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Sem investimento público, somos obrigados a confinar novamente

Encontramo-nos no pior momento da pandemia, com um nível diário de infecções acima das 14.000 e de óbitos acima dos 200. Portugal é, neste momento, o segundo país do Mundo onde mais se morre por COVID-19, por milhão de habitantes.

Prevê-se que, até Março, morram mais 10 mil pessoas vítimas de COVID-19 no país, tantos quanto os dos últimos 10 meses de pandemia1. O Governo volta a falhar na preparação das sucessivas vagas que vamos atravessando. O problema é sistémico, é estrutural. Isto é o capitalismo a funcionar, debaixo de uma pandemia.

Esta semana, segundo o Expresso, Philipp Heimberger, economista do Instituto para os Estudos Económicos Internacionais de Viena, afirma que o investimento público português foi “a maior vítima da austeridade2. “Os milhões de euros anualmente investidos pelo Estado português não chegam sequer para compensar o desgaste ou obsolescência das infraestruturas, máquinas ou equipamentos dos organismos públicos […] de que o país depende para crescer e prestar melhores serviços públicos aos cidadãos, seja nas suas escolas, hospitais, transportes, etc.”. A tendência agravou-se do Governo de Passos Coelho para o de António Costa […]. Entre todos os 27 Estados-membros, Portugal foi sistematicamente o que menos investiu em 2016 (1,5% do PIB), em 2017 (1,8% do PIB a par da Irlanda), em 2018 (1,8% do PIB) e em 2019 (1,9% do PIB), período em que a média europeia se manteve próxima dos 3% do PIB em termos brutos”.

Esta tendência de destruição dos serviços públicos faz com que o confinamento total seja a solução inevitável. Confinamos para “achatar a curva” e conseguir que o SNS “não entre em ruptura”. Confinamos para diminuir os passageiros nos transportes. Confinamos para diminuir os alunos nas salas de aula. No entanto, o confinamento é fonte de outros tantos problemas sociais e económicos, tão ou mais graves.

Imaginemos, agora, que a Geringonça tinha efectivamente “virado a página da austeridade” e talvez as nossas infraestruturas públicas, escolas, hospitais e transportes tivessem em melhores condições para combater a crise pandémica que atravessamos e todos os seus efeitos económicos e sociais:

1 – Se existisse mais e melhor investimento público em Investigação e Desenvolvimento (I&D) e nas nossas universidades talvez já tivéssemos conseguido rastrear melhor em que contextos se dá a maior parte dos contágios. Não tendo acontecido, António Costa diz-nos que a maior parte dos contágios se dá em ambiente familiar, abrindo as portas a que o Governo “lave daí as suas mãos”, responsabilizando-nos individualmente pelas suas falhas políticas. Sem evidencia que nos ajude a compreender a propagação do vírus, o Governo PS combate o vírus com moralismo, coação e mais policiamento;

2 – Se já tivesse existido mais e melhor investimento público e contratação para o SNS e se os hospitais privados já tivessem sido publicamente requisitados, estaríamos, com certeza, com uma melhor capacidade de resposta. Embora nem o Governo, nem os media o reconheçam, a verdade é que a preparação e planificação do nosso SNS, no combate à pandemia, tem sido um completo desastre. Afirmamo-lo porque olhando para os números de doentes não-COVID-19 que não estão a ser convenientemente acompanhados, olhando para o número extraordinário de mortes no ano de 2020, olhando para os problemas de saúde mental que atravessamos e considerando a exaustão a que os profissionais estão a ser sujeitos, só nos pode conduzir a uma conclusão: o nosso SNS já entrou em ruptura, a nossa saúde pública está em risco, não apenas por via da COVID-19, mas o Governo PS ignora o “elefante na sala” e BE e PCP, que aprovaram os sucessivos Orçamentos do Estado do PS, deixaram de fazer o seu trabalho nos últimos 5 anos. Já para não falar na inexistência de qualquer esforço, da parte de BE, PCP ou Ana Gomes, para conformar uma candidatura presidencial unitária à esquerda, afastando uma possível disputa da segunda volta e abrindo portas à disputa da extrema-direita pelo segundo lugar – uma opção que sairá cara aos trabalhadores;

3 – Se já tivesse existido mais e melhor investimento em transportes públicos, estaríamos em melhores condições de evitar a sua sobrelotação em horas de ponta, no movimento pendular entre os subúrbios e o centro das cidades;

4 – Se tivesse existido mais e melhor investimento e contratação nas nossas escolas, estaríamos numa situação com menos alunos por turma, mais distanciamento e menor probabilidade de contágio, enquanto se evitavam as nefastas consequências do ensino à distância para as classes mais empobrecidas;

5 – Se tivessem existido sérias políticas públicas de habitação e políticas públicas energéticas, escusávamos de ter de viver nas casas mais pobres e mais frias da Europa, embora sejamos dos países com um dos climas mais amenos.

Como a “viragem da página da austeridade” tem sido uma mera ilusão, a banca continua a engolir uma boa parte dos nossos recursos. A Saúde vai-se transformando num dos negócios mais rentáveis. O mesmo destino quer ser dado à escola pública. Os transportes, assim como todo o conjunto de sectores estratégicos, foram praticamente todos entregues a privados. O nosso sistema produtivo está assente no turismo, imobiliário, call-centers e serviços, que vivem à custa de força de trabalho barata e precária. Este é o resultado de sucessivos governos cuja estratégia é a gestão do sistema capitalista predatório, através do qual tudo é transformado em mercadoria para a obtenção de lucros instantâneos.

A pandemia demonstra que a solução para os nossos problemas tem de ser social e não individual. Tem de ser pensada e não deixada à anarquia do mercado. Mas de onde vem o dinheiro para tanto investimento, perguntam-nos de seguida.

A banca tem de deixar de engolir os nossos recursos, quer seja através do fim das sucessivas injecções públicas, quer seja através da reestruturação de uma dívida pública impagável e dos seus juros monstruosos. O fim das ruinosas PPP e de outros esquemas rentistas entre o Estado e os privados são outra fonte de recursos.

Entretanto, está a aproximar-se mais uma ronda de distribuição de dividendos pelos accionistas das empresas estratégicas do país. Os grandes grupos empresariais, não só beneficiam da sua posição monopolista, como têm beneficiado com a própria pandemia. A nível planetário, no último ano, os mais ricos ficaram ainda mais ricos, numa espiral de crescimento da desigualdade.

Como se justifica que uma minoria se aproprie dos benefícios retirados de uma pandemia, enquanto os trabalhadores têm de pagar com a sua saúde, o seu emprego, os seus rendimentos e os seus direitos? Qual o contributo destes grandes grupos económicos para os problemas sociais que atravessamos? EDP, REN, CTT, Galp, Jerónimo Martins, Sonae, NOS, por exemplo, todas elas empresas estratégicas que beneficiam com a pandemia, irão distribuir milhares de milhões de benefícios por uma minoria de accionistas enquanto despedem, usufruem do lay-off e cortam salários? O Governo vai criando pequenas almofadas para amortecer o desespero, mas, mais uma vez, são os trabalhadores que pagam boa parte dos apoios, através da Segurança Social.

O Governo quer confinar-nos com reprimendas morais e ameaças aos nossos direitos democráticos, mas este não é um problema moral, nem de excesso de democracia. Este é um problema de saúde pública, com duras consequências económicas e sociais. A nossa saúde está à frente dos lucros privados!

O que precisamos é de parar de injectar dinheiro público na banca privada!

Requisitar publicamente os lucros dos grandes grupos económicos!

Contratar e investir no SNS! Requisitar publicamente os hospitais privados, a preço de custo!

Fechar imediatamente as escolas!

Encerrar todas as actividades não essenciais!

Proibir os despedimentos!

Ajudar imediatamente, a fundo perdido, as micro e PME!

 

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