Em entrevista ao Expresso, a 21 de Agosto de 2021, António Costa afirma que está a viver “tempos empolgantes para a governação”. Com 72% da população completamente vacinada; com os milhares de milhões de euros a chegar da EU; com PCP, BE e PAN aprumados para as negociações do OE2022; e com as sondagens a apontarem para mais uma vitória em eleições autárquicas, os ventos correm de feição ao Governo PS.
Após 6 anos de governação minoritária, Costa continua a ter espaço para definir o ritmo, a forma e o conteúdo da narrativa: estamos próximo de virar a página da pandemia, “a economia resistiu como nem os mais optimistas dos optimistas podiam imaginar”, estando a preparar-se não só para “recuperar e reconstruir”, como para “transformar estruturalmente o nosso país”, tudo isto sem qualquer remodelação no Governo.
Até parece que já superámos todas as fracturas que a pandemia deixou expostas: serviços públicos descapitalizados; crise habitacional; transportes públicos insuficientes; pobreza, desigualdade, discriminação, precariedade e baixos salários à conta de uma economia dependente do turismo e da especulação imobiliária; crise ambiental, tudo problemas que afectam sobretudo a juventude, as mulheres e as pessoas racializadas. Isto sem contar com os problemas que a pandemia veio acrescentar: mais 71 mil desempregados que em Julho de 2019 (de um total actual de 369 mil desempregados), muitos dos quais provenientes de despedimentos em grandes empresas como a TAP, Groundforce, Altice, MEO, Efacec, Santander, BCP, etc; problemas de saúde associados à menor assistência aos doentes não-COVID-19 e os graves problemas de saúde mental que atravessamos; assim como a acrescida pressão para a desregulação laboral.
Sem oposição, a governação de António Costa parece um passeio no parque. A oposição serve para questionar, exigir, colocar em causa a actuação de quem governa e construir alternativas políticas e de governo. No entanto, parece que vivemos no país das maravilhas de António Costa.
A direita tradicional não tem liderança, não tem programa, não tem alternativa, pois, mais medida menos medida, parece não ter uma proposta diametralmente diferente do PS, que vai satisfazendo as exigências das classes dominantes. Como resultado, PSD e CDS-PP adoptam a táctica da extrema-direita: muito ruído para desviar as atenções da sua incapacidade política.
Mais grave, é BE, PCP e PAN contentarem-se com as promessas dos sucessivos OE, mesmo que muitas delas sejam alvo de cativações ou fiquem por cumprir. Sim, a requentada diminuição do IRS que é agora novamente proposta, foi uma promessa já em 2016, assim como o urgente investimento nos serviços públicos se mantém cativo. BE e PCP abandonaram a disputa de uma visão estratégica alternativa para o país como forma de manter o Governo PS em funções e a direita afastada do poder. O problema está no facto de o PS defender precisamente os mesmos interesses que a direita. Os últimos anos não foram excepção: serviços públicos em destruição, salários estagnados, precariedade generalizada, tudo em função do turismo e da especulação imobiliária. As poucas cedências arrancadas ao Governo PS provêm do receio que este tem de que as mobilizações populares do tempo da Troika voltem a recrudescer. A esquerda parlamentar contenta-se, assim, em propor ajustes às medidas quotidianas do Governo PS, mesmo que este seja uma mera extensão dos senhores da UE. A estabilidade do regime das elites corruptas mantém-se, mas não surge qualquer projecto alternativo à esquerda. Sacrifica-se o futuro pelo presente, abrindo-se espaço à tirania e barbaridade da extrema-direita, que se apresenta demagogicamente como a suposta “oposição”.
Precisamos urgentemente de uma alternativa à esquerda que lute pela transformação estrutural de que o país precisa. Que transformação estrutural é essa? Não será a de imprimir dinheiro para alimentar a especulação dos mercados, com certeza. A pandemia ajuda-nos a compreender duas ideias fundamentais da nossa época: o sistema capitalista é responsável pela destruição acelerada do planeta; e os sectores estratégicos e os serviços essenciais devem estar nas mãos do Estado, ao serviço do interesse público.
Desta forma, exige-se um programa de revolução social e económica, à escala nacional e europeia, assente na mobilização do povo, que proponha uma transformação da estrutura produtiva do país, em total respeito pelo meio ambiente. É preciso privilegiar uma política industrial com vista à substituição de importações e promoção de exportações, articulada com uma política de criação de emprego com direitos e salários dignos, em detrimento da actual especialização no sector do turismo e especulação imobiliária.
Esta transformação só é possível através da nacionalização da banca e dos sectores estratégicos, assim como através da implementação do controlo de capitais como forma de direccionar o investimento para os sectores produtivos. Com tanto dinheiro público injectado na banca privada, está na altura de o tornarmos finalmente produtivo.
Este plano é o único caminho para a nossa economia se tornar socialmente digna, ambientalmente sustentável e tecnologicamente avançada.