultura; seu objetivo era delinear, tão claramente quanto possível, as duas formas de abordar a “cultura nacional”9: a “marxista”, “democrática” e “socialista” de um lado; a burguesa de outro. No outono de 1913, escreveu sobre como funcionava a “cultura nacional” burguesa.
A cultura nacional da burguesia é fato (e, repito, a burguesia em toda parte celebra acordos com latifundiários e clero). Nacionalismo burguês agressivo, que entorpece a mente dos operários, debilita-os e desune-os para que a burguesia possa levá-los a cabresto – esse é o ponto fundamental desta época.10
Palavras de Lenine, ao deflagrar-se a guerra mundial: “O liberalismo russo degenerou em nacional-liberalismo. Ele rivaliza em ‘patriotismo’ com os Cem-Negros; vota sempre de bom grado pelo militarismo”11. Todos os matizes desaparecem à medida que as realidades da guerra polarizam as “duas culturas”.
Seu estudo Acerca do orgulho nacional dos grão-russos, lançado após o início da guerra em dezembro de 1914, foi uma refutação das acusações liberais e conservadoras de que a social-democracia fosse desenraizada e antipatriótica. Demarcava bem a cultura nacional socialmente progressista. Para Lenine, aquilo significava uma dedicação, em ampla escala social, à cultura humanista russa, da qual o povo poderia ter verdadeiro orgulho. Tal cultura se encontrava em oposição a todas as realizações históricas e todos os interesses do czarismo e da burguesia russa, da elite proprietária e do clero. Na concepção de Lenine, o “orgulho nacional” estava relacionado ao conceito de liberdade, a capacidade que a maioria do povo tinha de se emancipar da servidão.
Estamos imbuídos do sentimento de orgulho nacional, e justamente por isso odiamos em particular nosso passado de escravos (quando os latifundiários nobres levavam para a guerra os mujiques para estrangular a liberdade da Hungria, da Polónia, da Pérsia, da China) e nosso presente de escravos, quando os mesmos latifundiários, apoiados pelos capitalistas, nos levam à guerra […]. Ninguém é culpado de ter nascido escravo; mas o escravo que não só evita aspirar a conquistar sua liberdade, mas também justifica e embeleza sua escravidão […] é um lacaio e um estúpido, que causa um sentimento legítimo de indignação, desprezo e repulsa. […] os grão-russos não podem “defender a pátria” de outra maneira que não seja desejando em qualquer guerra a derrota do czarismo, como mal menor para nove décimos da população da Grande Rússia. Pois o czarismo não apenas oprime económica e politicamente esses nove décimos da população, como os desmoraliza, humilha, desonra e prostitui ao habituá-los a oprimir outros povos, ao habituá-los a encobrir sua vergonha com frases hipócritas, pretensamente patrióticas.12
Uma carta escrita por Lenine em resposta a Stepan Chaumian, datada de dezembro de 1913[95], elucida seu compromisso com o cultivo do idioma e da cultura russos. Defende a ideia do Estado centralizado (continuaria a fazer isso até 1918) em consequência mais da necessidade de manter coeso o movimento operário. No entanto, no que se refere à questão nacional, Lenine volta-se à Suíça com único exemplo bem-sucedido e democrático de descentralização sob condições capitalistas. Dirige a Chaumian a seguinte pergunta: “Avançamos um programa nacional, do ponto de vista proletário; desde quando se recomenda que os piores exemplos, e não os melhores, sejam tomados como modelo?”.
Lenine mantinha a firme convicção de que a liberdade linguística ou cultural de um povo não deveria ser infringida nem mesmo minimamente e via o problema como parte do quadro de direitos democráticos fundamentais. Por essa razão, não aceitava nenhum idioma oficial do Estado, pois isso fortaleceria o chauvinismo da “grande nação” – as políticas russificadoras do czar, naquela situação – e exacerbava as desigualdades e as subjugações já desenfreadas na vida diária. Foi orientado principalmente pela ponderação teórica e política de que considerações democráticas deveriam ser levadas em conta no que tangia à questão nacional13.
Lenine via o conceito político e ideológico austro-marxista de autonomia cultural-nacional como concessão ao nacionalismo que reprimia os esforços democráticos dos movimentos nacionais. Argumentava que o conceito expunha os movimentos à Igreja e a seus sacerdotes e, ao mesmo tempo, restringia a organização dos operários, incluindo os princípios e a práxis internacionalistas do movimento operário. Seja qual for a opinião sobre o argumento de Lenine contra o conceito de autonomia cultural de Otto Bauer, é certo que chame atenção para preconceitos, na medida em que, até 1918, os sociais-democratas austríacos não reconheceram o direito à autodeterminação nem dos povos nem das nações no território do Império Austro-Húngaro.
Lenine sempre abordou o papel e o caráter dos movimentos nacionais a partir de uma perspectiva histórica e de classe. Não apoiava a luta de todo e qualquer pequeno país contra as grandes potências imperialistas. Além disso, impunha uma condição estrita: não se deve apoiar o levante de nenhuma classe mais reacionária que a burguesia dos países capitalistas centrais14.
Seguindo essa abordagem, descrevia a opressão nacional como forma específica de opressão de classe, com raízes económicas e socioculturais próprias. A questão nacional era um problema de emancipação sociopolítica e económico-cultural. Uma solução à questão nacional – escreveu – era que, mesmo no socialismo,
a possibilidade torna-se realidade “apenas” – “apenas!” – com o estabelecimento da plena democracia em todas as esferas, incluindo o traçado de fronteiras do Estado de acordo com as “simpatias” da população e a completa liberdade de secessão. E […] uma acelerada reunião e fusão de nações que será completa quando o Estado definhar15.
O quadro não estaria completo caso não se percebesse que Lenine tentava alcançar o entendimento do comportamento político das classes operárias ocidentais. Ao tentar compreender as razões da “prostituição” da social-democracia ocidental, Lenine também observou os fatores económicos, políticos e intelectuais das relações entre países opressores e oprimidos.
Estudou a situação da classe operária nos Estados Unidos por intermédio do livro de Isaac Hourwich Immigration and Labor [Imigração e trabalho] (1912). No contexto de nações “dominantes” e “oprimidas”, explicou a mudança de lado oportunista por parte da maioria das massas operárias da seguinte forma:
1) Economicamente, a diferença é que há partes da classe operária dos países opressores que recebem migalhas dos sobrelucros que os burgueses das nações opressoras obtêm explorando duplamente os operários das nações oprimidas. Além disso, os dados económicos demonstram que entre os operários das nações opressoras é maior a percentagem dos que chegam a “mestres” do que entre operários das nações oprimidas, maior a percentagem dos que ascendem à aristocracia da classe operária. Isso é fato. Os operários da nação opressora são, até certo ponto, parceiros de sua burguesia na pilhagem dos operários (e da massa da população) da nação oprimida.
2) Politicamente, a diferença é que os operários das nações opressoras ocupam uma situação privilegiada em uma série de domínios da vida política, em comparação com os operários da nação oprimida.
3) Ideologicamente, ou espiritualmente, a diferença é que os operários das nações opressoras são sempre educados, tanto pela escola como pela vida, no espírito do desprezo ou do desdém em relação aos operários das nações oprimidas. Por exemplo, todo grão-russo que tenha sido educado ou tenha vivido entre grão-russos experimentou isso16.
Lenine esteve entre os primeiros marxistas e sociais-democratas a entender a verdadeira importância histórica da questão colonial. Sua conclusão política mais importante foi a de que os movimentos nacionais e coloniais acabam por se interligar, inevitavelmente – um ao outro e ao movimento trabalhista europeu –, caso a opressão imperialista crie interesses comuns no sistema mundial. No processo dessa percepção, ele parece ter subestimado sua observação anterior sobre como “a aristocracia operária” e o movimento operário dos países capitalistas centrais da Europa, em geral, alcançaram uma posição relativamente privilegiada como resultado da exploração das colónias. Tal privilégio assegurava o apoio dos operários à conservação do sistema capitalista. Lenine também demonstrou que as grandes potências imperialistas recrutavam grupos “adeptos do sistema” entre os principais círculos dos movimentos nacional-coloniais e os prostituíam17.
Em relação às fronteiras indistintas entre movimentos coloniais e nacionais na Rússia, Lenine denunciou o “colonialismo interno russo”.
E na Rússia? Sua particularidade consiste precisamente em que entre “nossas” “colónias” e “nossas” nações oprimidas a diferença não é clara, não é concreta, não é viva! […] Para um socialista russo que queira não simplesmente repetir, mas pensar, deveria ser claro que no caso da Rússia é particularmente absurdo tentar estabelecer alguma diferença séria entre nações oprimidas e colônias.
Entre os aliados da social-democracia revolucionária, o papel da autodeterminação nacional, tanto como princípio político quanto como ideologia, havia crescido. Essa questão desencadeou grandes disputas entre os mais próximos de Lenine. Ele polemizou com amigos bolcheviques que partilhavam de seus princípios (os “internacionalistas abstratos” Piátakov, Bukhárin, Rádek e Luxemburgo), pois estes subestimavam a pesquisa e a exploração necessárias das “mediações” e “transições” à meta final revolucionária e das possibilidades do momento.
Na interpretação de Lenine, tal movimento demonstrava uma distorção dúplice, semelhante à do “economicismo”: uma distorção “tendente à direita” que rejeitava a “libertação dos povos oprimidos, a luta contra as anexações”, e uma “tendente à esquerda” que se revelava no abandono da “luta pela reforma e pela democracia”, um recuo em relação aos movimentos de massa e um fracionamento sectário do grupo18. Esses debates se repetiram com os socialistas internacionalistas polacos, com Lenine rotulando a rejeição do direito das nações à autodeterminação como “traição ao socialismo”19. Rejeitar esse princípio era apoiar “uma forma de opressão política”.
Lenine considerava a autodeterminação nacional uma questão fundamental da democracia, a qual os revolucionários “não poderiam baratear!”. Acreditava que, ao opor-se ao realinhamento imperialista das fronteiras feito à força, um socialismo que mais tarde ascenderia ao poder deveria retornar às tradições democráticas que regem o estabelecimento de fronteiras. Não fica claro se tal tradição alguma vez existiu no sistema capitalista, mas é certo que o “retorno” a essa tradição não era uma alternativa para a Rússia.
Quando Lenine encontrou correlação entre democracia e socialismo, ele estava bem ciente de que o capitalismo funciona democraticamente apenas sob condições históricas específicas: “Em geral, democracia política é apenas uma das formas possíveis de superestrutura acima do capitalismo (embora seja, em teoria, a costumeira do capitalismo ‘puro’)”. Prossegue, de fato, sublinhando de forma enfática que o capitalismo e o imperialismo “se desenvolvem no contexto de qualquer forma política e subordinam a todas. É, portanto, erro teórico elementar falar da ‘impraticabilidade’ de uma das formas e de uma das exigências da democracia”20.
Sobre esse assunto, mantinha a convicção de que os requisitos internos ao capitalismo central (capitalismo “puro”) devessem se aplicar como requisitos também na periferia do sistema, independentemente de poderem ser concretizados ou não. É de algum interesse que ele visse as exigências de autodeterminação e autogoverno feitas pelos Estados como parte do “movimento democrático mundial, em geral”.
Em moldes individuais concretos, a parte pode contradizer o todo; nesse caso, deve ser rejeitada. É possível que o movimento republicano em um país seja apenas instrumento das intrigas clericais ou financeiro-monarquistas de outros países; caso assim seja, não devemos apoiar esse movimento concreto específico, mas seria ridículo eliminar, por tal motivo, do programa da social- democracia internacional a reivindicação por uma república.
Pode-se, portanto, dizer que, na opinião de Lenine, a democracia burguesa era produto da exportação de relações e instituições de poder que representavam os interesses de determinada potência mundial. Ao mesmo tempo, ele acreditava que se deveria lutar pela transformação de autocracias em democracias.
Ao estudar os pontos de vista de Marx e Engels expressos em relação à Rebelião Húngara de 1848 e avaliar as experiências de 1848-1894, Lenine concluiu que a única razão para Marx e Engels terem se oposto aos movimentos nacionais dos checos e dos eslavos meridionais foi a posição destes contra “a libertação nacional húngara e a rebelião democrático-revolucionária”, alinhando-se ao Czar. Lenine escreveu: “Marx e Engels, na época, fizeram clara e definitiva distinção entre ‘nações inteiras reacionárias’ que serviam de ‘postos avançados da Rússia’ na Europa e ‘nações revolucionárias’, a saber, alemães, polacos e magiares”. A lição daí extraída por Lenine não foi que Marx desejasse que alguns povos simplesmente desaparecessem da história, como tentariam demonstrar alguns intérpretes posteriores, mas que tivesse vislumbrado que
os interesses de libertação de algumas nações grandes e muito grandes da Europa superam os interesses do movimento pela libertação de pequenas nações; que a exigência de democracia não se deve considerar de maneira isolada, mas em escala europeia – hoje deveríamos dizer mundial.
Essa linha de raciocínio “significa que os interesses democráticos de um país devem se subordinar aos interesses democráticos de muitos e todos os países”, de modo que, em favor do sucesso do movimento mundial em geral, possam superar os interesses de uma fração, permitindo que, por fim, prevaleçam os interesses universais do socialismo.
Esta última percepção foi uma das ideias que levou ao estabelecimento da nova Internacional, enquanto a guerra mundial cumulava exemplos de situações em que interesses parciais dominavam o todo. A fraqueza da posição de Lenine foi o fato de não ter ainda alcançado uma solução analítica para determinar quem poderia “subordinar” os interesses bastante heterogéneos que surgiriam em uma “democracia” aos interesses mais amplos dos grupos e dos movimentos revolucionários nas nações maiores.
Além do reconhecimento da secessão, foi capaz de propor, no campo da prática, a “educação internacionalista da classe operária”. Não é difícil imaginar quão limitado era o escopo de uma “educação internacionalista” no verão de 1916. Ainda assim, um conceito desse campo já se encontrava posicionado para quando a social-democracia obtivesse “acesso” direto aos operários e aos camponeses rebeldes, os quais, então, já odiavam a guerra.
Tomando Irlanda e Polónia como exemplos das contradições encontradas no provincianismo das pequenas nações, Lenine indicou onde deveriam ser apoiadas, ou não, as reivindicações do direito de secessão. De acordo com sua lógica, a social-democracia, no caso da Polónia, não precisaria erguer o estandarte da secessão nacional em verdadeira reivindicação, porque poderia tornar-se “lacaia de uma das monarquias imperialistas”. No caso da Irlanda, Lenine chegou a uma conclusão exatamente oposta. Referindo-se à rebelião irlandesa, então em andamento, disse que a revolução social não poderia ser concebida sem as rebeliões das pequenas nações europeias e dos povos colonizados, que são, em termos sociais, inerentemente anti-imperialistas, como foi a revolta irlandesa de 1916. Tais rebeliões auxiliavam a “luta do proletariado socialista contra o imperialismo”, pois solapavam a estabilidade sociopolítica interna das potências colonialistas imperialistas. Portanto, podem se tornar aliadas próximas do movimento trabalhista em sua luta revolucionária: “Um golpe desferido contra o poder da burguesia imperialista inglesa pela rebelião na Irlanda é cem vezes mais importante politicamente que um golpe de igual força desferido na Ásia ou na África”21.
O empenho de Lenine em tal “redenção revolucionária” sugere que ele não tinha considerado adequadamente o peso das consequências políticas do sentimento antirrusso acumulado pelo povo polaco. Isso não significa que seus camaradas tenham se mostrado mais “sensíveis” ao problema. Afinal, em seus escritos, Lenine se opunha aos internacionalistas russos – como Trótski e Mártov – quanto à questão nacional, pelo fato de que as posições destes eram muito inflexíveis no que dizia respeito àqueles tipos de expectativa política. No que tangia ao reconhecimento por parte deles do direito à autodeterminação, por exemplo, Lenine escreveu:
Veja-se o artigo de Trótski, “A nação e a economia”, no Наше слово/Nache Slovo [Nossa palavra]; ali se encontra seu ecletismo costumeiro: de um lado, a economia une as nações; de outro, a opressão nacional as divide. A conclusão? A conclusão é a de que a hipocrisia dominante ainda não foi desmascarada, a agitação é enfadonha e não atinge o que é mais importante, básico, significativo e estreitamente vinculado à prática – a atitude que se apresenta diante da nação oprimida por “nossa própria” nação.
Lenine antevia uma relação proativa por parte dos operários da nação opressora, em apoio à secessão, à “libertação” do povo dependente, oprimido e colonizado.
Sob as condições de liberdade política que se seguiram à Revolução de Fevereiro, ele e os bolcheviques logo depararam com toda a gama de problemas práticos envolvidos na questão nacional. Pável Miliúkov, ministro das Relações Exteriores do governo provisório e figura de proa no Partido KD, afirmou claramente durante o VIII Congresso de seu partido, em maio de 1917, que a “divisão do país em unidades independentes e soberanas é absolutamente inadmissível pelo partido”. E acrescentou: “No presente momento, o Partido da Liberdade do Povo[b] não considera que a criação de organizações estatal-territoriais seja a solução adequada”. Posição radicalmente oposta foi esboçada no famoso Congresso do Partido Bolchevique de abril de 1917; no entanto, uma federação, como possibilidade histórica realista, não veio à baila22.
O congresso enfatizou que a real concretização da secessão e da propaganda que a ela conduziria não era meta da revolução operária. Ao contrário, o objetivo básico da revolução socialista era, derradeiramente, “estabelecer o Estado soviético socialista universal” – no espírito da Resolução de Poronin, formulada por Lenine adotada pelo Comité Central em setembro de 1913. Baseada em proposta de Estaline, a resolução da conferência declarava o reconhecimento do direito do povo à secessão; da autonomia territorial aos povos que desejassem permanecer dentro das fronteiras de determinado Estado; de leis separadas para minorias nacionais a fim de que se garantisse seu livre desenvolvimento; e do partido indivisível e unificado a serviço do proletariado de todas as nacionalidades23.
Ao mesmo tempo, o grupo internacionalista abstrato de Piátakov, Dzerjínski e Bukhárin ainda pensava em termos de uma revolução internacional indivisível por limites nacionais. Ao conceito faltava apreciação histórico-política mais completa das especificidades russas (e europeias orientais). Piátakov explicava tal universalismo da seguinte maneira:
A partir da análise do novo período do imperialismo, podemos afirmar que não há luta pelo socialismo, exceto aquela sob o estandarte que declara abaixo todas as fronteiras, toda luta para eliminar fronteiras, até mesmo a ideia de qualquer outra luta não se deve sequer entreter.
Lenine se distanciava de todos os aspectos dessa posição, que, na prática, mostrava-se completamente inadequada. Segundo estimativa de Lenine, a ela faltavam demandas de transição e havia negligência em relação aos movimentos camponeses e étnicos da Rússia.
O camarada Piátakov simplesmente rejeita nosso lema, afirmando que ele significa a ausência de um lema para a revolução socialista, mas o próprio Piátakov não oferece alternativa apropriada. O método da revolução socialista sob o lema “abaixo as fronteiras” está de todo confuso. Não conseguimos publicar o artigo em que chamei essa visão de “economicismo imperialista”. O que significa o “método” da revolução socialista sob o lema “abaixo as fronteiras”? Sustentamos que o Estado é necessário, e o Estado pressupõe fronteiras. O Estado, está claro, pode conter um governo burguês; no entanto, precisamos dos sovietes. Até mesmo os sovietes se confrontam com a questão das fronteiras. O que significa “abaixo as fronteiras”? É o início da anarquia. […] O “método” da revolução socialista sob o lema “abaixo as fronteiras” é simplesmente bagunça. […] Se Finlândia, Polónia ou Ucrânia se separarem da Rússia, não haverá nada de mau nisso. O que há de errado nisso? Qualquer um que afirme o contrário é chauvinista. Deve-se estar louco para continuar a política do czar Nicolau.
No quarto artigo de sua plataforma, os “internacionalistas abstratos” afirmavam o seguinte: “O lema da ‘autodeterminação nacional’ é, acima de tudo, utópico (impossível de realizar-se sob as condições do capitalismo) e danoso, pois inculca ilusões”. A posição neutra como regra geral em relação aos movimentos nacionais, aqui indicada, era defendida por Piátakov, Bukhárin e Boch sobre fundamentos puramente teóricos. O resultado era verdadeiramente sectário: “A social-democracia não pode estabelecer exigências mínimas no campo da atual política externa”24. Tal debate não foi obstáculo, porém, à cooperação próxima entre Bukhárin e Lenine no fim de 1916 e no início de 1917, quando Bukhárin organizou o grupo internacionalista de imigrantes russos nos Estados Unidos25.
Um dos pupilos políticos de Lenine, Liev Boríssovitch Kámenev, enfatizava, ao falar do direito à autodeterminação, que não pode haver partido socialista nem democrata sem o reconhecimento do direito das nações à autodeterminação. Qualquer outra posição serve apenas para santificar as divisões imperialistas atuantes antes e após a guerra. Kámenev notou que “a história tomou tal direção que, para qualquer partido democrático, rejeitar essa palavra de ordem seria suicídio”.
Os mencheviques assumiram um posicionamento relativamente positivo. Em artigo para a edição de 16 de junho de 1917 do Единство/Edinstvo [Unidade], Plekhánov criticava o governo provisório e incitava o reconhecimento absoluto do “direito da Ucrânia à autonomia”. Nesse caso, o reconhecimento do direito das nações à autodeterminação em princípio e a oferta de “autonomia” na prática serviam ao propósito de a Rússia “construir com a Ucrânia a mais forte unidade possível, diante do militarismo alemão, ao fazer com que a Rada Ucraniana abandone sua meta de secessão do Estado russo”.
Por fim, a resolução aceite no congresso unificado do POSDR (mencheviques) em agosto de 1917 declarava – divergindo da posição de Plekhánov – que o partido punha-se ao lado do “princípio da autonomia cultural-nacional” e rejeitava uma federação. A plataforma aprovada no conselho de maio/junho de 1917, dos assim chamados partidos nacionais socialistas, ainda mantinha a mesma posição. Aparentemente, a dissolução da estrutura tradicional sobre a qual a Rússia se construíra foi bastante impopular – independentemente de identidade nacional – também entre os mencheviques. A meta de preservar a república burguesa, impedir maior radicalização da revolução, isolar a tendência revolucionária do proletariado, inspirada pelos bolcheviques, e deter o colapso das estruturas imperiais uniu quase todos os grupos do campo menchevique.
A dissolução do Império Russo fortaleceu os objetivos naturais da revolução para os bolcheviques. Eles rejeitavam a preservação das antigas estruturas, considerando-as impossíveis de ser reformadas. Depois de Outubro, Lenine se baseou nesses argumentos para passar do apoio à centralização a um acordo com a criação de uma estrutura de Estado federativo sobre as ruínas do velho império.
O grau em que o ponto de vista teórico abstrato penetrou a mentalidade de muitos líderes do partido demonstra-se claramente pelo fato de que sete dos nove membros que tomaram posição sobre a questão nacional apoiaram a proposta de resolução de Piátakov, embora, por fim, tenham votado contra ela na conferência26. Depois de Outubro, o problema étnico-nacional, sobrecarregado de novos conflitos, desempenhou papel central no trabalho de Lenine de construir o Estado, e a criação do Estado federativo soviético tornou-se sua principal e exclusiva missão.
1 Sobre uma caricatura do marxismo e sobre o “economismo imperialista”, cit., p. 53.
2 Corrente política surgida na Europa, na segunda metade do séc. XIX, ligada, na sua génese, ao movimento operário e ao marxismo, à qual pertencia Lenine.
3 Uma investigação do princípio do direito das nações à autodeterminação da Revolução Francesa de 1789 até a Revolução de Outubro. O princípio já havia sido incluso no programa da Primeira Internacional (em 1865) após o levante polaco de 1863, uma expressão de protesto contra a política (étnica) do tsar. Ver Edward Hallett Carr, The Bolshevik Revolution, 1917-1923 (Londres, Macmillan, 1960), v. 1, p. 411-7.
4 Na Rússia e na Polónia, a União Geral Operária Judaica se posicionou com os austro-marxistas a favor da autonomia cultural. Para o debate no Congresso, ver Второй сцежд РСДРП, июль-август 1903
5 “O princípio da nacionalidade é historicamente inevitável na sociedade burguesa e, levando essa sociedade em conta, o marxista reconhece plenamente a legitimidade histórica de movimentos nacionais. Mas para evitar que esse reconhecimento se torne uma apologia do nacionalismo, ele deve ser rigorosamente limitado ao que é progressivo em tais movimentos.” LCW, cit., v. 20, p. 34.
6 Referência a Rosa Luxemburgo
7 Vladímir I. Lenine, “Acerca da Brochura de Junius”, em OE6T, cit., t. 2, p. 405- 18.
8 Lenine polemizou com um estudo de Rosa Luxemburgo que aparecera em polonês em 1908-1909, no qual ela rejeitava o direito das nações à autodeterminação por ser uma categoria “burguesa”.
9 “Há a cultura da Grande Rússia dos Purichkiévitch, Gútchkovs e Struves – mas há também a cultura da Grande Rússia tipificada nos nomes de Tchernychiévski e Plekhánov. Há as mesmas duas culturas na Ucrânia, assim como na Alemanha, na França e na Inglaterra, entre os judeus, e assim por diante.” Critical Remarks on the National Question, em LCW, cit., v. 20, p. 32.
10 Ibidem, p. 25
11 Idem, O socialismo e a guerra, cit., p. 247.
12 Idem, “Acerca do orgulho nacional dos grão-russos”, em OE3T, cit., v. 1, p. 107.
13 Chaumian defendeu que a língua oficial do Estado deveria ser o russo. Lenine assumiu posição contrária à demanda por uma “língua estatal”, reconhecendo que “a língua russa teve sem dúvida uma importância progressista para as várias nações pequenas e atrasadas. Mas você há de admitir que ela teria tido uma importância progressista muito maior se não tivesse havido compulsão”. Lenine destacou o papel do fator psicológico em sua argumentação, pois qualquer forma de compulsão ou força apenas aprofunda o ódio. Admitia: “A economia ainda é mais importante que a psicologia: na Rússia, nós já temos uma economia capitalista, o que torna a língua russa essencial”. Interpretava, porém, a proposta de instituir sua obrigatoriedade como querer “sustentá-la [a economia] com as muletas do putrefacto regime policial. […] O colapso do miserável regime policial não multiplicaria dez vezes (até mil vezes) o número de associações voluntárias pela proteção e difusão da língua russa?”. Ver LCW, cit., v. 19, p. 499-500.
14 “Se não quisermos trair o socialismo, precisamos apoiar toda revolta contra nosso principal inimigo, a burguesia dos grandes Estados, contanto que não seja a revolta de uma classe reacionária.” LCW, cit., v. 22, p. 333.
15 Ver “The Discussion on Self-Determination Summed Up”, em LCW, cit., v. 22, p. 320-60, especialmente p. 325.
16 Sobre uma caricatura do marxismo e sobre o “economicismo imperialista”, cit., p. 36-7.
17 “Nós não apoiaremos uma das classes reacionárias contra o imperialismo; nós não apoiaremos uma insurreição das classes reacionárias contra o imperialismo e o capitalismo.” Ibidem, p. 43. Em oposição a Kiévski (Piátakov), Lênin chamava atenção aqui para o fato de que onde não há movimento trabalhista, é preciso que as palavras de ordem do movimento trabalhista sejam reformuladas para os “milhões de trabalhadores”. Essa era a ruptura de Lenine com o sectarismo do “internacionalismo abstrato” que, no que dizia respeito às colónias, era incapaz de atentar para as forças sociais que poderiam alcançar o direito das nações à autodeterminação em benefício da luta anti-imperialista progressista.
18 “Sobre a tendência nascente do ‘economicismo imperialista’”, em OE3T, cit., t. 1, p. 59-67; ver também Sobre uma caricatura do marxismo e sobre o “economicismo imperialista”, cit. Esse grupo (Bukhárin, Piátakov e Boch, entre outros) foi formado durante esforços para fundar o jornal – de breve vida – Kommunist. Os editores do Sotsial-Demokrat deram início à publicação e ao financiamento do jornal na primavera de 1915. Além do artigo de Piátakov, Lenine também alinhou a essa tendência o artigo de Rádek, “Четверть века развития империализма”/ “Tchetvertveka razvitia imperializma” [Um quarto de século de desenvolvimento do imperialismo]. Por fim, Piátakov, Bogróvski, Bukhárin e Boch anunciaram o término do jornal, bem como do grupo que se havia formado ao redor dele, em uma carta a Lenine e Zinóviev enviada de Estocolmo, em 3 de dezembro de 1915. Ver RGASPI, cit., fundo 2, op. 5, doc. 620, p. 1.
19 Vladímir I. Lenine, The Discussion on Self-Determination Summed Up, cit., p. 320-60.
20 Ibidem, p. 326. Da mesma forma, se, assim como muitas outras demandas por democracia, o direito nacional de autodeterminação é impossível de se conquistar sob o regime capitalista, isso não significa que os sociais-democratas devam cessar sua luta por essa extensão da democracia.
21 Ibidem, p. 356-7. “É um infortúnio dos irlandeses que eles tenham se levantado prematuramente, antes que a revolta europeia do proletariado tivesse tempo de maturar. O capitalismo não é construído de forma tão harmoniosa a ponto de as diversas fontes de rebelião imediatamente se fundirem por conta própria, sem reveses e derrotas.” Ibidem, p. 358.
22 A estrutura organizacional do novo Estado foi conceptualizada de muitas formas diferentes. Estaline, que junto a Chaumian e Zinóviev fortalecia seu nome entre os bolcheviques no que dizia respeito à questão nacional, após seu artigo “O marxismo e o problema nacional”, de 1913 (embora Lenine jamais tenha citado o artigo que ele próprio incentivara Estaline a escrever), rejeitou resolutamente o conceito federal em “Abolição das incapacidades nacionais”, na edição n. 17 do Pravda, de março de 1917, e defendeu a causa da autonomia: “É, portanto, necessário proclamar: 1) autonomia política (não federação!) para regiões representando territórios económicos integrais que possuem uma forma específica de vida e populações de uma composição nacional específica, com o direito de conduzir ‘negociações’ e ‘educação’ em suas próprias línguas; 2) o direito de autodeterminação para tais nações, que não pode, por uma ou outra razão, se dar no interior do quadro do Estado integral. Esse é o caminho em direção à verdadeira abolição da opressão nacional”.
23 Сцедьмая (Апрельская) Всероссийская конференция РСДРП (большевиков): протоколы/Sedmáia (Apriélskaia) Vssierossíiskaia konferiéntsia RSDRP (bolchevikov): protokóly [A Conferência (abril) de Toda a Rússia do POSDR (bolcheviques): protocolos] (Moscou, 1958), p. 212.
24 Ver mais sobre essa plataforma em Mikhail Pokróvski (org.), Очерки по истории Октябрьской Революции/Otchérki po istórii Oktuabrskoi Revoliútsi [Ensaios sobre a história da Revolução de Outubro] (Moscou, Gossudárstvennoie Izdátelstvo, 1927), 2 v. Diz uma versão resumida do texto: “A luta contra a opressão nacional não pode ser diferente […] da luta contra o capitalismo em geral”. A plataforma continuou não considerando um possível papel progressista para os movimentos nacionais. Em relação ao opressor e à nação oprimida, “nossa tarefa – nossa prioridade – é mobilizar as forças do proletariado das duas nações (juntas) sob a bandeira da guerra civil de classe e em apoio à propaganda socialista, para contrariar as forças que atualmente se aglutinam em torno do lema ‘direito das nações à autodeterminação’”. Robert Paul Browder e Aleksandr Fiódorovitch Keriénski (orgs.), The Russian Provisional Government, cit., p. 30.
25 Ver a carta de Bukhárin a Lenine: “Caro Vladímir Ilitch, apesar de todas as nossas opiniões conflitantes etc. etc., penso que de modo geral continuaremos a trabalhar juntos”. RGASPI, cit., fundo 2, op. 5, doc. 721, p. 1.
26 Por fim, a resolução formulada por Estaline e apoiada por Lenine e Zinóviev ganhou a votação na conferência (56 a favor, 6 contra e 18 abstenções). Onze delegados votaram pela proposta de Piátakov, 48 contra e 19 abstenções. Ibidem, p. 210-2, 214 e 227.