Portland, no estado de Oregon, EUA, manteve ininterruptamente as mobilizações despoletadas pelo assassinato de George Floyd, ao longo dos últimos 2 meses, voltando a fortalecer-se nas últimas semanas.
Depois de a contestação ter esmorecido, a nível nacional, no início de Julho, Portland tornou-se o epicentro das mobilizações e pode estar a contribuir para um novo alento do movimento noutras cidades e estados. Nas últimas noites, o número de manifestantes, em Portland, voltou a atingir os milhares e cidades como Seattle, Oakland e Los Angeles1 voltaram a registar novas mobilizações.
Não deixa de ser curioso que tenha sido Portland a tonar-se o epicentro da contestação que atravessa os EUA. Entre as 35 grandes cidades dos EUA com população superior a 500 mil habitantes, Portland regista a menor proporção de população negra. O estado de Oregon foi fundado sob os princípios da supremacia e da exclusividade branca. No séc. XIX, as elites deste estado legislaram no sentido de institucionalizar o chicoteamento de negros. Tem o legado de algumas das mais brutais leis segregacionistas dos EUA. No início do séc. XX, o Governo do estado de Oregon era dominado por membros do Ku Klux Klan2. Como resultado histórico, “hoje, o rendimento médio de uma família negra, em Portland, é aproximadamente metade de uma família branca, e a violência policial com armas de fogo sobre residentes negros é desproporcional aos 6% que representam na população”3. A mobilização e solidariedade do povo de Portland, independentemente da sua etnia, são duas lições valiosas, com validade em qualquer parte do globo.
Trump faz uso da força e do terror
Trump vive enormes dificuldades políticas. Este é o resultado da negação da crise pandémica e da consequente crise económica que lançou, repentinamente, mais de 40 milhões de trabalhadores para o desemprego. O PIB dos EUA quebrou 9,5%, no 2º trimestre, face ao trimestre anterior. Os elementos de crise social, política e económica que se desenvolvem, combinados com o assassinato de George Floyd pela polícia, no passado 25 de Maio, evidenciaram a opressão e desigualdade em que os EUA vivem mergulhados, despoletando as maiores e mais prolongadas mobilizações da História dos EUA.
Perante tamanho movimento social e sem o apoio das cúpulas para mobilizar a guarda nacional e esmagar as mobilizações, Trump foi obrigado a recuar. Fez algumas concessões, muito limitadas, onde se incluiu uma readequação da força utilizada pela polícia e uma reorganização dos recursos que lhe são disponibilizados. No entanto, estas promessas, além de parcas, serviram sobretudo para ludibriar e desmobilizar o poderoso movimento nas ruas.
Portland parece ter sido das cidades em que o movimento mais lentamente se foi desmobilizando, isolando-a e o Governo Trump, cobardemente, depois da tentativa gorada de mobilizar a guarda nacional, viu naquela cidade uma boa oportunidade para esmagar o movimento através do terror e da força das forças federais. Enterrou a constituição e mobilizou as polícias federais, que costumam fazer o trabalho sujo de Trump no controlo de imigração (Immigration and Customs Enforcement, U.S. Customs and Border Protection e ainda a força de elite Border Patrol Tactical Unit4. Mesmo sem qualquer experiência de manifestações, mesmo sem que os estados o tenham solicitado (condição constitucionalmente exigida), aquelas forças federais foram mobilizadas para triturar os direitos democráticos de quem se atreve a mobilizar contra Trump. Os vídeos mostram: violência policial desmedida, executada por aqueles agentes federais anónimos, tendo chegado ao cúmulo de raptar indiscriminadamente manifestantes nas ruas de Portland, em carros descaracterizados, sem qualquer acusação. É uma desesperada e cobarde manobra de terror militar de Trump sobre as mobilizações. A própria polícia de Portland recusou-se a pactuar com tal operação.
Objectivo: desviar as atenções dos verdadeiros problemas
Nos cálculos do Governo Trump, este teria sido o facto político que iria permitir resolver todos os seus problemas: (i) cravar um golpe mortífero no movimento social como forma de precaver ondas futuras; (ii) enfatizar os esporádicos incidentes mais violentos, provocando e criminalizando os manifestantes, para demonstrar que os estados e cidades governadas pelos democratas estão entregues a um suposto “caos”, “crime” e “violência” de uma suposta “esquerda radical” e dos movimentos antifa; e (iii) demonstrar que a força e o terror, aplicada por Trump, mesmo contra a constituição e os direito democráticos, são não só justificadas como são a opção política viável, reforçando a aura de presidente da “lei e da ordem”.
No processo, a desastrosa gestão da crise pandémica e a crise económica passariam para segundo plano, permitindo que o Governo Trump assumisse a dianteira da narrativa dos acontecimentos, encobrindo os verdadeiros problemas que afectam o povo dos EUA.
As mobilizações fortalecem-se e Trump recua
Trump aposta na força e no terror para obter a desejada polarização social e mobilização das suas bases, como forma de quebrar a espinha e desfazer a solidariedade do povo de Portland. Obteve o resultado oposto: não só reforçou as mobilizações em Portland como estas começaram a fazer-se sentir em cidades como Seattle, Oakland e Los Angeles. Não aprendeu com o episódio de Lafayette, no início das mobilizações, quando ordenou uma chuva de balas de borracha e gás lacrimogénio sobre os manifestantes para desimpedir as portas da Casa Branca à passagem de mais uma das suas manobras políticas burlescas, cujo resultado foi o agigantar das mobilizações.
Um desastre político total para Trump que já o está a fazer recuar novamente. No dia 29 de Julho, perante as crescentes mobilizações, as forças federais enviadas por Trump começaram a ser retiradas de Portland e Seattle5.
Fora Trump!
A 100 dias das eleições, as sondagens mostram um importante desgaste do Governo Trump, levantando sérias dúvidas sobre a sua reeleição. Não conseguindo esmagar as mobilizações através da força e do terror, Trump recorre às manobras de secretaria e vai tentando descredibilizar o acto eleitoral que se avizinha, chegando mesmo a afirmar que não sabe se irá acatar o seu resultado.
O desespero é tal que o Governo Trump revela agora intenções de adiar as eleições, mais uma impossibilidade constitucional. Aquele que tem negado a insegurança da pandemia, dá-lhe agora uso para atingir os seus próprios fins. Daqui até às eleições, Trump fará uso de todo o tipo de manobras para se manter no poder.
Esta é política das elites de extrema-direita que têm surgido nos últimos anos. Trump nos EUA, Bolsonaro no Brasil e Ventura aqui em Portugal. Dizem-se anti-sistema, mas apenas querem conquistar, por qualquer meio, o monopólio do sistema. Fora Trump! Fora Bolsonaro! Basta de Ventura!
É preciso uma alternativa revolucionária à esquerda! Junta-te a nós!
1 https://www.theatlantic.com/ideas/archive/2020/07/trump-getting-what-he-wants-portland/614635/?utm_content=Raiva%20contra%20a%20máquina&utm_medium=newsletter&utm_campaign=e6dc061e42&utm_source=expresso-expressomatinal
3 idem
4 https://www.cbsnews.com/news/portland-protests-federal-agents-clashes-explainer/?utm_content=Raiva%20contra%20a%20máquina&utm_medium=newsletter&utm_campaign=e6dc061e42&utm_source=expresso-expressomatinal