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Contra o ataque racista a Joacine Moreira e tudo o que ele representa

A deputada Joacine Katar Moreira propôs, no Parlamento, que os artefactos africanos, presentes em museus portugueses, fossem devolvidos aos países dos quais foram subtraídos. Uma medida básica e do mínimo bom senso, que representa uma prática cada vez mais comum em museus de diversos países.

O deputado do Chega, André Ventura logo reagiu nas redes sociais, dizendo que Joacine Moreira é que deveria ser “devolvida” ao seu país. Trata-se de mais um evidente ataque racista da parte deste deputado que, constantemente, utiliza o ódio para ganhar protagonismo.

Estamos inabalavelmente ao lado de Joacine Moreira e de todos as mulheres e homens negros, ciganos, não-brancos, vítimas de racismo. Estamos contra este e todos os ataques racistas e machistas de que têm sido alvo. Trata-se de um precedente gravíssimo que não pode ter a complacência da Presidência do Parlamento nem das autoridades.

 

Ventura tem uma agenda!

Antes de mais, Joacine Moreira é cidadã portuguesa. Mesmo que não o fosse, não deixaria de se tratar de um insulto racista intolerável. Porém, é útil, hoje, entender porque é que André Ventura faz este género de ataques.

Evidentemente, sabe que isso lhe granjeia protagonismo mediático, basta ver o espaço totalmente desproporcional que os media dão ao boy ex-PSD. É igualmente certo que, apostando nestes ataques, Ventura, que se autodenomina o paladino antissistema, curiosamente não precisa falar da corrupção sistémica que assola os maiores grupos empresariais e financeiros portugueses, em conluio com a elite angolana. Ventura não precisa de falar dos salários, que ele quer que sejam baixos, nem das permanentes ajudas aos bancos, que ele quer que se mantenham, nem da Saúde e Educação públicas, que ele quer ver destruídas e privatizadas.

Ventura ajuda assim toda a direita, e até o Governo, a retirar da agenda política os temas que podem unir todos os trabalhadores contra as verdadeiras elites parasitas, o Governo e a direita – salários e direitos – para desviá-la para temas que, infelizmente, dividem trabalhadores.

Este ataque não se dá num momento qualquer. Ele dá-se na semana da brutalidade policial e da campanha mediática racista contra Cláudia Simões. Dá-se na semana em que a suposta jornalista-advogada fascista, Susana Garcia, fala na TVI, chamando a população trabalhadora negra de “porcos” e “gentinha”. Nada disto acontece por acaso. Ventura é apenas o porta-voz parlamentar que visa abrir espaço, entre as camadas descontentes e desorientadas da população portuguesa, para um projeto de retrocesso neo-fascista em Portugal. Ou seja, para a ascensão de um Trump ou Bolsonaro português. E, como acontece com estes sinistros personagens nos seus países, a sua agenda, para além de racismo, machismo e violência, traz no bojo mais privilégios para os ricos, mais exploração para os trabalhadores.

Esta onda crescente, concertada e consciente, não deve ser desprezada. Ela não se dá apenas no parlamento nem nos media – e mesmo que tivesse “apenas” esses palcos já seria muito grave. Ela legitíma a violência nas ruas contra a população negra, cigana e pobre. Essa violência é institucional e permanente. Mas também já tomou corpo sobre a forma de um movimento de carácter fascista, de natureza miliciana, infiltrado na polícia, no SEF e na justiça, que é o Movimento Zero e os seus tentáculos. Não por acaso Ventura foi o rosto político da manifestação do Movimento Zero em Novembro de 2019. Na verdade, esta manifestação foi um verdadeiro comício organizado para o boy ex-PSD, Ventura.

Portanto, estes e outros ataques racistas fazem parte de um dispositivo mais amplo e bem organizado – e financiado – que vai do Movimento Zero ao grupo mediático Cofina, passando por uma rede de sites de fake news e que tem em Ventura o porta voz. Visam despoletar um movimento neo-fascista em Portugal com peso social e eleitoral de massas, ao serviço de mais privatizações, baixos salários e destruição do nosso Estado Social. Não por acaso, a par desta onda de ódio também crescem as perseguições a sindicalistas e os ataques ao direito à greve. A PSP que brutaliza trabalhadoras negras é a mesma que rompe piquetes de greve. Os media que instam a população contra a juventude negra são os mesmos que mentem sobre a luta dos trabalhadores. Tal como o Governo e as autoridades fecham os olhos a tudo isto.

 

Unidade contra o racismo e o Neo-fascismo

Por isso, é necessário cerrar fileiras contra o racismo. Ele é o veneno segregado pela classe dominante para dividir trabalhadores e impor mais ataques aos direitos sociais. Por isso, é preciso cerrar fileiras em defesa de Joacine Moreira, independentemente dos acordos ou desacordos políticos com a deputada. A verdade é que Ventura apenas surfou uma onda de ódio racista e machista insuflada pelos media, que a esquerda parlamentar não combateu, pois viu desde o início Joacine Moreira como uma “concorrente”. A própria direcção do Livre e Rui Tavares não tiveram pejo em surfar essa onda, para tentar jogar a mão ao lugar da deputada. É cegueira da mais atroz não ver que a onda contra Joacine Moreira pode depois engolir toda a esquerda.

Por isso, o MAS está e esteve desde o primeiro momento do lado de Joacine Moreira, contra os ataques de que tem sido alvo. Apelamos a toda a esquerda, a todos os movimentos anti-racistas, anti-fascistas e organizações da classe trabalhadora a tomar essa posição. Pois, parafraseando Brecht: primeiro querem levar a Joacine Moreira, se não nos importarmos, um dia podem levar todos os direitos sociais que duramente conquistámos e aqueles/as que os defendem.

 

Manuel Afonso

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