Ponto de situação: Rússia avança no controlo da Ucrânia
A Europa volta a atravessar uma guerra entre potências imperialistas, cujo o território em disputa é a Ucrânia. Sob a ameaça de aproximação da Ucrânia à NATO e à UE, Putin invadiu militarmente a Ucrânia, procurando que o “celeiro da Europa” não saia completamente da sua esfera de influência.
O seu objectivo é conseguir a rendição e derrube do governo ucraniano e voltar a comandar os destinos da Ucrânia, à semelhança do que fazia antes, através do ex-presidente Víktor Yanukóvytch, seu aliado, derrubado em 2014, pela mobilização popular.
A táctica militar de Putin parece passar por, em primeiro lugar, controlar ou destruir o conjunto das cidades secundárias e infraestruturas mais importantes da Ucrânia, enquanto vai apertando o cerco sobre a capital, Kiev, para, de seguida, tomar também o seu controlo.
Neste momento, para além das regiões do Donbass (Leste) e da Crimeia (Sul), as tropas russas já controlam praticamente todas as importantes cidades da costa Sul da Ucrânia (Kherson, Melitopol e Mariupol), virada para o Mar Negro, faltando apenas Odessa. Desta forma, a Rússia consegue estrangular uma importante parte do comércio externo da Ucrânia. Putin dá sinais de avançar, agora, sobre Odessa, por via terrestre e via marítima, com vista a conquistar, por completo, o Sul ucraniano.
A Norte, entre o Donbass e Kiev, a fronteira está praticamente toda controlada por tropas russas. Kharkiv, a segunda cidade mais importante do país, está cercada e sob forte bombardeamento, há vários dias. Há relatos de que uma boa parte da cidade já tenha sido destruída.
Putin dá sinais de que continuará a avançar sobre o território ucraniano, o mais rapidamente que puder, como forma de conquistar a mais vantajosa posição de negociação, antes que as sanções comecem a fazer valer o seu peso em destruição económica e instabilidade social no seu próprio país.
As sanções das potências ocidentais recaem, sobretudo, sobre o povo russo e europeu
Como resposta à ofensiva militar russa, as potências da NATO, capitaneadas pelos EUA, e os seus aliados multiplicam-se em sanções económicas, financeiras e comerciais sobre a Rússia, procurando, nas suas próprias palavras, “enfraquecer estrategicamente a economia e a base industrial russas”, isolando-a. O Ministro da Economia francês, Bruno Le Maire é perentório: “vamos provocar o afundamento da economia russa”.
Saída de empresas do mercado russo, sanções financeiras, denuncia de contratos, bloqueio cultural e desportivo são parte considerável das medidas aplicadas, entre as quais, se destaca o congelamento dos activos do Banco Central da Rússia, junto de outros bancos centrais, acabando com a capacidade russa de controlar o valor da sua própria moeda. O rublo desvalorizou mais de 30%, encarecendo importações e fazendo disparar a inflação. A resposta de Putin foi o aumento drástico das taxas de juro russas para 20% e limitações à circulação de capitais como forma de controlar o valor da moeda.
Como se pode verificar, as restrições impostas já começaram a destabilizar a economia russa, assim como a sua classe dominante. Para se anteciparem às sanções, a elite russa entrou numa corrida para vender os activos internacionais que não consegue esconder, como imobiliário de luxo ou o Chelsea Football Club de Roman Abramovich, assim como para esconder activos que se encontram a descoberto, desencadeando um frenesi de iates e jactos russos a nível mundial. Consequentemente, começam a surgir as primeiras divisões na classe dominante russa. Os milionários russos Mikhail Fridman, ligado ao círculo íntimo de Putin, e Oleg Deripaska romperam com o Kremlin, exigindo o fim da guerra na Ucrânia.
Ainda assim, tenhamos consciência de que os efeitos das sanções do Ocidente recaem, sobretudo, sobre o povo russo e europeu e não sobre as elites. Logo a começar pela manutenção dos paraísos fiscais e empresas offshore, centros opacos de roubo financeiro legalizado, que permitem à elite russa esconder mais de metade das suas fortunas, assim como às elites ocidentais esconderem outro tanto, sendo do interesse de ambas que assim se mantenham.
Em segundo lugar, a exclusão de bancos russos do sistema SWIFT (abrangendo 25% do sistema bancário), que limita as transações internacionais, foi aplicada discricionariamente aos bancos russos que possam criar o menor abalo possível às elites europeias, sem ter em consideração os efeitos sobre os povos. Tal como Biden prometeu, “projetámos estas sanções com propósito de maximizar o impacto a longo prazo sobre a Rússia e minimizar o impacto sobre os EUA e os nossos aliados”. O Sberbank, o maior banco russo, e o Gazprombank não foram incluídos nas sanções por “serem os principais canais de pagamentos para o petróleo e o gás russo, que os países europeus continuam a comprar”.
Em terceiro lugar, apesar da saída de muitas multinacionais do mercado russo, destruindo milhares de postos de trabalho, os principais contratos internacionais estão a ser respeitados e o gás russo continua a fluir para a Europa. Para além disso, Mario Draghi, primeiro-ministro italiano, em defesa dos interesses das elites italianas, terá feito pressão para que os bens de luxo italianos fiquem de fora dos pacotes de controlo de exportações, assim como a Bélgica terá feito o mesmo com os seus diamantes. Ou seja, os poderosos de ambos os lados salvaguardam os seus interesses, empurrando milhares de russos para o desemprego e a miséria.
O cancelamento desportivo, cultural e mediático da Rússia, muito conveniente às elites ocidentais, contribui, mais uma vez e sobretudo, para o isolamento do povo russo, assim como para potenciar os sentimentos anti-russos. Veja-se a perseguição que já está a ter lugar em Portugal a cidadãos russos.
Portanto, o conjunto de sanções recai, sobretudo, sobre o povo russo e os povos europeus que já estão a pagar a inflação e as interrupções de abastecimento, com uma desvalorização brutal dos seus salários. A drástica subida dos preços dos combustíveis vem beneficiar, sobretudo, as grandes empresas ligadas à exploração de combustíveis fósseis que conseguem, assim, equilibrar as perdas da pandemia.
Este não é apenas um efeito colateral da guerra. A insatisfação do povo russo proveniente dos efeitos das sanções é parte fundamental da estratégia para desgastar Putin, pelo que as potências ocidentais estão a usá-las também com esse objectivo. O Ocidente utiliza o povo russo para chantagear Putin e esta não é propriamente uma via pacífica que possa ajudar o povo ucraniano. É bem possível que esta chantagem apenas sirva para escalar o conflito.
A “ajuda” da UE e da NATO tem austeridade do FMI como contrapartida
Em termos militares, as potências ocidentais não têm, de momento, interesse em envolver-se diretamente numa guerra com a Rússia, de efeitos e amplitude imprevisíveis, pelo que a NATO assume que não irá enviar tropas para a Ucrânia. Pelas mesmas razões, a NATO também não acedeu ao pedido de Zelensky para assumir o controlo do espaço aéreo ucraniano, uma vez que colocava a Aliança em confronto directo com a aviação russa.
Aquilo que a NATO tem vindo a fazer é o reforço das suas posições, com tropas e equipamento bélico, junto às fonteiras com a Rússia e a Ucrânia, assim como tem fornecido equipamento e armamento à Ucrânia.
Para além disso, a UE vangloria-se de que irá fazer um empréstimo de €1,2 mil milhões à Ucrânia, não tornando tão claro que este empréstimo está efetivamente sujeito “ao prosseguimento da execução satisfatória do programa do Fundo Monetário Internacional (FMI) e de um número de medidas políticas de curto prazo previamente acordadas”.
Ou seja, a “ajuda” da NATO e da UE à Ucrânia vem com as habituais condições draconianas e exige a aplicação de mais austeridade sobre salários, pensões e direitos laborais, assim como a privatização de serviços públicos e sectores estratégicos. Sim, mais austeridade, pois segundo o economista Michael Roberts, após 2014, a Ucrânia foi incapaz de continuar a pagar a sua dívida pública, tendo sido forçada a um conjunto de intervenções do FMI, em troca de severos programas de austeridade sobre os serviços públicos e Estado social, aumento de impostos e privatização de sectores estratégicos, nomeadamente, na banca, aplicados pelos vários governos dos últimos anos. Uma das mais importantes exigências das potências ocidentais sobre a Ucrânia tem sido a liberalização do mercado de terras, num país que detém um quarto dos solos mais férteis do planeta e é dos maiores produtores agrícolas.
Sob o repúdio à agressão russa contra a Ucrânia, a resolução da UE escondeu o reforço da via belicista
Consultando a resolução 2022/2564(RSP), aprovada pelo Parlamento Europeu, no passado dia 28 de Fevereiro de 2022, “sobre a agressão russa contra a Ucrânia”, verificamos que foi aprovado, no seu ponto 21, “o reforço da presença avançada da NATO nos Estados-Membros da UE geograficamente mais próximos do agressor russo e do conflito”, assim como o seu ponto 22 “reitera o seu apelo aos Estados-Membros da UE para que incrementem as despesas com a defesa”.
Esta resolução já está a ter os seus efeitos. O Chanceler alemão, Olaf Scholz, do SPD, para dar o exemplo, já anunciou que vai aumentar em €100 mil milhões o orçamento militar deste ano, subindo para mais de 2% do PIB, conforme exige a NATO, o que se estenderá para os próximos anos. Em Portugal, o Ministro da Defesa também admite aumentar o orçamento militar nos próximos anos e diz que todos os países da NATO têm de reforçar o investimento militar.
Isto numa altura em que os gastos militares bateram recordes em 2020. Em 2020, os gastos militares chegaram aos €1.500 mil milhões, um aumento em termos reais de 3,9% em relação a 2019, apesar da pandemia e da consequente contracção da economia mundial. Quase 66% destes gastos são feitos pelos EUA.
Putin optou pela guerra, mas do lado da NATO e da UE a aposta é a de escalar o conflito, reforçando os seus orçamentos militares e a sua presença na região, em vez de o apaziguar.
A pergunta que se coloca é: se as potências ocidentais, de longe, as maiores potências militares mundiais, não procuram a guerra, para que serve todo este reforço militar? A indústria de guerra precisa de ser oleada de tempos a tempos, pelo que não poderemos esperar a paz de quem só tem guerra para nos oferecer.
Como é que a juventude e trabalhadores podem combater a guerra?
A paz não virá de quem tem interesses em dividir-nos e manter o conflito aceso. Historicamente, a juventude e os trabalhadores têm sido fundamentais na resistência contra as guerras imperialistas e contra a escalada militar. O segredo está na solidariedade entre os povos e na mobilização popular, de Lisboa a Moscovo, contra Putin e todos os governos e alianças internacionais disponíveis para aumentar os esforços de guerra.
Recordemos a nossa própria história, quando a 25 de Abril de 1974, a mobilização popular se juntou aos movimentos de libertação colonial e pusemos fim a 13 anos de guerra colonial. Recordemos a mobilização popular que ajudou a pôr fim à agressão indonésia sobre Timor. A juventude e os trabalhadores devem voltar a mobilizar-se em torno de um movimento anti-guerra que combata a invasão de Putin e não permita a intervenção da NATO. Não à Guerra! Putin fora da Ucrânia! Não à NATO! Pelo direito à autodeterminação do povo ucraniano e independência da Ucrânia!
Para além disso, é preciso evitar que as sanções recaiam sobre os povos europeus, pelo que exigimos que a UE coloque um fim imediato aos paraísos fiscais e empresas offshore. Exigimos o tabelamento dos preços e dos lucros das empresas de bens e serviços essenciais para controlar a inflação e combater a desvalorização salarial.
É urgente o apoio, militar e humanitário, à resistência ucraniana sem que isso signifique quaisquer condições ou tropas da NATO no terreno. Exigimos o perdão da dívida pública da Ucrânia, assim como o cancelamento imediato do programa de austeridade do FMI. FMI fora da Ucrânia!
Mobilizamo-nos contra o reforço das despesas militares da NATO e da UE, as maiores potências militares globais. Mobilizamo-nos contra o envio de tropas portuguesas para reforçar as posições da NATO. Fim dos blocos militares! Fim da escalada belicista!