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Trump foi derrotado eleitoralmente, e agora?

Quando, há quatro anos atrás, o mundo acordou surpreendido com a vitória de Donald Trump, na eleição presidencial dos EUA, os alarmes soaram nas profundezas das massas populares norte-americanas.

Não era apenas mais um grupo de falcões que chegava à cúpula da maior potência imperialista mundial, era a normalização e institucionalização da ideologia burguesa da agressão, da hiper-exploração, do ódio, da discriminação, da falsidade e da pseudociência.

A extrema-direita ganhava com essa eleição, à frente do principal poder político e militar do planeta, uma alavanca para o seu projecto político, a nível mundial. Cresceram os partidos de extrema-direita por todo lado e chegaram a muitos lugares de poder por este mundo fora.

Mas se o cenário parecia indiciar um largo período de trevas, as massas não ficaram apenas a assistir.

 

As mulheres iniciaram a resistência

Logo no dia a seguir à tomada de posse de Trump, 20 de Janeiro de 2017, elas, as mulheres, saíram em força para tomar as ruas dos EUA. A marcha de mulheres desse dia marcou a resistência que a Administração trumpista iria ter de suportar durante todo o seu mandato. Essa marcha conseguiu colocar o movimento de massas na rua para enfrentar o projecto autoritário e autocrático da burguesia trumpista.

À interdição de entrada nos EUA, imposta a cidadãos de vários países de maioria muçulmana; à construção do muro na fronteira com o méxico; à normalização do machismo; ao apoio aos supremacistas brancos e à contínua agressão racista; à saída do, já de si insuficiente, Acordo de Paris no combate às alterações climáticas; à diminuição dos impostos sobre os mais ricos; à indução de falsidades científicas; às tentativas de golpe na américa latina; à tentativa de imposição dos interesses norte-americanos no Médio-Oriente e Norte de África; à tentativa da destruição do exíguo Obamacare para a saúde; à exaltação nacionalista por todo o mundo; à recuperação da tortura como método de combate legítimo; etc, etc, etc, as massas resistiram e resistiram à altura, obrigando Trump a retroceder ou estagnar na larga maioria desses projectos.

O movimento feminista iniciou a luta e ergueu uma forte barreira às ideias rançosas do capitalismo que quer a mulher como dona de casa, abnegada e submissa. E sempre acompanhada por um movimento pelos direitos dos imigrantes contra a xenofobia e o racismo. Ainda em Agosto de 2017, dá-se um cortejo nacionalista e supremacista branco, em Charlottesville, que faz juntar o movimento dos imigrantes ao Black Lives Matter para enfrentar aqueles sectores retrógrados, directamente na rua. Não haverá acção destas, patrocinada por Trump, que não tenha resposta de vários sectores populares.

Tendo a luta feminista como a vanguarda da resistência na primeira metade do seu mandato, o partido Republicano sofre uma pesada derrota eleitoral na eleição para o Congresso, e, em especial, é eleita a maior proporção de mulheres de sempre.

 

As greve climáticas mundias de estudantes e operários seguiram o combate

A meio do mandato de Trump, irrompe uma grande luta mundial para o combate às alterações climáticas. Trump lidera o movimento negacionista mundial, em defesa dos lucros dos grandes grupos ligados à exploração dos combustíveis fósseis, colocando o mundo à beira de um desastre ambiental. A “pequena-grande” adolescente sueca Greta Thunberg salta para a ribalta como figura que enfrenta o todo poderoso Tio Sam e o mundo vive um ano de mobilizações gigantescas pelo clima. Embora Trump saia do consenso mundial em torno do clima, ninguém o acompanha. A luta contra os interesses económicos das grandes indústrias mundiais de combustíveis fósseis continua, mas Trump não lhes garantiu a vitória que desejavam.

A par destes movimentos populares e de juventude por direitos cívicos e ambientais, também no campo da economia, a classe trabalhadora começa a mover-se. Professores e estudantes manifestam-se contra os sucessivos cortes no orçamento da Educação, enquanto, os operários da General Motors, pertencentes à base operária branca que havia votado em Trump, entram em greve, em meados de 2019, contra a política do presidente. Foi a maior greve na GM, desde há 40 anos, e o número total de trabalhadores em greve de todos os sectores não atingia um número tão elevado desde a mesma altura.

 

O movimento Black Lives Matter deu o empurrão final

No mundo, Trump não impediu o relativo enfraquecimento do domínio imperialista norte-americano, mas, essencialmente, não conseguiu nem invandir o país nem retirar Maduro do poder na Venezuela, assim como fracassou no golpe de estado na Bolívia. Em ambos os casos mais uma vez o movimento de massas esteve à altura. E ainda viu abrir-se uma situação revolucionária no Chile que, para já, derrotou a Constituição neoliberal do tempo de Pinochet.

Se, na maioria destes casos, Trump era obrigado a recuar ou a ficar a meio caminho do seu projecto, ele não deixou de saber capitalizar a reação contra aquela resistência popular. Quer dizer, soube sempre manter a sua base de apoio também mobilizada. Com a chegada da pandemia o caso começa a mudar de figura. A ideologia negacionista e conspiracionista em relação ao vírus faz com que Trump tenha menosprezado o impacto geral na saúde da população. A condução política foi desastrosa e conduziu a tensão social a um ponto extremo, onde se incluiu um novo aumento das desigualdades, do desemprego, da pobreza e da morte. O assassinato racista de George Floyd pela polícia foi o gatilho que fez explodir esta bomba social. Nunca os EUA tinham observado mobilizações daquele calibre e extensão. Fizeram recuar Trump em todas as suas tentativas de contra-ataque e possibilitaram a mobilização eleitoral para o derrotar nas urnas, no passado dia 3 de Novembro.

 

A derrota eleitoral de Trump e a subjugação da esquerda ao regime

Infelizmente, todo este movimento de luta não deu origem a uma nova organização política que lhe permitisse deixar de ser refém da política do Partido Democrata. Com Bernie Sanders e Ocasio-Cortez a não quererem liderar esse processo, nem o movimento encontrou quem direccionasse a força para o derrube de Trump, através da rua, nem surgiram outras lideranças capazes de o fazer. A classe trabalhadora, a juventude e a massa urbana radicalizada foram, assim, obrigadas a usar o voto num Biden, em quem poucos confiam, para derrotar eleitoralmente o Trump e a extrema-direita. Cerca de 58% dos votantes em Biden dizem ter utilizado o voto nele apenas para derrotar Trump. Ou seja, a maioria não votou em apoio a Biden, usou a única arma disponível, neste momento, para retirar Trump da Casa Branca.

Ainda assim, embora Biden ganhe por uma larga margem no voto popular, de mais de 5 milhões de votos, a vitória deu-se num registo de votação que não acontecia desde 1908 e onde Trump consegue mais 10 milhões de votos do que há 4 anos.

Os resultados evidenciam a situação polarizada na luta por saídas para a crise económica, social e sanitária instalada no mundo, pelo capitalismo, desde 2008.

Os capitalistas moderados sentem-se, hoje, um pouco mais confortáveis com a vitória de Biden e tentam manter a conciliação com os trabalhadores na situação mais estável possível, garantindo os seus lucros. Perante a crise que atravessamos, não será fácil manter a estabilidade. Trump e a sua armada de extrema-direita mundial representa um sector da burguesia que já não consegue satisfazer as suas expectativas de lucro através da “cenoura”. Então ameaçam fazer funcionar o “pau”, no sentido de soluções autocráticas e autoritárias, apoiando-se nos sectores da pequena-burguesia, nomeadamente pequenos e médios empresários, desesperados diante da crise. Estes empresários procuram solução nos mesmos que lhes impuseram o caos. Mas também os pobres vêem nas mentiras e alarvidades científicas uma saída quase religiosa para o desespero em que caíram.

No outro lado, as massas trabalhadoras, sem uma direcção política independente dos Democratas, vai tentando na rua, e com algum sucesso, a obtenção de conquistas ou a defesa aos ataques sobre os seus direitos.

A verdade é que as massas têm demonstrado muita resiliência, contundência e força na resistência e no combate ao liberalismo económico e ao autoritarismo político, mas partidos à esquerda ou lideranças como Sanders e Ocasio-Cortez não têm sido capazes de estar no mesmo patamar. A adaptação parlamentar e eleitoralista aos regimes e a falta de coragem política em assumir um projecto de ruptura com o capitalismo deixa órfãos todos estes movimentos que se têm levantado.

Tal como em muitos outros países, Bernie Sanders já anunciou a intenção de participar no governo de Biden e Ocasio-Cortez, por sua vez, já afirmou o seu apoio parlamentar às reformas progressivas. Ou seja, também nos EUA assistiremos a “geringonças” que colocarão o trumpismo como a única oposição a Biden. Não nos esqueçamos: foi precisamente a Administração à qual também Biden pertencia que, pelas suas políticas, nos trouxe até Trump.

E se aqueles projectos de esquerda moderada não conseguem romper o status quo do Partido Democrata, a esquerda revolucionária não consegue resolver a crise em que está mergulhada há décadas.

 

Por um partido dos trabalhadores norte-americanos

Então, enquanto assistimos ao enfiar da direcção de esquerda no jugo parlamentar e governamental de Biden, Trump aproveita o que resta nos seus dias de Casa Branca para dar o toque arrebate às suas massas. Trump quer sair com as suas tropas mobilizadas para os próximos 4 anos, nem que para isso se invente a narrativa de umas eleições perdidas por fraude, pois foram as falsas narrativas que mantiveram a possibilidade de disputar a presidência até ao último momento. E serão as falsas narrativas que o mobilizarão como única oposição se as esquerdas não lograrem e não se entusiasmarem pelo agrupamento de um grande partido de esquerda independente dos Democratas e dos Republicanos, que tenha como leitmotiv inicial um Green New Deal (programa verde de desenvolvimento), verdadeiramente ecológico, e um Medicare For All (serviço de saúde público), verdadeiramente universal.

Para que tal aconteça, nada melhor que começar a questionar o sistema capitalista em que vivemos.

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