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“Portugal não é um país racista”: negar o evidente para justificar o impossível

Pertencem às classes mais empobrecidas da sociedade. Ocupam os empregos mais mal remunerados e menos qualificados. Estamos a falar de trabalhos na construção civil, limpezas, restauração, logística ou comércio.

As suas condições de habitação estão entre as mais precárias, localizadas nos bairros mais periféricos dos meios urbanos.

Os transportes públicos são caros para os seus salários e não satisfazem as suas necessidades básicas. A sua alimentação é, em geral, mais débil. Trabalhos duros, horários extensos, salários baixos e alimentação deficiente só pode prognosticar maiores problemas de saúde. Estão entre muitas das crianças e jovens que chegam à escola sem ter tomado a primeira refeição do dia. O seu aproveitamento escolar está subordinado à sua condição social e a pobreza extrema empurra muitos para o abandono escolar. São uma excepção no ensino superior. São uma excepção nos cargos políticos. São uma excepção nos empregos públicos. São uma raridade nos sindicatos, partidos políticos e suas direcções. A brutalidade policial atingi-os particularmente e a Justiça, que se quer cega, tem tendência a favorecer o agressor. Apesar de a esmagadora maioria ser mal paga por um trabalho útil e necessário, são, não raras vezes, vistos como bandidos ou sub-humanos pela generalidade da população.

Para o demonstrar, o deputado de extrema-direita, André Ventura, recentemente, teve o deplorável despudor de endereçar uma espécie de “vai para a tua terra” à deputada Joacine K. Moreira, como forma de normalizar e capitalizar o racismo que grassa na nossa sociedade. Negros, ciganos ou muçulmanos têm uma influente, mas silenciada presença social, cultural e económica em Portugal. O direito à nacionalidade e, portanto, o pleno direito a uma vida digna ainda não é uma realidade para estas pessoas. Infelizmente, ainda vivemos num tempo em que nem todos os que nasceram e vivem em Portugal são portugueses.

Estes são apenas alguns traços do racismo em Portugal: desigualdade, descriminação, estigmatização, segmentação, marginalização e pobreza de parte das classes mais desfavorecidas. Enquanto o Estado português não publicar dados fidedignos sobre as condições sociais de negros e negras, ciganos, muçulmanos e imigrantes no país, não conseguiremos ter uma ideia mais concreta da realidade em que muitas pessoas vivem em Portugal. A desigualdade e a opressão fica, assim, encoberta.

Se não é de surpreender que Rui Rio, líder do PSD e representante político das decadentes elites dominantes portuguesas, continue infantilmente a reproduzir a ideia de que Portugal não é um país racista, o mesmo é insuportável vindo da direcção do PCP e de Jerónimo de Sousa, partido que diz defender todos os explorados e oprimidos.

O PCP, na voz do seu secretário-geral, Jerónimo de Sousa, em entrevista à TSF, no passado dia 16 de Junho1, não nega que “exista aqui ou acolá preconceito e que manifestações de racismo não existam. Mas transformar isto na grande questão nacional, transformar isto com uma verdade imensa, nós discordamos”.

A direcção do PCP parece estar convicta de que negando ou ignorando a realidade ela provavelmente dissolver-se-á, sem criar “ondas” que possam porventura deixar a descoberto a decadência em que o PCP se encontra mergulhado. É a cegueira do dogma e o absurdo do conservadorismo, totalmente anti-histórico, que apenas pode ter como finalidade a desvalorização de toda e qualquer contestação que passe por fora do seu aparelho. É negar que a História está por escrever e que assumirá, inevitavelmente, os seus próprios caminhos, pelo que a luta contra o racismo pode muito bem ser o início de um largo movimento dos explorados e oprimidos pela alteração diametral do sistema capitalista. É negar que, inevitavelmente, os movimentos contra a opressão racista acabarão por se interligar com o movimento geral da classe trabalhadora uma vez que a opressão das elites cria um interesse comum entre todos os explorados e oprimidos. É negar a própria História da Revolução Russa de 1917 que teve como um dos principais acontecimentos iniciais as mobilizações de trabalhadoras russas, um dos sectores mais oprimidos da classe trabalhadora, até aos dias de hoje: as importantes mobilizações do início do ano de 1917, entre elas a importante manifestação de 8 de Março (calendário gregoriano), das trabalhadoras russas, por melhores condições de vida e trabalho que acabaram por dar inicio à revolução que abalou o mundo. É, em última instância, contribuir para reforçar e contaminar a sociedade com as falsas ideias de nacionalismo agressivo e retrógrado das elites dominantes.

O Racismo é um sistema histórico alicerçado no colonialismo. É um conjunto de falsas ideias que foi articulado e teorizado ao longo dos séculos XIX e XX, sob o patrocínio das classes dominantes. É, portanto, uma estrutura política e ideológica de opressão – que provoca desigualdades socioeconómicas e simbólicas baseadas em diferenças étnico-raciais – criada para defender o poder das classes dominantes. Ricardo Quaresma foi lúcido na escolha das suas palavras, quando denunciou a estratégia política racista de André Ventura: “o populismo racista do André Ventura apenas serve para virar homens contra homens em nome de uma ambição pelo poder que a História já provou ser um caminho de perdição para a humanidade”.

O Racismo é uma realidade global com alicerces comuns e exprime-se de diversas formas pelo mundo. O Racismo é mais que preconceito, é ter o poder de utilizar esse preconceito para oprimir, dividir e, finalmente, melhor explorar a força de trabalho no seu conjunto, independentemente das suas características étnico-raciais. O Racismo expressa-se, não apenas através de acções individuais, mas sobretudo através das instituições sociais, públicas e privadas, influenciadas e/ou dirigidas pelas classes dominantes, reproduzindo-o. É por isso que, como referiu Malcom X, não se pode ter capitalismo sem Racismo.

Pela descrição que fizemos inicialmente e considerando que Portugal foi um dos grandes percursores da Escravatura moderna, que durante mais de quatro séculos arrancou milhões e milhões de negros de África, não seremos, com certeza, uma ilha imune ao racismo. Afirmar o seu contrário é como afirmar que Portugal não vive sob uma “economia de mercado”, leia-se, capitalismo. Um completo absurdo!

A manifestação portuguesa contra o racismo, de dia 6 de Junho, foi de extrema importância. Não apenas pela sua histórica dimensão, mas sobretudo por se juntar a um movimento de solidariedade global em torno do combate ao racismo e à exploração desmesurada que nos afecta a todos, colocando as elites dominantes e os Governos ultrarreacionários de Trump e Bolsonaro à defensiva. Enquanto parte da classe trabalhadora viver sob a opressão do racismo ou qualquer outro tipo de opressão, por parte das classes dominantes, todos nós viveremos entorpecidos, desmoralizados e prostituídos pelos hábitos das elites de oprimir outros povos, debilitando-nos e dividindo-nos, facilitando a exploração de todos os trabalhadores, independentemente da nossa origem ou nacionalidade. É urgente dar continuidade e amplitude ao movimento social contra a opressão e exploração que se desenha a nível global, pela alteração do sistema capitalista e dos privilégios das suas elites.

 

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