André Ventura constrói a sua política através de um mundo alternativo, parido do imaginário dos preconceitos e mitos sociais. Para André Ventura, os grandes problemas do país estão no reconhecimento de direitos como a legalização do aborto, estão no nosso sistema penal, no número de deputados, no Rendimento Social de Inserção (RSI) e numa imaginária “questão cigana”.
Sucintamente, não é preciso investigar muito para encontrar evidencia dos benefícios alcançados, em Portugal, com o direito à interrupção voluntária da gravidez, em 2007. Em 2017, 10 anos depois, as conclusões eram límpidas: há menos abortos, menos reincidências e nenhuma mortalidade materna1. Esta é uma conquista muito importante, sobretudo para as mulheres mais pobres. O mesmo se pode dizer do sistema penal. Está comprovado que penas mais duras não previnem a criminalidade. Já para não falar que, com o actual sistema penal, Portugal é considerado dos países mais seguros do mundo e o mais seguro da UE2. Igualmente, no que diz respeito ao número de deputados. É importante sabermos que o nosso parlamento é unicameral e tem um dos menores números de deputados por habitante dos países da UE34. Reduzir o seu número, seria reduzir a representação daqueles que já têm menor representação. Perante esta situação, se os partidos e deputados que estão na Assembleia da República não servem, o problema não está na sua quantidade, está na sua qualidade, começando pela do próprio André Ventura. Aquilo que Ventura prepara é o caminho para o retrocesso civilizacional de séculos, baseado num regime tirano. Não o vamos permitir!
Mas vamos ao que nos trouxe aqui: o papão RSI e a “questão cigana”. Se André Ventura estudasse, sabia que o RSI pode ascender ao mísero valor máximo de €189,66 e foi criado para apoiar pessoas e/ou famílias em grave carência económica e/ou em risco de exclusão social. Para se lhe ter acesso, o património mobiliário (por exemplo, depósitos bancários) não pode ultrapassar os €26.328,60 e o valor máximo permitido para os bens móveis, registado pelo agregado (como automóveis), também não pode ultrapassar aquele valor. Para além disso, quem recebe o RSI tem de assinar um acordo de inserção social que impõe deveres aos beneficiários, como a procura ativa de emprego, a inscrição no centro de emprego, a frequência de ações de qualificação profissional e a prestação de trabalho socialmente útil de todos os elementos do agregado. Se o beneficiário ficou desempregado por iniciativa própria só terá direito ao RSI durante um ano após a data em que ficou desempregado.
Se André Ventura estudasse, sabia que de acordo com os dados de Setembro de 2020 da Segurança Social, a nível nacional, 211.992 pessoas recebem o RSI, com um valor médio de €119,02/mês, por beneficiário5. Isto equivale a uma despesa anual para a Segurança Social que rondará os €300 milhões.
Segundo a mesma Segurança Social, apenas 3,8% dos beneficiários do RSI são ciganos6. Aplicando esta percentagem ao total de beneficiários de Setembro de 2020, isto dá cerca de 8.056 indivíduos que, a um valor médio de €119,02/mês, representaram um gasto para a Segurança Social que não chega a representar €12 milhões por ano. Este é o valor que Ventura tanto persegue para resolver todos os problemas do nosso país. É doentio!
É muito menos que os €20 mil milhões injectados na banca, nos últimos 10 anos; que os €6 a €7 mil milhões que pagamos anualmente de juros da dívida pública; que os €5 mil milhões do orçamento da Saúde pública que vão parar a entidades privadas7; ou que os €1,5 mil milhões que canalizamos anualmente para as PPPs. E poderíamos continuar a enumerar o conjunto de benefícios e rendas que são entregues à banca e grandes empresários, sem que Ventura lhes dedique tanta atenção.
Se Ventura se informasse, já tinha percebido que vivemos num dos países mais pobres da Europa. 22% da força de trabalho vive com o SMN. Mais de 20% tem um vínculo precário. Cerca de 20% da população vive em situação de pobreza, mesmo após o pagamento das transferências sociais. A comunidade cigana, fruto da discriminação de que é alvo, está entre os mais pobres dos pobres. Esta é a questão que a comunidade cigana enfrenta há 500 anos, em Portugal.
Como é que André Ventura propõe solucionar a pobreza sistémica no nosso país? Nos Açores, o acordo entre Ventura e Rui Rio prepara-se para perseguir, acusar de “subsídio-dependentes” e cortar os parcos apoios sociais das camadas mais pobres da região. Rabo de Peixe é um alvo a abater por estes dias. Investimento para criar emprego? Melhores salários? Combate à precariedade? Defender direitos laborais? Desenvolvimento de políticas de integração social? Nada disso. Perceber os problemas e encontrar soluções adequadas dá muito trabalho. Ventura e Rio não pretendem combater a pobreza. Pretendem estigmatizá-la e persegui-la como forma de nos dividir entre “subsídio-dependentes” e “portugueses de bem”, entre portugueses e não-portugueses, entre brancos e negros, para mais rapidamente monopolizarem o poder. Esta é a campanha de ódio e discriminação que acaba de desembarcar nos Açores e que a comunidade cigana vive há séculos.
Como se não fosse já suficientemente evidente, Ventura acaba de ser condenado a pagar uma multa por discriminação de cidadãos de etnia cigana, pela Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial. Está na hora de o Ministério Público agir sobre o discurso racista de André Ventura e do seu partido, profundamente oposto à Constituição do país. O Trump português não está acima da Lei.
Ilegalização imediata do Chega!