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Porque é que André Ventura tem tanto medo da comunidade cigana?

É através do medo que André Ventura vai alimentando o seu rebanho de seguidistas amedrontados. Para Ventura, todo e qualquer problema do país se parece resolver com a perseguição de ciganos. Chegámos ao cúmulo em que, para o Ventura, até a pandemia de COVID-19 se resolverá com um “confinamento especial” de ciganos. Tudo serve para desviar as atenções dos problemas essenciais do país, difundir o medo e dividir para reinar.

Ricardo Quaresma foi certeiro nas suas palavras: “O populismo racista de André Ventura apenas serve para virar homens contra homens em nome de uma ambição pelo poder que a História já provou ser um caminho de perdição para a humanidade”.

Como a desinformação de Ventura é amiga do medo, antes que o medo se transforme em pânico, mais vale, conhecermos um pouco melhor a população cigana que Ventura tanto receia.

Dos poucos dados e alguma caracterização histórica existente sobre a comunidade cigana, em Portugal, sobressai uma dura realidade de pobreza, perseguição e humilhação.

Os ciganos estão em Portugal há pelo menos 500 anos e “a adoção de mecanismos legais de diferenciação social durante séculos, não somente em Portugal, mas largamente no continente Europeu, reiterou um histórico de desagregação e marginalização dessas comunidades”1.

A existência de grupos étnicos que não encaixavam naquilo que o Estado foi considerando, ao longo dos séculos, como pertencentes à personalidade colectiva, foram condenados “a perseguições e privações de direitos, podendo chegar ao extermínio”2. Por exemplo, em Portugal, os ciganos carregam uma história de deportação, perseguição, encarceramento, punições públicas e condenação à morte em vários momentos históricos, proibição de falar a sua língua, de usar as suas vestes, chegando mesmo a serem-lhes retirados os seus filhos3. Esta é uma parte considerável da história das populações ciganas.

Um período exemplificativo disto mesmo deu-se no séc. XX. Parte da política do Nazismo consistia em subclassificar segmentos étnicos, nomeadamente, os ciganos, proceder à eliminação dos seus direitos e ao seu envio para campos de concentração e de extermínio.

A população cigana, em Portugal, nos dias de hoje

Segundo o Estudo Nacional das Comunidades Ciganas, de 2013, estima-se que em Portugal existam entre 40.000 e 60.000 cidadãos ciganos, ou seja, cerca de 0,4% da população portuguesa. As populações ciganas estão presentes em cerca de ¼ das freguesias do país e 48% da população cigana tem menos de 18 anos.

A pobreza extrema é um traço caracterizador da maioria das famílias ciganas, sobretudo entre os ciganos portugueses, que são dos mais pobres da Europa4, 60% estão inscritos nos centros de emprego e cerca de 33,5% recebe o Rendimento Social de Inserção (RSI). Serão entre 13.000 a 20.000 pessoas a receber uma ajuda social cujo valor máximo é de €189,66 por individuo, o que não chega a representar €4 milhões do orçamento mensal da Segurança Social.

Manuela Mendes, coordenadora daquele estudo publicado pela ACM, salienta que “é falsa a ideia de que os ciganos sobrevivem à conta de prestações sociais, defendendo que ‘uma percentagem grande trabalha’, só que muitas vezes não se trata de trabalho no mercado formal, com um contrato ou um salário”5, fazendo da venda ambulante a sua principal actividade económica. Em termos de alimentação, 48% da população cigana admite já ter passado fome.

No que diz respeito à escolaridade, 52% não completaram ou não frequentaram o 1º ciclo do ensino básico e apenas 0,1% terminaram a licenciatura6. Ou seja, os percursos escolares são geralmente muito curtos, principalmente no caso das mulheres ciganas. A baixa escolaridade é também um factor, muitas vezes, consequência da pobreza.

Graves problemas de pobreza conjugados com baixa escolaridade são parte fundamental de um muro quase intransponível quanto à inserção no mercado de trabalho e à saída da situação de pobreza. Mas não são os únicos fatores, “os ciganos estão numa posição de desvantagem no emprego não só devido à falta de credenciais escolares e profissionais, mas também devido à discriminação”7. Quanto à habitação, “a maior parte vive em moradias ou apartamentos de arrendamento social”8.

Discriminação e pobreza são o ciclo vicioso em que a população cigana vive mergulhada

A questão está em como romper este ciclo vicioso em que discriminação e pobreza se misturam e se vão auto-alimentando. É preciso desmistificar, combater preconceitos e integrar, tudo isto através da mobilização solidária de todos nós, em conjunto com a população cigana.

Como se pode ver, André Ventura não se apoia em qualquer tipo de facto da realidade. Não existe qualquer tolerância para com as populações ciganas, há séculos; o conhecimento que se tem das próprias populações ciganas é quase inexistente e, em grande medida, completamente deturpado pelo preconceito e racismo; embora 33,5% receba o RSI, os ciganos não vivem exclusivamente de subsídios e, pela pobreza extrema em que a grande maioria está mergulhada está bom de ver que os “privilégios” são algo que não assiste para esta população.

Como não existe qualquer relação entre o discurso de André Ventura e a realidade, este tem a necessidade de se empoleirar nos problemas de criminalidade de alguns indivíduos, generalizando-os a toda a população para fazer soar os alarmes do medo face a uma suposta ameaça à segurança nacional.

Não só não existe qualquer ameaça à segurança nacional por parte das populações ciganas, como, de acordo com os relatórios anuais de segurança interna, dos últimos anos, tanto a criminalidade geral como a criminalidade violenta e grave no país têm vindo a diminuir.

O que dirá o Ventura se soubesse que, em termos gerais, o número de presos portugueses, no estrangeiro, acompanha o nosso fluxo de emigração? No Luxemburgo, por exemplo, os portugueses representam uma das maiores percentagens de presos estrangeiros. Também defenderá o “confinamento especial” de portugueses, no Luxemburgo? É repugnante, tem de ser combatido e tem de ser punido, ainda para mais vindo de um deputado.

Combater e punir o criminoso Ventura

Ventura é também o resultado de uma demissão da oposição por parte da esquerda parlamentar, que tem optado pela conciliação permanente com o Governo PS e as políticas de Bruxelas.

Desta forma, Ventura vai-se colocando como a oposição ao Governo PS, destilando o veneno do medo racista sem qualquer consequência. Nuns dias persegue ciganos, noutros dias exige a deportação de deputadas negras. É crime e é inadmissível!

É preciso punir as afirmações racistas e o projecto fascizante de André Ventura e do Chega.

As sucessivas propostas racistas de Ventura são crime e têm de ser condenadas.

O programa, a direcção e os elementos que compõem o Chega são publicamente reconhecidos pela sua índole racista e fascista.

Urge a abertura de um processo judicial contra André Ventura e o Chega por participação em organização de ideologia fascista ou racista, com o objectivo de o expulsar do Parlamento, com base no próprio estatuto dos deputados.

O Ministério Público, enquanto “instituição que tem por finalidade garantir o direito à igualdade e a igualdade perante o Direito, bem como o rigoroso cumprimento das leis à luz dos princípios democráticos”, tem a obrigação de tomar as medidas legais enunciadas. Não o fazer, apenas resulta na sua conivência com aquele tipo de ideologias.

As leis existem. A Justiça tem de fazer o que lhe compete: aplicar as leis.


2 idem

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