A extrema-direita tem vindo a crescer nos últimos anos, tanto na Europa como no resto do mundo. Em Portugal, pensávamos ser imunes a este fenómeno e várias foram as vozes que se levantaram contra o movimento antifascista, acusando-o de dramatizar e andar à caça aos gambuzinos.
Mas, tal como era de prever, Portugal também foi apanhado nesta onda de crescimento do populismo, chegando a eleger um candidato da extrema-direita, cujo o nome me recuso a citar neste artigo.
O erro, já comum por parte das organizações institucionais, foi o de se apoiarem na análise apenas dos partidos legalizados, para avaliarem o peso destas forças populistas e o seu desenvolvimento. De facto, Portugal parecia imune, tendo apenas em representação o PNR, que nunca chegou a alcançar resultados notáveis. Mas há já alguns anos que os grupos organizados de extrema-direita estavam em crescimento, aumentando as suas fileiras e as ações realizadas tanto nas redes sociais como na rua. O reforço da atividade e presença de grupos como a Nova Ordem Social, a Hammerskin, Blood and Honour ou ainda o recente Escudo Identitário foram sinais que o movimento antifascista soube interpretar e que o levaram a lançar vários alertas sobre a eleição próxima de um candidato de extrema-direita e o crescimento de discursos ligados a esta ideologia.
Há uns meses atrás, foi escrito um artigo por membros da Frente Unitária Antifascista que permitia fazer uma classificação da extrema-direita atualmente ativa em Portugal, segundo dois grupos: o grupo “institucional”, representado pelo PNR ou ainda o Chega, e os grupos de “rua”, representados pela Nova Ordem Social ou ainda o Escudo Identitário. Esta classificação permite perceber a dinâmica existente entre estes dois grupos, que se complementam, ainda que cada um tenha uma forma, métodos e estratégias diferentes.
A questão hoje é percebermos como podemos combater essa extrema-direita. Ficou claro que a estratégia que se baseia em ignorá-los, na esperança de que estes venham a desaparecer, foi um falhanço total. E para quem ainda tivesse dúvidas, basta observar a multiplicação das organizações de extrema-direita ativas em Portugal, bem como a eleição do André Ventura e o crescimento do partido Chega, para que essas mesmas dúvidas se dissipem. Mas este não foi o único erro que cometemos nesta luta. De facto, vários fatores podem explicar este falhanço e, na minha opinião, existem 6 eixos principais que devem ser revistos, de forma a poder voltar à luta com mais eficiência e obter resultados concretos.
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Necessidade da unidade de ação da esquerda na luta
Em Portugal, a criação da Frente Unitária Antifascista (FUA) permitiu juntar vários coletivos antifascistas, mas também sindicatos, partidos e outros movimentos sociais. Este modelo, apesar de imperfeito, foi um passo importante, dado no sentido de unir esforços numa luta em que todos temos o mesmo inimigo e os ajustes, que vão sendo feitos com o tempo, dão a esperança de que esta organização possa ser uma solução para obtermos resultados concretos e podermos esmagar o nosso inimigo. De facto, ainda que esta organização tenha conseguido resultados, é notório que ainda não foi o suficiente para travar as forças da extrema-direita e conseguir neutralizá-las definitivamente. Mas foi essencial para se perceber que, isolados, nenhum dos intervenientes que hoje compõem a FUA teriam conseguido metade do que fizeram até hoje. Não haja dúvida de que, para existir uma vitória, será necessário que todos os intervenientes nesta luta tenham a capacidade de se sentarem à mesa e decidirem levá-la em conjunto, deixando de lados as suas divergências para se poderem focar no que os une.
Mas esta união também não deve existir a qualquer preço e com qualquer organização que pretenda envolver-se na luta antifascista. De facto, a FUA também é uma experiência através da qual nos foi mostrado até que ponto algumas organizações, em princípio encaradas como “aliadas”, podem, afinal, revelar serem elementos destruidores, por terem como prioridade os seus próprios interesses ou a implementação da sua própria visão no seio do movimento antifascista, e não a destruição do nosso inimigo em comum. Este foi o caso de alguns partidos que decidiram, desde o início da criação da FUA, de tudo tentarem para destruir esta organização, por não conseguirem controlá-la e usá-la como correia de transmissão, nem mesmo com a intervenção interna de coletivos que lhes eram submetidos. Com muito orgulho, posso dizer que a FUA sempre foi e sempre será independente de qualquer direção partidária, tendo como prioridade a sintetização das várias opiniões existentes nas diferentes organizações que a compõem, o que leva a encontrar linhas em comum que são seguidas pelo conjunto dos membros da FUA. É por esta razão que apelo mais uma vez a que todos e todas as pessoas e organizações que de facto acreditam na luta antifascista se juntem a nós ou até criem outra estrutura, tanto faz, desde que exista colaboração entre as diferentes forças, mas sempre com o cuidado de perceber o que cada interveniente verdadeiramente espera destas uniões e desta luta e compreendendo que na luta antifascista deve existir sim colaboração e não lideranças.
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Consciencialização e reinformação do povo
Um dos focos da propaganda da extrema-direita em Portugal passa pela criação de fake-news, a interpretação conveniente de alguns acontecimentos ou ainda a generalização de alguns comportamentos que tentam usar para justificar o seu ódio. O pior inimigo desta estratégia é a informação. Como se costuma dizer, “contra factos, não há argumentos”. Mas não é suficiente intervir apenas nas redes sociais e contra-argumentar quando aparecem este tipo de publicações. De facto, muitos daqueles que as publicam, são fakes (contas falsas geridas pela mesma pessoa) ou chegam a ser pessoas financiadas para publicarem estes conteúdos.
A intervenção neste sentido deve ser feita sobretudo criando conteúdos com informações verídicas, explicadas de forma simples, tendo como objetivo contrapor às mentiras da extrema-direita, a verdade dos factos. Importante, também, é criar conteúdo que explique de facto o que é a extrema-direita, o que defendem realmente, quais as consequências do aumento das forças que a compõem, etc…
Um trabalho que, infelizmente, pouco é feito e, em parte, pela escolha feita de ignorar a extrema-direita na crença de que esta tática possa vir a fazê-los desaparecer. Ora, como já disse, hoje está mais do que claro que foi um erro e que o conjunto dos elementos que queiram lutar contra a extrema-direita devem desde já mudar de tática.
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Reforço os meios legais
Atualmente, tanto as forças de segurança, como o próprio governo, minimizam o risco destes grupos e partidos de extrema-direita. Como se viu, apenas atuam quando algo muito grave acontece ou caso o povo se revolte. Existem vários casos graves que foram comunicados às autoridades nos últimos anos e, ainda hoje, estão parados. Eu próprio já fui vítima de uma tentativa de homicídio e de vários ataques, casos que até à data não foram tratados. Este é apenas um exemplo pessoal mas sei de muitos outros exemplos de queixas que foram apresentadas e em que os agentes que as recolheram chegaram a rir-se em frente da vítima, alegando de que não passariam de simples palavras ou de apenas uma bofetada e, até, em certos casos, culpando a própria vítima por ela ser antifascista ou por ser de esquerda e, por isso, supostamente ter provocado este tipo de comportamento.
A total impunidade com a qual os grupos de extrema-direita andam hoje em Portugal é reveladora de uma falta de vontade política de lutar efetivamente contra este problema. Algo que, do meu ponto de vista, também se explica pelo facto de serem conscientes de que a extrema-direita está fortemente infiltrada nas forças de segurança e que tentar agir contra ela irá passar por fazer uma limpeza nas forças de segurança. A petição que a FUA apresentou em dezembro de 2019, no seguimento da manifestação organizada no dia 10 de Agosto, foi outro exemplo desta falta de vontade. Sem que nada o possa justificar, foram precisos quase três meses para a nossa petição ser submetida a comissão responsável, e isso apenas porque foram organizadas várias formas de pressão para exigir que esta petição fosse tratada como previsto.
Isto é inadmissível e, se queremos realmente lutar contra a ascensão da extrema-direita, temos que tirar-lhes esta sensação de impunidade, agravando as penas legais e fazendo respeitar a nossa Constituição, que proíbe organizações fascistas ou manifestações fascistas.
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Reforço da ação política dos partidos de esquerda nos espaços usados pela extrema-direita
Notamos que a extrema-direita cresceu e se fortaleceu bastante graças a espaços que a esquerda deixou livre: nas lutas contra a corrupção, por melhores condições de trabalho nos setores precários, ajuda aos mais desfavorecidos, problemas da habitação, etc… Estes são apenas alguns dos espaços, tradicionalmente de esquerda, de que a extrema-direita se aproveita para marcar presença e ganhar novos adeptos.
Viu-se, com a multiplicação das ações de solidariedade da parte destas organizações e também com várias manifestações e ações em volta do direita a habitação, que eles não se poupam a esforços para se tentarem apropriar destes espaços e se mostrarem como única solução a estas problemáticas.
Temos urgentemente de pressionar a nossa esquerda e, em particular, a parlamentar, para que estes espaços voltem a ser recuperados com ações concretas, de forma a reconciliar a base do povo com os nossos valores e cortar estes espaços à extrema-direita.
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Combate ao individualismo que aparece em reação a crises económicas
Um dos reflexos que o ser humano tem em situação de crise e contra o qual temos que lutar, explicando que é uma falsa solução, é optar pelo individualismo. Ou seja, face às dificuldades, as pessoas têm tendência a isolarem-se e tentarem proteger o que lhes sobra, em vez de se unirem com outras pessoas, não só para proteger o que estas pessoas todas têm em comum, como também para ganhar novos direitos.
Este reflexo é contra-produtivo e não faltam exemplos que demonstram como a união é a única via que realmente traz resultados e conquistas na luta. Não só o individualismo limita a força de cada pessoa que luta individualmente, como também tem tendência a abrir a porta a populismos, dos quais a extrema-direita se aproveita.
Merece ser pensado o interesse que a extrema-direita tem em alimentar estas divisões entre povos. Será apenas por saberem que o ser humano mais facilmente se une para bater nos mais fracos, sem pensar que esses mais fracos são como eles vítimas de um sistema, ou será por interesse das elites burguesas que usam esta extrema-direita e que, alimentando estas guerras entre pobres, se asseguram de não ter uma frente unida dos povos a lutarem contra os interesses deles?
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Não poupar nas críticas às políticas da direita e da extrema-direita mas, também, às políticas reformistas de uma parte da esquerda parlamentar.
Nos últimos anos, fomos forçados a constatar que a atual esquerda parlamentar, na sua maioria, abandonou de facto uma boa parte da classe trabalhadora. Foram vários os exemplos, seja de requisições civis contra os direitos dos trabalhadores onde esta esquerda não fez oposição, seja nos orçamentos de Estado vergonhosos que foram aprovados por esta mesma esquerda ou, mais recentemente, no Estado de Emergência que foi aprovado com os votos a favor e abstenção (equivalente a um voto a favor nestas circunstâncias) desses mesmos partidos.
Como já expliquei antes, a unidade de ação das esquerdas é obrigatória nesta luta e não passa só por fazer lindos discursos, mas sim pela luta por medidas concretas, seja no Parlamento ou na rua! Medidas a favor dos trabalhadores, medidas que protegem a nossa classe e permitem novas conquistas, medidas que se opõem ao regresso do fascismo e das suas organizações. Medidas essas que não têm vindo a ser propostas pelos partidos em causa e que me levam a não reconhecê-los como partidos de defesa dos trabalhadores.
O facto de tentarmos calar as críticas, sob pretexto de serem de esquerda, em nada ajuda esta luta. De facto, o fascismo alimenta-se em parte das falhas que surgem na esquerda. Recusarmo-nos a analisar estas falhas leva a que não seja feita uma autocrítica das políticas apresentadas pela nossa esquerda parlamentar, a qual, queiramos ou não, é aos olhos do povo a referência da esquerda portuguesa. Todos nós, quando calamos uma crítica, estamos a permitir que a extrema-direita a use para enfraquecer a esquerda e assim crescer. Pelo contrário, criticar estas falhas de forma a levar estes partidos a alterarem a sua política seria ajudar o conjunto da esquerda a ganhar a confiança do povo, mostrando-lhes os nossos verdadeiros ideais e cortando o espaço de que a extrema-direita se aproveita para crescer.
Hoje, mais do que nunca, chegou a hora de aceitarmos todos fazer uma autocrítica do que foi a luta antifascista nos últimos dez anos, dos erros que cometemos enquanto organizações mas, também, a nível individual, e sentarmos-nos à mesa para, juntos, podermos levar avante esta luta contra um inimigo cada vez mais perigoso e que já nos mostrou do que era capaz no passado.
Jonathan da Costa