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IVA da energia não desce: lá no alto, o teatro parlamentar joga com a vida dos que vivem cá em baixo

Portugal é dos países da UE onde a componente de impostos e taxas sobre a energia é das mais elevadas, contribuindo para pagarmos a energia mais cara da Europa1.

Para as famílias, a descida do IVA na energia de 23% para 6% representava cerca de €8/mês, numa factura média de €45/mês. Ao fim de um ano, a poupança seria, em média, cerca de €100. É uma migalha na vida das pessoas, mas o PS não cedeu um milímetro, pois poria em causa o dinheiro público que pretende injectar no privatizado Novo Banco.

No entanto, para os milhares de trabalhadores portugueses que recebem o salário mínimo (20% da força de trabalho) ou para todos aqueles que são precários (25% da força de trabalho), qualquer migalha pode ser uma ajuda.

É com esta necessidade de tantos milhares de portugueses que os partidos parlamentares decidiram brincar. Escudaram-se no acessório, cada um à sua maneira, e esconderam o essencial: a energia, como bem essencial, deve ser tributada à taxa de IVA mais baixa, o que aliás acontecia antes da Troika aterrar em Portugal, em 2011.

Como referimos, o PS precisa deste dinheiro público para injectar no privatizado Novo Banco e garantir o brilharete do orçamento excedentário junto dos donos e senhores da UE. O PSD, diligente, não querendo perder a oportunidade de se fazer notar com uma medida popular, mas não ameaçando o excedente do PS, propôs que a descida do IVA, para 6%, fosse compensada por outros cortes na despesa ou através do aumento de outros impostos – se baixássemos o IVA mas subíssemos outro imposto ou cortássemos mais nos serviços públicos, o povo português ficaria na mesma ou pior. O PCP, contrariamente, propôs uma irredutível descida do IVA, para 6%, sem contrapartidas. O BE, a meio destas duas propostas, querendo dar evidencia ao seu lado mais sensato, propôs uma descida do IVA para 13%, com a contrapartida de subida do IVA dos hotéis.

Os maiores partidos da oposição quiseram fazer a sua melhor pose para os seus respetivos eleitorados, sem qualquer interesse que o IVA da energia, efectivamente, sofresse uma descida. Se, do PSD e da restante direita e extrema-direita, esta postura oportunista, não nos espanta, há que cobrar responsabilidades a BE e PCP. Então as direcções de BE e PCP conseguiram sustentar um Governo PS durante 4 anos, conseguem agora fazer aprovar o quinto Orçamento do Estado do PS, confluindo numa postura abstencionista, mas não conseguem chegar a um acordo, entre si, sobre uma tão importante descida do IVA da energia?

Há razões de sobra para que BE e PCP tivessem chegado a uma proposta comum, assim como deviam ter juntado esforços com o PAN e a deputada Joacine para fazer uma proposta justa, para os trabalhadores portugueses, e ambientalmente sustentável. Algo como: diminuição do IVA da energia para os 6% e aumento dos impostos sobre o rendimento das indústrias energéticas dependentes dos combustíveis fósseis, tabelando os preços da energia a preços aceitáveis para os portugueses. A EDP, por exemplo, registou lucros de €520 milhões, em 2018, e de €1.100 milhões, em 2017. Ao mesmo tempo é das empresas que mais tem usufruído de benefícios fiscais (cerca de €90 milhões2). Os seus gestores são pagos a peso de ouro. É impossível um acordo, à esquerda, daquele género? Não nos parece. Seria o acordo que todos os portugueses precisam e apoiariam, podendo fazer com que o PS recuasse.

Duas últimas notas: i) o PAN também não fica bem na fotografia. Mesmo não tendo voto decisivo na descida do IVA da energia, não abdicou de prestar o seu apoio ao Governo PS, mascarando-o de uma suposta preocupação ambiental. Se o PAN considera que o IVA é importante para o meio ambiente e se com o actual IVA da energia, a 23%, os problemas ambientais só têm piorado, de acordo com a lógica do próprio PAN, não deveria fazer sentido manter o IVA como está. Fica mais uma vez evidente que no choque entre as regras do mercado e o ambiente, o PAN não tem dúvidas em escolher as primeiras, como aliás referiu na sua própria campanha eleitoral; ii) quanto à deputada Joacine, votou contra a descida do IVA da energia, invocando a lógica de não baixar impostos para os pobres sob pena de também ter de baixar impostos para os ricos. É preciso ter em consideração que o IVA, sendo um imposto sobre o consumo, é especialmente penalizador para quem sustenta o consumo, ou seja, sobretudo, as famílias. Dentro das famílias, as mais penalizadas com o IVA elevado serão as mais pobres, pois o parco rendimento é todo destinado ao consumo. Mas a deputada Joacine vai mais longe e chega mesmo a assumir que votou contra a descida do IVA da energia para não colocar em causa a estabilidade governativa do PS. Esta é precisamente a postura da esquerda que, nos últimos 4 anos, tem tido dois resultados evidentes: 1) enfraquecimento da esquerda em benefício do PS; 2) abertura de uma espaço ao crescimento da extrema-direita.

É um erro que a esquerda tenha permitido, novamente, a aprovação de mais um Orçamento do Estado que dedica tanto dinheiro à banca e aos poderosos em detrimento dos nossos serviços públicos e condições de vida. Não cabe às forças políticas de esquerda, que devem defender os interesses de quem vive do seu trabalho, fazer fretes aos governos que defendem os interesses dos poderosos. Este tem sido precisamente o mal da esquerda, a nível mundial.

O combate ao crescimento da extrema-direita, em Portugal, passa por não colaborar com os governos dos donos e senhores da UE. A extrema-direita cresce, essencialmente, por não existir uma alternativa combativa à esquerda. A esquerda tradicional e até os seus novos representantes, com assento parlamentar, têm contribuído parlamentarmente (e não só) para uma situação insustentável de austeridade e corrupção entre as elites. Tudo em detrimento de salários dignos, mas com altos impostos e precariedade para as novas gerações.

 

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