Protestos Cuba 2021

Toda a solidariedade com a luta do povo cubano! Fim do bloqueio dos EUA!

Um ex-Estado operário, isolado pelo imperialismo, cuja burocracia dirigente, munida da perspectiva estalinista de “socialismo num só país” e de uma ditadura de partido único, acabou por restaurar o capitalismo, abrindo as portas à destruição gradual das conquistas da revolução de 1959.

O povo cubano confronta-se, há décadas, com dois grandes problemas: primeiro e antes de mais nada, i) a ingerência dos EUA, através do bloqueio ao país, desde 1960 (veja-se aqui1 as múltiplas consequências do bloqueio); e ii) um regime ditatorial, dirigido pela casta burocrática do Partido Comunista Cubano que, sem um plano de internacionalização da revolução, nem de democratização do regime, acaba por ser, ele próprio, o restaurador do capitalismo na ilha. Cuba é um país económica e politicamente estrangulado. Há décadas!

O povo parece entender estes dois problemas e, empírica e espontaneamente, decidiu actuar sobre eles. Segundo o El País, “os protestos tiveram como alvo não só o corpo policial do castrismo e sedes do Partido Comunista e do Poder Popular, mas também foram saqueadas essas paróquias capitalistas disseminadas em cada povoado: as lojas que vendem em divisas internacionais, às quais só têm acesso quem recebe remessas do exterior e que estabelecem muito claramente quem é quem em Cuba, e a qual classe pertence”2.

A estes dois problemas estruturais da realidade cubana, junta-se a pandemia mundial, os seus efeitos na saúde pública e as suas consequências socioeconómicas. Cuba tem uma economia dependente do turismo que, segundo as estimativas, teve uma quebra nas receitas de perto de 70%. O PIB cubano caiu 11%3, em 2020, e fala-se na pior crise dos últimos 30 anos. Soma-se ainda a austeridade que o Governo de Miguel Díaz-Canel tem imposto sobre a despesa pública. Isto significa muita pobreza, escassez de bens, fome e desespero, que à falta de uma alternativa política, dá lugar ao espontaneísmo furioso. O povo cubano vive asfixiado e a crise pandémica, conjugada com a austeridade do Governo, fizeram detonar a explosividade popular que, justamente, sai à rua, em várias províncias da ilha, por melhores condições de vida e por direitos democráticos.

A informação atual é escassa e confusa, cheia de especulações. Não parece existir uma figura ou uma direcção que encabece a revolta. O próprio Governo de Miguel Díaz-Canel não consegue identificar uma figura que dirija as manifestações através da qual consigamos avaliar o seu programa. À Folha de S. Paulo, Pedro Monzón, cônsul-geral de Cuba em São Paulo, personagem insuspeita ligada ao regime cubano, afirma que as manifestações têm sido compostas por “gente revolucionária, pessoas ingénuas, que não tinham uma visão política definida, e por um núcleo duro, que, está provado por nós de muitas maneiras, recebe financiamento [dos EUA]”4. O que se pode extrair desta declaração é que nas ruas estarão tanto sectores tradicionalmente pertencentes à base de apoio do Governo, apelidados de “gente revolucionária”, como sectores reaccionários, apelidados de “núcleo duro financiado pelos EUA”, sem uma direcção definida. Por outro lado, sabemos que muitos dos presos, nas manifestações, são conhecidos militantes da esquerda cubana, anti-imperiastas, críticos do regime castrista.

Até melhor informação, os acontecimentos em Cuba parecem reflectir uma revolta espontânea, que mobiliza diversos sectores sociais do povo cubano que lutam por justas reivindicações económicas e políticas, cuja própria direcção estará em disputa, entre aqueles que vêem como saída o aprofundar do capitalismo e os que defendem as conquistas sociais da revolução de 1959.

Esta disputa não é meramente nacional. Biden, que prometeu reverter o agravamento das sanções de Trump sobre Cuba, procura apoiar a posição que enfraqueça o regime cubano e reforce a ingerência dos EUA sobre a ilha. Para tal, faz eco dos sectores reaccionários cubanos, emigrados em Miami, na Flórida, muitos deles apoiantes de Trump, e rejubila com a revolta do povo cubano, como forma de potenciar o desgaste do Governo de Miguel Díaz-Canel. Este, por sua vez, tal como os seus antecessores, serve-se oportunamente do embargo dos EUA para justificar todos os problemas do povo cubano, afastando de si qualquer responsabilidade, como forma de tentar apaziguar e controlar o descontentamento popular.

É importante salientar que as actuais mobilizações em Cuba surgem no decurso da derrota de Trump e das importantes revoltas que tiveram lugar no Chile, Equador, Bolívia, Colômbia ou, mais recentemente, das mobilizações no Brasil, precisamente contra as degradantes condições de vida, as consequências da pandemia, a repressão política e os ataques aos direitos democráticos que os seus governos reaccionários e neoliberais da América Latina têm imposto sobre os seus povos. Uma das lições a tirar de todo este levante é que o capitalismo não serve a nenhum destes povos e também não servirá a Cuba.

Cuba tem um percurso particular quando comparado com aqueles países, mas, hoje, sofre de problemas muito semelhantes. A sua particularidade deve-se à revolução socialista de 1959 que alcançou não só a independência nacional, face aos EUA, como importantes conquistas para o povo cubano. Apesar do embargo e da restauração capitalista por parte da burocracia castrista, a importância dessas conquistas, ainda hoje, é palpável: o sistema de saúde público cubano acaba de conseguir produzir uma vacina contra a COVID-19, com 92% de eficácia, evitando a importação de fármacos do estrangeiro5.

Cuba vive, portanto, os problemas de um ex-Estado operário, isolado pelo imperialismo, cuja burocracia dirigente, munida da perspectiva estalinista de “socialismo num só país” e de uma ditadura de partido único, acabou por restaurar o capitalismo, abrindo as portas à destruição gradual das conquistas da revolução de 1959. Estas são as causas profundas para que as carentes condições de vida em que o povo cubano estava mergulhado, tenham vindo a dar lugar à completa miséria humana, à medida que o capitalismo se vai instalando.

Ou o povo cubano consegue travar o avanço capitalista, mantendo as conquistas na revolução socialista e aprofundando-as, democratizando o regime, ou estará condenado à degradação humana contra a qual os restantes povos latino-americanos têm lutado.

Toda a solidariedade com a luta do povo cubano!

Fim do bloqueio dos EUA!

Democratização do regime cubano! Liberdade para todos os presos políticos!

1 https://pt.mondediplo.com/spip.php?article1422

2 https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-07-13/protesto-em-cuba-as-coisas-por-seu-nome.html?event_log=oklogin&mid=DM71366&bid=643621228

3 https://brasil.elpais.com/economia/2021-07-15/pior-crise-economica-em-30-anos-alimenta-descontentamento-social-em-cuba.html

4 https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/07/fake-news-miram-cuba-para-inflar-tamanho-dos-protestos-e-da-repressao-diz-consul-em-sp.shtml

5 https://sicnoticias.pt/especiais/coronavirus/2021-06-22-Covid-19.-Vacina-cubana-Abdala-com-92-de-eficacia-bb2c28b8

Próximo

Escritor cubano Leonardo Padura escreve sobre as manifestações no seu país