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Os problemas que afectam as mulheres durante a pandemia. Porque é fundamental sair à rua no 8 de Março?

A pandemia da COVID-19 pôs a descoberto e aprofundou as desigualdades de género. Se já antes desta situação, a maioria do trabalho doméstico e de cuidados recaía sobre as mulheres, com o fecho das creches e das escolas, os serviços de saúde sobrecarregados ou em rutura e as medidas de isolamento e confinamento, tudo se agravou. É sobre a mulher que continua a recair a grande maioria do trabalho doméstico.

Como é de esperar, essa enorme sobrecarga tem efeitos graves na saúde mental, havendo um aumento muito maior do stress nas mulheres do que nos homens a nível mundial.

Além disso, a crise económica e a falta de investimento na saúde têm tido consequências no acesso a contracetivos e ao aborto seguro, nos países em que esse direito foi conquistado. Onde ele é limitado, a pandemia, a crise, o confinamento geral das populações, o clima de medo e a falta de recursos médicos é usada para restringir o acesso ao aborto.

Também o desemprego e a desigualdade salarial, assim como a violência doméstica, agora mais escondida, aumentaram.

Ainda que o vírus não distinga fronteiras, nem géneros, nem classes sociais, o mesmo não se pode dizer do seu impacto na saúde e nas condições de vida da população. Para além de serem as mais afetadas, as mulheres são também a maioria dentro das profissões ligadas à saúde e nos serviços. Por todo o mundo têm estado na linha da frente, não só na luta contra a pandemia, como na luta por melhores condições de trabalho e de vida.

Em Portugal, as mulheres são maioria em grande parte dos setores que não permitem o teletrabalho. É o caso dos setores cuja atividade foi mais afetada pela pandemia, como serviços, limpezas, comércio, restauração, turismo, cabeleireiros, e também nos sectores essenciais como a saúde, educação e supermercados.

A par disso, 85% das famílias monoparentais são sustentadas por mulheres. No primeiro mês de confinamento, em Março de 2020, 9 em cada 10 postos de trabalhos extintos eram ocupados por mulheres. 57% dos novos desempregados são mulheres.

Além disso, as mulheres representaram 62% dos 644 mil ausentes do trabalho no segundo trimestre de 2020, por ocuparem postos em que não era possível nem o teletrabalho, nem a ida ao emprego.

Todos estes dados confirmam que a situação laboral das mulheres em Portugal se tornou ainda mais instável e precária durante a pandemia, contribuindo para a sua insegurança a nível económico e social.

Mesmo assim, os problemas não terminam aí, já que, em Portugal, as mulheres ganham atualmente menos 14,4% do que os homens, ocupando postos de trabalho em setores onde maioritariamente os vínculos são precários, os horários desregulados e onde se recebe o salário mínimo, além da discriminação que sofrem muitas mulheres por serem mães, perdendo prémios de desempenho, ao fim do mês, por terem de cuidar dos filhos. Ao receio do vírus, somam-se a exclusão social, a falta de condições na habitação, o perigo de perder o emprego com o fecho de empresas, o medo dos cortes nos salários, a insegurança dos contratos de trabalho, a sobrecarga dos cuidados familiares. É urgente exigir melhores condições para as mulheres da classe trabalhadora, combatendo as desigualdades de género.

 

Violência doméstica, agora mais escondida, aumenta

Relativamente às denúncias e pedidos de ajuda, Janeiro de 2020 teve um número elevado de registos, mas com o início do primeiro confinamento, entre Março e Abril, os pedidos de ajuda e denúncias às forças de segurança diminuíram 39%, havendo, no entanto, um aumento de pedidos de informação e de ajuda por terceiros, como vizinhos ou amigos.

Após o primeiro desconfinamento, os pedidos de ajuda à Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica duplicaram. 329 mulheres, 220 crianças e 15 homens vítimas de violência doméstica foram acolhidos em casas-abrigo durante a pandemia, até Novembro de 2020. Nos pedidos de acolhimento de emergência, surgiram muitos casos de mulheres vítimas de violência doméstica pela primeira vez, em relações conjugais com conflitos e discussões, em que o aumento da tensão, relacionado com as dificuldades levantadas pela pandemia, terá evoluído para situações mais violentas. Já 70% dos pedidos de ajuda vieram de contextos em que a violência existia e se intensificou, pelos mesmos motivos.

Note-se que a violência contra a mulher não se limita a agressões físicas e psicológicas. A violência que vivemos é também económica e laboral: a precariedade e a instabilidade laboral, os horários desregulados e salários baixos, a falta de apoios à maternidade e de condições de habitação, a segregação laboral, tudo isto são formas de violência vividas diariamente por milhares de mulheres trabalhadoras. O fim da violência contra a mulher exige luta contra o machismo, mas também por direitos laborais, sociais e económicos.

 

Mulheres polacas e argentinas mostram o caminho

Na Polónia, onde as mulheres que há uns anos abriram o caminho para um 8 de Março combativo, internacional e solidário, estas mesmas mulheres voltaram a sair massivamente à rua, nos últimos meses de 2020, em luta contra o governo nacionalista e ultraconservador, de extrema-direita, que lhes acaba de restringir, ainda mais, o direito ao aborto ( a nova lei entrou em vigor a 27 de Janeiro de 2021), num país onde esse direito já é dos mais restritos da Europa. Não devemos esquecer que o Governo da Polónia influenciou a própria decisão do tribunal constitucional, uma vez que este é um dos órgãos judiciais nomeado pelo próprio governo.

À luta juntaram-se trabalhadores de vários setores e LGBTs que contestam o governo de extrema-direita. A classe trabalhadora polaca, com especial enfoque para as mulheres, mostra novamente o caminho para combater as desigualdades e a crise que enfrentamos, deixando claro que a luta das mulheres deve ser uma luta de toda a classe trabalhadora.

Na Argentina, as mulheres lutam há décadas pela legalização do aborto. No seguimento de discussões nos Encontros Nacionais de Mulheres que tiveram lugar em 2003 e 2004, foi lançada a 28 de maio de 2005 a Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito. A campanha ganhou força no processo de lutas que se abriu em 2015 com o surgimento do movimento Ni Una Menos contra os brutais feminicídios que ocorrem todos os dias no país. Fartas da inação do Estado, as mulheres argentinas começaram a ocupar as ruas, em massa, em vários atos de repúdio à violência machista e reivindicando medidas de combate a este problema social.

Desde então, o movimento feminista tem vindo a crescer e a impulsionar a organização das mulheres, a nível internacional, pelo fim da violência e da discriminação machista. As grandes mobilizações que ocorreram na Argentina nos últimos anos, identificadas pelos panos verdes, tiveram como eixo central a legalização do aborto.

De acordo com as estimativas realizadas com base no número de internamentos em hospitais públicos por complicações após um aborto voluntário, um estudo de 2005 apontava para cerca 447 mil abortos, nesse ano, na Argentina. São números preocupantes e que se multiplicam quando olhamos para o resto da América Latina onde o aborto apenas é legalizado em 4 países. É a região do mundo com maior número de aborto proporcionalmente (44 a cada mil mulheres, por ano). Neste cenário, a vida das mulheres está sob constante ameaça. Este é um problema que afeta, em primeiro lugar, as mulheres mais pobres, as mulheres das classes trabalhadoras.

Após a Greve Feminista Internacional, no 8 de Março de 2018, as argentinas não baixaram os braços e levaram uma luta incansável até à discussão do projeto da IVG, na câmara dos deputados, conseguindo arrancar 129 votos a favor, contra 125 votos negativos. A campanha acabou por não passar no Senado, em Agosto de 2018, mas levantou um debate na sociedade que transbordou além-fronteiras sobre a importância da mudança na lei para acabar com as mortes de centenas de mulheres e meninas todos anos.

Desde então, o movimento não cessou, manteve-se mobilizado nas ruas, e no passado mês de Dezembro de 2020, conseguiu conquistar a legalização do aborto na Argentina. As mulheres argentinas demonstram assim a força da mobilização permanente.

Perante os problemas que afectam as mulheres e que se aprofundam com a pandemia, fazendo justiça às poderosas mobilizações das mulheres polacas e argentinas, o próximo 8 de Março só pode ser um dia de luta e de mobilização nas ruas contra o sistema capitalista que nos explora e oprime!

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