20 anos de relações entre as elites ocidentais e Putin: dos “democratas” à extrema-direita autoritária

Com a restauração capitalista na Rússia e a chegada de Putin ao poder, em 1999, consolida-se uma casta de multimilionários russos que, controlando o aparelho do Estado, impõe autoritariamente os seus interesses, assim como um sistema de corrupção generalizada, apropriando-se dos importantes recursos do país, ao mesmo tempo que o povo russo assiste ao recuo da sua esperança média de vida.

Nos últimos 20 anos, apesar das atrocidades permanentemente cometidas por Putin e da obscura origem do dinheiro da sua casta multimilionária, os governos e as burguesias ocidentais, passaram a olhar para a Rússia como uma fonte de negócios lucrativos. São distribuídos Vistos Gold a multimilionários russos (e não só) e abertas as portas dos mercados financeiros, bancos e empresas ocidentais aos capitais russos. O dinheiro das potências ocidentais começou a fluir para a Rússia e o dos milionários russos começa a internacionalizar-se pelos vários centros das grandes potências económicas ocidentais.

A aspiração de Putin é a sua integração no seio dos negócios da burguesia internacional, a conquista do lugar de potência mundial, no seio das restantes potências europeias e dos EUA, e exercício de poder imperialista sobre a área contígua ao território russo. Enquanto as grandes potências ocidentais não contrariaram esta ilusão, as burguesias ocidentais e Putin foram estabelecendo importantes relações. No entanto, nem a Rússia deixou de ser uma potência meramente regional, nem as elites ocidentais têm interesse em abdicar da sua hegemonia. A partir de 2014, assim que Putin concluiu que as suas aspirações têm como limite os interesses das próprias potências mundiais, readequou-se e passou a disputar abertamente aquilo que considera ser a sua área de influência, tal como passou a estimular os elementos de instabilidade das potências ocidentais, nomeadamente, apoiando e financiando o crescimento da extrema-direita americana e europeia.

Como iremos procurar demonstrar, os interesses das burguesias ocidentais e os interesses da burguesia russa, pela hegemonia mundial, são semelhantes. Enquanto os benefícios foram suficientes para alimentar ambas as burguesias, pouco importou a sua origem ou as atrocidades que o regime autoritário de Putin levou a cabo para se apropriar de tais riquezas. A situação apenas muda de figura, quando os interesses das burguesias russas e ocidentais se sobrepõem, entrando em conflito. O povo ucraniano é a mais recente vítima desta disputa.

De 1999 a 2014 – As ligações entre os “democratas” e o regime de Putin

A 10 de Março de 2000, aquando da brutal intervenção russa na Chechénia e apenas a duas semanas da eleição que colocaria Putin no poder, o primeiro-ministro do Reino Unido, Tony Blair, do Labour, faz questão de se deslocar a São Petersburgo, numa visita privada com a finalidade de estreitar laços com o futuro governante russo. Na altura, o The Guardian destacou que tal visita seria “inevitavelmente vista como apoio a Putin”1.

Apesar da contestação à controversa visita, o governo britânico justificar-se-ia que “era uma oportunidade demasiado boa para ser perdida”2. Os Conservadores chegaram a questionar a visita, tão em cima das eleições, mas os seus “ex-primeiros-ministros John Major e Margaret Thatcher também estavam interessados na proximidade com as estrelas em ascensão no Kremlin”3, todos com os olhos postos nos recursos russos. Como forma de retribuir o apoio, logo a seguir à vitória eleitoral, a primeira visita oficial que Putin faz é a Londres, onde se encontra com Tony Blair e com a rainha Elisabeth II.

Em Junho de 2001, Bush “filho”, do partido Republicano, e Putin encontraram-se na Eslovénia (país, na altura, em processo de entrada na UE e na NATO, que se vem a concluir em 2004), para discutir as relações entre os seus países e a melhor forma de gerir os interesses de ambas as potências na região limítrofe de toda a Rússia. De acordo com o comunicado oficial da Casa Branca4, Bush assumiu os “interesses em comum” com Putin, nomeadamente, sobre a importância de criar “um ambiente favorável ao investimento” na Rússia. Nas palavras de Bush: “eu quero encorajar as empresas russas e americanas a envolverem-se mais, para que juntos possamos promover investimentos significativos”. Para além disso, enquanto Bush tratava com condescendia a brutal intervenção russa na Chechénia e o assédio aos meios de comunicação social por parte de Putin, era assumido que “ambos concordavam em continuar a cooperar e a trabalhar em torno de soluções comuns em importantes regiões tais como os Balcãs, passando por Nagorno-Karabakh, até ao Afeganistão”. Nesse mesmo ano, no decurso do 11 de Setembro, Putin apoiou a invasão do Afeganistão pelos EUA, chegando a ceder o espaço aéreo russo, assim como bases aéreas na Ásia Central.

Logo de seguida, ainda em 2001, Bush, que contava ter Putin sob controlo, abandona o Tratado sobre Mísseis Antibalísticos5, de controlo de armas, entre os EUA e a ex-URSS, assinado em 1972, para que pudesse construir um sistema de mísseis antibalísticos na Europa de Leste, sob a justificação de proteger os aliados da NATO e as bases dos EUA de possíveis ataques vindos do Irão. Tal como assume James F. Collins, embaixador dos EUA em Moscovo, entre 1998 e 2001, a relação com a Rússia “não era vista como um assunto sério”6 e Putin, ansioso por ser aceite no clube dos imperialistas, ficou de pé-atrás.

Entretanto, as relações entre o primeiro-ministro italiano, Silvio Berlusconi, da direita italiana, e Putin vão-se aprofundando, ao longo dos anos, uma mistura de “negócios obscuros e festas selvagens”, tal como descreve um dos embaixadores dos EUA em Itália7, ao ponto de a Itália ser apelidada de voz da Rússia na Europa. Em 2002, com a possibilidade da NATO se alargar a sete membros do antigo Pacto de Varsóvia, Berlusconi, após negociações com Putin, dispõem-se a propor um Conselho que juntasse a NATO e a Rússia, uma proposta que procurava ser um contrapeso ao alargamento da NATO8. A motivação de Berlusconi passava por se fazer evidenciar como o líder das negociações entre o Ocidente e a Rússia.

O final do encontro é marcado por uma “fotografia de Berlusconi, ladeado pelos presidentes dos EUA e da Rússia, a assinar o documento, com Tony Blair, do Reino Unido, e Jacques Chirac, de França”9. Para além da fotografia, o encontro teria poucos efeitos práticos.

Em Março de 2003, dá-se a invasão do Iraque pelos EUA, criando novos atritos entre as potências ocidentais e Putin. Ainda assim, em Junho de 2003, Putin marcou presença em Londres, numa importante visita de Estado, naquilo que seria uma nova tentativa de cimentar as relações económicas e financeiras com as burguesias ocidentais e dividir as zonas de interesse no Iraque. Esteve presente o primeiro-ministro, Tony Blair, do Labour, a rainha Elisabeth II, assim como 700 banqueiros e empresários. No encontro, a British Petroleum (BP), companhia também apelidada de “Blair Petroleum” pela proximidade ao primeiro-ministro, assinou um acordo para o investimento de 6 mil milhões de dólares numa parceria de exploração de petróleo e gás com a Rússia, o maior investimento estrangeiro na Rússia até esse momento. Nesse mesmo encontro, Putin assumia que a sua “prioridade é a integração, passo-a-passo, da Rússia na economia europeia e mundial”10. Sobre o Iraque, no fim da visita, Putin e Blair fizeram questão de salientar que as diferenças sobre a intervenção no Iraque estavam sanadas e que ambos estavam interessados em colaborar na “reconstrução do Iraque”11, leia-se: ambos estavam interessados na extensão dos seus interesses económicos e financeiros sobre aquele país.

Como resultado da opressão imperialista russa sobre o Leste europeu, em 2003, mobilizações populares na Geórgia desembocaram na eleição de um líder pró-Ocidente. Em 2004, mobilizações populares, na Ucrânia, acabaram igualmente por determinar a eleição de um presidente pró-Ocidente. Em 2004, dá-se um novo alargamento da NATO, integrando a Bulgária, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, Letónia, Lituânia e Roménia. Após o apoio da Rússia à invasão dos EUA sobre o Afeganistão, Putin vê estes acontecimentos e o alargamento da NATO como uma falta de reciprocidade da parte das potências ocidentais.

Ainda assim, os negócios falam mais alto e, em Setembro de 2005, a 10 dias das eleições alemãs, o então chanceler Gerhard Schröder, do SPD, faz uso das suas boas relações com Putin e assina o acordo para a construção do gasoduto Nord Stream I, ligando directamente os dois países, pelo mar Báltico, evitando muitos dos constrangimentos e custos de fornecimento de gás pelos territórios dos países bálticos. Com as relações entre a Rússia e o Ocidente sob desgaste, este acordo, entre a Alemanha e a Rússia, foi sempre marcado pela desconfiança dos EUA, uma vez que a interdependência económica entre a Alemanha e a Rússia poderia vir a servir de potencial arma contra o capitalismo ocidental.

Gerhard Schröder perde as eleições e é nomeado, poucos dias depois, para o Conselho de Administração da Nord Stream AG, empresa criada para a concretização do acordo assinado dias antes. Desde a derrota nas eleições de 2005 que Gerhard Schröder passou a colaborar com o sector energético russo. Desde 2017, Schröder passou a ser administrador da Rosneft, a maior petrolífera russa, acumulando este cargo com o de Presidente do Comité de Accionistas da Nord Stream AG, empresa controlada pela Gazprom. Já em Fevereiro de 2021, antes da invasão russa sobre a Ucrânia, a Gazprom, como forma de minar a resposta das potências ocidentais, nomeou Schröder para um novo cargo no conselho de administração da Gazprom.

De acordo com o DW, “para a Alemanha, os benefícios económicos não são tão óbvios quanto são para a Rússia, mas são ainda assim importantes o suficiente. Os líderes da indústria conseguem contar com um fornecimento constante de energia (alguns temiam que a infraestrutura da Ucrânia não aguentasse), e as empresas de energia alemãs que participaram, como a E.ON, foram recompensadas com excelentes relações com a Gazprom e, portanto, com a esperança de se envolverem na exploração de gás natural, na Sibéria”12.

Em 2006, a disputa entre a Rússia e as potências ocidentais, sobretudo com os EUA, volta a evidenciar-se na cimeira do G-8, organizada pela Rússia. Quando Bush afirma que os “EUA estão a promover a liberdade no Iraque”, intervenção envolta numa violência brutal, Putin troça abertamente de tais declarações. Bush responde ao desafio como um: “vamos ver”13.

Em Fevereiro de 2008, o Kosovo declara a sua independência da Sérvia, com o apoio dos EUA, algo que a Rússia tentava evitar há mais de uma década. De seguida, em Abril de 2008, Bush consegue o apoio da NATO para a construção do tal sistema de defesa antimísseis na Europa de Leste. Para finalizar, “Bush ordena que a NATO conceda à Ucrânia e à Geórgia um chamado Plano de Adesão, um processo formal que colocaria estes países no caminho de uma eventual adesão à aliança. A França e a Alemanha bloqueiam tais intenções e alertam que uma maior expansão da NATO iria estimular a agressividade da Rússia”14.

Neste seguimento, Putin rompe completamente com Bush e, em Agosto de 2008, quando a Geórgia lança a ofensiva para tentar recuperar o controlo da região separatista pró-russa da Ossétia do Sul, Putin responde com uma operação militar que acaba por expandir o seu poder da Ossétia do Sul até uma segunda região separatista, a Abcásia.

As potências ocidentais bem protestaram, mas recusaram-se a intervir militarmente, uma vez que também elas estavam atoladas com o seu próprio projecto expansionista no Médio-Oriente, sobre o Iraque e o Afeganistão.

Em 2009, apenas alguns meses após a intervenção russa na Geórgia, a NATO estende-se à Albânia e à Croácia. Ainda em 2009, Barack Obama sobe ao poder nos EUA e procura restabelecer as relações com a Rússia. Em troca da desistência de Obama de construir o sistema de defesa antimísseis na Europa de Leste, que ocorreu em Setembro de 200915, “Moscovo concordou em expandir significativamente a capacidade de Washington para enviar equipamento militar para o Afeganistão, via Rússia. Em Abril de 2010, os EUA e a Rússia assinaram um novo tratado START, reduzindo ainda mais os seus arsenais nucleares. Mais tarde nesse mesmo ano, a Rússia apoiou as novas sanções económicas da ONU sobre o Irão e bloqueou a venda dos sofisticados sistemas de mísseis antiaéreos S-300, fabricados na Rússia, a Teerão”16.

Com o aprofundar da crise económica de 2008 e a instabilidade daí decorrente no centro da Europa, dos EUA, do Norte de África, do Médio-Oriente e até da Rússia, ambos os lados vão respondendo aos problemas internos, enquanto procuram retirar vantagem das fragilidades do adversário para, pelo menos, manter as suas áreas de influência. As burguesias ocidentais aplicam planos de austeridade como forma de retomar as suas taxas de lucro, despoletando o descontentamento da juventude, trabalhadores e classes intermédias, enquanto Putin vai endurecendo rapidamente a repressão sobre a oposição interna e concentrando poder. As acusações de ingerência nos assuntos alheios sucedem-se entre os EUA e a Rússia, mas contrabalançam-se com o acolhimento da Rússia na Organização Mundial do Comércio, em Agosto de 2012, depois de 18 anos de negociações17. Em Junho de 2013, Putin concede asilo a Edward Snowden, denunciante da Agência de Segurança Nacional dos EUA, acção a que Obama responde com o cancelamento do seu encontro com Putin, planeado para esse Outono.

É neste contexto que, em Fevereiro de 2014, se dá uma nova revolta popular na Ucrânia, pró-Ocidente, que destrona Viktor Ianukovytch, agente dos interesses russos à frente do governo ucraniano. No decurso destes acontecimentos, sob a possibilidade de a Ucrânia vir a integrar a NATO e a UE, Putin anexa a Crimeia e fornece cobertura política (e militar) aos separatistas das regiões de Donetsk e Lugansk, violando completamente a soberania ucraniana. Como resposta, as elites dos EUA e da UE coordenam uma política de sanções sobre as elites russas, suspendendo a Rússia do G-8.

De 2014 a 2022 – As ligações da extrema-direita-autoritária ao regime de Putin

Os altos e baixos nas relações de Putin com as burguesias ocidentais espelham o facto de as intenções destas últimas terem apenas passado pela satisfação dos interesses próprios, sem nunca terem a intenção de integrar completamente Putin e os seus oligarcas. Sem possibilidade de aceder aos salões onde as grandes potências entrelaçam os seus interesses, Putin decide optar definitivamente pela sua destabilização, enquanto vai satisfazendo os seus próprios interesses.

Esta estratégia coincide, na perfeição, com a da extrema-direita mundial em ascensão a partir de 2015, após a dura traição do Syriza, na Grécia, ao voto popular contra a austeridade.

Em Junho de 2015, sob a mandato de Merkel, do partido conservador alemão CDU, mesmo depois de a Rússia ter anexado a Crimeia em 2014, o Nord Stream é duplicado com o início da construção do Nord Stream II, de acordo com interesses alemães, mas sobretudo russos. Em Setembro de 2015, Putin intervém na guerra da Síria, em defesa do regime ditatorial de Bashar al-Assad, como forma de estender a sua influência sobre o país, disputando o avanço dos interesses dos EUA na região, combatendo tanto os grupos terroristas como a justa oposição interna ao regime sírio.

É a partir de 2016 que Putin começa a dar uso às suas ligações com a extrema-direita americana e europeia, forças políticas apostadas em capitalizar o descontentamento com a crise capitalista latente, questionando as velhas forças políticas tradicionais e introduzindo elementos de instabilidade na velha ordem vigente como forma de impor a sua “solução” autoritária.

Após as eleições presidenciais americanas de 2016, os serviços secretos americanos concluem que houve interferência russa na campanha, a favor do nacionalista Trump, do partido Republicado, denunciando uma estreita relação entre este e Putin.

Esta é uma relação de evidente independência face aos próprios assuntos de Estado americanos. Apesar da manutenção dos choques na política externa entre os EUA e a Rússia, nomeadamente sobre a disputa em torno da Ucrânia e da Síria, assim como as sanções aplicadas pelos EUA sobre a Rússia, as ligações entre os elementos da Administração Trump e o regime de Putin mantiveram-se imunes e, estranhamente, por escrutinar. “Muita tinta correu sobre os efusivos elogios do presidente Trump a Putin e ao seu brutal regime. ‘Você acha que o nosso país é assim tão inocente?’ Respondeu Trump a um entrevistador que listava os múltiplos abusos dos direitos humanos, na Rússia de Putin, incluindo o assédio e o assassinato de jornalistas”18. Para além disso, são conhecidas as múltiplas e obscuras ligações da Administração Trump ao regime de Putin, nas quais se podem destacar os interesses económicos e financeiros em empresas como as Rosneft, Gazprom, o banco russo Alfa Bank e até a máfia russa19.

Também em 2016, no Reino Unido, “o relacionamento íntimo da campanha do Leave [favorável ao Brexit, dirigida pelos nacionalistas Nigel Farage, do UKIP, e Boris Johnson, do partido Conservador] com o governo russo aparece de forma pública, visível, indisfarçável”20. As estreitas relações entre Farage, Steve Bannon, Trump e Putin são conhecidas. Em 2014, Farage declarava a sua admiração por Putin pela forma como este geria a crise na Síria21, assim como Boris Johnson, hoje primeiro-ministro, dava justificação à anexação da Crimeia por Putin, enquanto aproveitava para responsabilizar a UE pelo sucedido22 e capitalizar o sentimento popular que veio a dar origem ao Brexit.

Antes das presidenciais francesas de 2017, a nacionalista Marine Le Pen, da extrema-direita francesa, viajou a Moscovo para um encontro com Putin, a quem saudou pela ocupação da Crimeia e prometeu “levantar as sanções” sobre a Rússia, caso fosse eleita. Entretanto, veio a público a informação de que o partido de Le Pen contraiu empréstimos, através de bancos russos, no valor €11 milhões, um dos quais (€9 milhões) terá sido concedido pelo First Czech Russian Bank, com ligações ao Kremlin, comprovando as estreitas ligações entre a extrema-direita francesa e a oligarquia russa. As negociações sobre os empréstimos surgiram após a anexação da Crimeia pela Rússia, assunto sobre o qual Marine Le Pen assumiu publicamente a defesa da anexação23. Zemmour, a nova figura da extrema-direita, que surge agora a disputar o espaço político de Marine Le Pen, segue-lhe os passos.

Em Itália, uma constelação de fascistas e forças de extrema-direita tem sido atraída por Moscovo, na última década24. Em Março de 2015, por exemplo, Roberto Fiore, fundador do partido neofascista Forza Nuova, participou do “Fórum Conservador Internacional Russo”, em São Petersburgo, ao lado de membros de uma série de outros partidos neofascistas como a Aurora Dourada, da Grécia, agora ilegalizado.

Salvini, líder da extrema-direita italiana, é igualmente, um confesso admirador de Putin, opondo-se às sanções sobre a Rússia. As suas fotografias tiradas na Praça Vermelha e no Parlamento Europeu, com uma t-shirt com o rosto do autocrata, são do conhecimento público. Como se não bastasse, em 2017, a Lega, partido de Salvini, assinou um acordo de cooperação com o partido de Putin.

A bajulação de Salvini a Putin foi forjada por dois homens. Um deles foi Gianluca Savoini que, antes de se filiar à Lega de Salvini, percorreu vários partidos neofascistas. O outro é o escritor fascista (e ex-assessor de várias figuras do regime de Putin) Aleksandr Dugin, que entrevistou Salvini em 2016. No Outono de 2018, três italianos viajaram a Moscovo para fechar um negócio de petróleo, entre os quais estava Savoini. Os lucros deste negócio– estimados em €58 milhões – seriam usados para financiar o partido de extrema-direita, Lega. No momento da reunião, Salvini estava numa visita oficial a Moscovo. O caso está sob investigação judicial25.

Outro admirador confesso de Putin é o ex-chanceler austríaco e ex-líder da extrema-direita austríaca, Sebastian Kurz, recentemente deposto por envolvimento em esquemas de corrupção. Em Junho de 2018, a visita oficial de Putin à Áustria foi marcada pela assinatura de vários acordos bilaterais, incluindo a extensão do acordo entre o gigante austríaco de gás OMV e a Gazprom até 2040, assim como a promessa de a Áustria pressionar a UE a “folgar as sanções passo a passo” sobre a Rússia, uma vez que este país é um dos principais investidores na Áustria26.

Também o partido AfD, da extrema-direita alemã, mantém relações estreitas com o regime de Putin. Em Março de 2021, três deputados da AfD foram recebidos na Duma russa, tendo exigido o “fim das sanções sobre a Rússia”27. Entretanto, em 2018, surgiram investigações sobre as ligações do deputado da AfD, Markus Frohnmaier, à Rússia28, uma vez que é um assíduo visitante da Crimeia ocupada, tendo sido descobertos documentos que o colocam como agente político da Rússia.

Evidentemente que deste pacote não podem ser excluídas as relações de Bolsonaro, Presidente do Brasil, ou Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, com Putin, tendo ambos feito recentes visitas a Moscovo, momentos antes da invasão da Ucrânia. Também não é demais referir que muitas destas figuras da extrema-direita têm relações próximas com a extrema-direita portuguesa. Não esquecemos a deslocação de Le Pen e Salvini a Portugal, em apoio ao Chega de André Ventura.

Portanto, como fica evidente, os interesses das elites ocidentais e os interesses da oligarquia de Putin pela hegemonia mundial são semelhantes. Enquanto os benefícios foram suficientes para alimentar as burguesias ocidentais e russa, pouco importaram as atrocidades que o regime autoritário de Putin levou a cabo para se apropriar de tais riquezas. Assim que os benefícios deixaram de ser suficientes para alimentar a ganância de ambas as elites, entraram numa disputa aberta, através da qual Putin vai beneficiando, em grande medida, o desenvolvimento da extrema-direita e forças neofascistas a nível mundial. Depois dos povos do Afeganistão, Iraque, Geórgia e Síria, entre outros, o povo ucraniano é apenas a mais recente vítima desta disputa.

1 https://www.theguardian.com/world/2000/mar/11/russia.ethicalforeignpolicy

2 https://www.theguardian.com/world/2000/mar/11/russia.ethicalforeignpolicy

3 https://www.theguardian.com/world/2000/mar/11/russia.ethicalforeignpolicy

4 https://georgewbush-whitehouse.archives.gov/news/releases/2001/06/20010618.html

5 https://www.reuters.com/article/us-ukraine-putin-diplomacy-special-repor-idUSBREA3H0OQ20140418

6 https://www.reuters.com/article/us-ukraine-putin-diplomacy-special-repor-idUSBREA3H0OQ20140418

7 https://www.ft.com/content/2d2a9afe-6829-11e5-97d0-1456a776a4f5

8 https://www.ft.com/content/2d2a9afe-6829-11e5-97d0-1456a776a4f5

9 https://www.ft.com/content/2d2a9afe-6829-11e5-97d0-1456a776a4f5

10 https://www.washingtonpost.com/business/2022/03/04/russia-west-business-breakdown/

11 https://www.voanews.com/a/a-13-a-2003-06-26-12-blair-66320487/543462.html

12 https://www.dw.com/en/the-history-of-nord-stream/a-58618313

13 https://www.reuters.com/article/us-ukraine-putin-diplomacy-special-repor-idUSBREA3H0OQ20140418

14 https://www.reuters.com/article/us-ukraine-putin-diplomacy-special-repor-idUSBREA3H0OQ20140418

15 https://www.theguardian.com/world/2009/sep/17/missile-defence-shield-barack-obama

16 https://www.reuters.com/article/us-ukraine-putin-diplomacy-special-repor-idUSBREA3H0OQ20140418

17 https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/IP_12_906

18 https://www.brookings.edu/blog/order-from-chaos/2018/03/05/dont-rehabilitate-obama-on-russia/

19 https://www.politico.com/magazine/story/2017/03/connections-trump-putin-russia-ties-chart-flynn-page-manafort-sessions-214868/

20 https://www.theguardian.com/uk-news/2018/jun/16/arron-banks-nigel-farage-leave-brexit-russia-connection

21 https://www.theguardian.com/politics/2014/mar/31/farage-i-admire-putin

22 https://www.independent.co.uk/news/uk/politics/boris-johnson-ukraine-russia-brexit-b2024817.html

23 https://www.bbc.com/news/world-europe-39478066

24 https://www.prospectmagazine.co.uk/world/how-matteo-salvini-became-putins-man-in-europe

25 https://www.prospectmagazine.co.uk/world/how-matteo-salvini-became-putins-man-in-europe

26 https://www.politico.eu/article/austria-and-putins-mutual-appreciation-society/

27 https://www.dw.com/en/germanys-far-right-afd-lawmakers-visit-moscow/a-56829773

28 https://www.washingtonpost.com/opinions/global-opinions/russia-is-cultivating-germanys-far-right-germans-dont-seem-to-care/2019/04/12/ffa7b652-5d52-11e9-842d-7d3ed7eb3957_story.html

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