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A explosão da luta de classes na América do Sul

“Não são os 30 pesos, são os 30 anos”
(frase símbolo da revolta social no Chile)

Há poucos meses, o panorama político na América do Sul era sinistro. Um líder neofascista acabara de ser eleito presidente no Brasil, a direita neoliberal governava o Chile, Argentina, Colômbia, Peru e Paraguai, o presidente eleito no Equador girava bruscamente à direita, os Estados Unidos patrocinavam um golpe violento na Venezuela, e muitos analistas previam a vitória eleitoral da direita no Uruguai e na Bolívia.

Assim, a região parecia caminhar irremediavelmente para as trevas do reacionarismo neoliberal. Mas não haviam combinado com as massas. O primeiro sinal veio da Argentina, onde a gigantesca mobilização de mulheres e a forte resistência dos trabalhadores nos últimos anos impediu ataques aos direitos sociais e colocou em crise o governo de direita. Como resultado, Macri deve sofrer uma derrota humilhante nas eleições desse domingo.

Outro sinal apareceu na Venezuela, com o fracasso da tentativa golpista de Juan Guaidó,  que foi articulada por Trump e a burguesia local, com apoio explícito dos governos reacionários do continente. Em sua ampla maioria, o povo venezuelano, mesmo insatisfeito com Nicolás Maduro, rejeitou a intervenção imperialista norte-americana em seu país.

Mas foi nas duas últimas semanas que ocorreram os eventos mais espetaculares. Primeiro, foi o levante indígena e popular no Equador contra o pacote econômico decretado pelo governo de Lenín Moreno em acordo com o FMI. A poderosa mobilização do povo equatoriano enfrentou uma bárbara repressão das Forças Armadas e da Polícia, que fez diversos mortos. Mesmo com o estado de exceção, a revolta social não recuou e fez o governo anular a principal medida do pacote, o aumento dos combustíveis.

Ninguém esperava, mas a juventude chilena resolveu dar seguimento à rebelião no Equador. Logo após o governo impor o aumento da tarifa do metrô de Santiago, milhares de estudantes começaram a pular catraca e protestar. A ação da juventude contagiou os trabalhadores precarizados e a população mais pobre das periferias. Com a brutal repressão desatada pelo presidente Sebastián Piñera — que já levou a pelo menos 19 mortes, além de milhares de  presos, revivendo, assim, o método da sangrenta ditadura de Pinochet — a revolta se ampliou e se radicalizou por todo país.

Apesar do estabelecimento do toque de recolher e da ocupação de diversas cidades pelo Exército, a mobilização revolucionária não se deteve. Na quarta-feira (23), uma poderosa greve geral parou o país. Na sexta (25), ocorreu a maior manifestação dos últimos 40 anos — somente em Santiago foram mais de 1,2 milhão de pessoas às ruas. O povo chileno pede a queda do governo, reformas sociais estruturais e uma assembleia constituinte popular para enterrar o neoliberalismo e a herança autoritária.

O pano de fundo comum a esses processos de revolta social (que ocorre também em várias outras partes do mundo, como no Haiti, Líbano, Iraque, Honduras, entre outros países) é o aumento acentuado da desigualdade social e do arrocho salarial, a imposição de medidas que impõem maiores sofrimentos à vida do povo trabalhador (como o aumento de tarifas do transporte), o endividamento crescente das famílias, a falta de perspectiva da juventude em termos de educação, emprego e renda, as aposentadorias miseráveis, a piora dos serviços públicos, as privatizações e a retirada de direitos.

A despeito das particularidades de cada país, há uma realidade compartilhada pelos povos latino-americanos: enquanto a maioria trabalhadora vive no mais duro aperto, sem saber se o salário chegará no fim do mês, uma pequena minoria que não trabalha desfruta de grandes fortunas e privilégios. Ao invés de penalizar os mais ricos, os governos atacam justamente a maioria explorada e oprimida. No sentimento de profunda injustiça, está o gatilho para a fúria social.

Diante dos levantes sociais no Chile e no Equador; da iminência da derrota de Macri na Argentina; e da nova vitória eleitoral de Evo Morales na Bolívia, questionada de modo golpista pela direita, as elites latino-americanas, a extrema-direita da região e o imperialismo norte-americano se articulam para evitar a ampliação da luta de massas que coloca em xeque sua dominação. Em viagem à China, Jair Bolsonaro afirmou que os protestos no Chile são atos “terroristas” e pediu para que as Forças Armadas brasileiras se preparem para ações semelhantes aqui. A Organização dos Estados Americanos (OEA), por sua vez, culpou, sem apresentar nenhuma evidência, Venezuela e Cuba pela desestabilização em países do continente, como Chile, Colômbia e Equador.

Se os nossos inimigos se organizam para contra-atacar, é hora da esquerda latino-americana, dos movimentos de mulheres, indígenas, camponeses, sindicais e estudantis, enfim, do conjunto das lutadoras e lutadores, darem um passo à frente. A primeira tarefa é prestar solidariedade ativa para o triunfo da luta no Chile e no Equador, derrotando a  brutal repressão. A segunda consiste em fortalecer a unidade para lutar em cada um dos países, para que possamos derrotar os planos e reformas neoliberais, assim como os governos responsáveis por sua aplicação. O caminho é seguir o exemplo dos chilenos e equatorianos: nas ruas, com mobilizações de massas, é possível vencer.

Por fim, é preciso discutir estratégia e programa para a mudança necessária. O horizonte não pode ser a repetição dos governos de colaboração com a direita e a burguesia. Os governos do Partido Socialista no Chile, do PT no Brasil, do peronismo na Argentina, de Evo Morales na Bolívia, da Frente Ampla no Uruguai, do chavismo na Venezuela, apesar de algumas reformas  e medidas progressivas, não mudaram os fundamentos econômicos, sociais e políticos da exploração e opressão capitalistas que prendem os países latino-americanos ao subdesenvolvimento e às enormes desigualdades sociais.

Com os ventos que sopram das ruas de Santiago e Quito, é hora de assumir uma estratégia de enfrentamento com o imperialismo americano e seus agentes na América Latina , de ruptura com a ordem dominante e um programa para a maioria trabalhadora e oprimida, sem conciliação com o regime e os partidos dos de cima.


Artigo publicado por EsquerdaOnline.com.br

Nota: texto mantido na escrita original em português do Brasil

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