Greve Climática Estudantil: irrompe um movimento de massas pela justiça climática

“Temos de manter os combustíveis fósseis sob o solo e focar-nos na igualdade. E se as soluções são impossíveis de encontrar dentro deste sistema, talvez tenhamos que mudar o próprio sistema.”
Greta Thunder, na Cimeira COP 25 da ONU

No passado dia 15, cerca de dois milhões de jovens fizeram greve às aulas e manifestaram-se em todo o mundo, por soluções imediatas para a crise do clima. Em mais de 1000 cidades, em 100 países, jovens, sobretudo do ensino secundário – mas também universitários, professores e outros populares – manifestaram-se aos milhares. Em capitais como Berlim, Londres, Seul, Washington, Cidade do Cabo ou tantas outras, dezenas de milhares protestaram junto aos parlamentos e centros de poder. Exigiam medidas imediatas como fim da extração de combustíveis fósseis, investimento público na transição para as energias renováveis imediatamente, ao mesmo tempo em que denunciavam a hipocrisia de Governos e Multinacionais.

Um movimento em ascensão

Este movimento vem crescendo nos últimos meses. Ele foi inspirado pela activista sueca de 15 anos, Greta Thunder, que desde agosto do ano passado começou, inicialmente sozinha, a faltar às aulas todas as sextas-feiras para protestar por justiça climática na escadaria do parlamento. O seu exemplo inspirou milhares de jovens suecos e Greta foi elevada ao estatuto de porta-voz do activismo ambiental. Porém, as palavras firmes da activista contra os governos e o próprio sistema ecológico global e o apelo continuo as mobilização de massas pela Justiça Climática, criaram um movimento que em poucos meses se virou contra os principais Governos e escapa ao controlo do “ambientalismo” institucionalizado. Provavelmente, pela primeira vez na história irrompeu um movimento de massas global pela salvação do planeta da predação capitalista. Não meramente um movimento “ecologista”, mas um movimento pela Justiça Climática, que nega as soluções de mercado e o capitalismo verde, exige justiça social e coloca as principais vítimas da crise climática, as populações mais pobres e a juventude, como protagonistas da mudança.

No dia 15, em Londres, Dublin, Belfast ou Edimburgo dezenas de milhares de estudantes encheram as ruas. Esta foi a 30ª semana seguida em que, à sexta-feira, os estudantes fazem greve pela justiça climática. Em semanas anteriores, professores juntaram-se às “Fridays for Future” (Sextas-Feiras pelo Futuro), exigindo a alteração dos currículos, para formar os jovens sobre a crise do clima. Na Bélgica, este foi também o ponto alto de um movimento que cresce há meses. Desde o início do ano que os jovens têm feito greve às aulas todas as quintas-feiras, com manifestações semanais de mais de 10 mil estudantes em Bruxelas exigindo medidas imediatas do Governo – em Dezembro e Janeiro, manifestações a que se juntaram pais e professores, trouxeram mais de 75 mil às ruas!

Na Suécia, Dinamarca e Finlândia o movimento também cresce há meses e na Alemanha re-alimenta um forte movimento social ambientalista que em anos recentes obteve vitórias contra a energia nuclear. Do outro lado do Atlântico, “Sunrise Movement”, um movimento de juventude dos EUA pela Justiça Climática, tem enfrentado tanto Trump como os Democratas, e conseguiu colocar o chamado “Green New Deal” no centro da agenda política. Noutros países, as greves climáticas deram os primeiros passos no último dia 15, mas alcançaram números impressionantes. Em França 350 mil pessoas manifestaram-se por todo o país, superando os números das recentes manifestações dos “Coletes Amarelos”.

Dezenas de milhares de jovens, organizados quase que espontaneamente pelas redes sociais, encheram as ruas de Portugal, Itália, Grécia e do Estado Espanhol. Nestes países o terreno para a luta climática é literalmente inflamável: as ondas de incêndios devastadores em anos recentes, assim como as igualmente destrutivas ondas de austeridade, fermentam a sede de justiça climática e social. As novas gerações percebem que não só não vão ter os empregos e salários das gerações anteriores: se nada for feito, tão pouco terão um planeta!

Rebelião ou extinção!

Dois relatórios recentes mostram que o alarme global da juventude está correcto. Trazido a público no final do ano passado, um relatório do IPCC (Painel Internacional para as Alterações Climáticas da ONU) avisa que o “tecto” de aquecimento médio da atmosfera em 2°c até ao final do século, limite assumido pela generalidade dos governos nos acordos de Paris, está sobrestimado. Baseados em novos modelos mais complexos, os especialistas dizem que o máximo absoluto a que pode chegar a subida média da temperatura atmosférica é 1.5°. Com um aumento superior a este, os riscos de desencadear um cenário de desregulação climática global, são demasiado grandes. A má notícia é que já atingimos hoje uma subida média da temperatura de 1°c face aos valores anteriores à era industrial!

Cego perante este cenário, o capitalismo avança para o abismo: após uma leve descida nos anos de crise financeira, desde 2016 as emissões de gases com efeito estufa – responsáveis pelo aquecimento global – têm aumentado. 2018 foi o ano com mais emissões desde sempre!

Um segundo relatório, da Assessoria Nacional para o Clima, dos EUA, as medidas tomadas até hoje pelos vários governos têm sido ineficientes, e pelo presente ritmo, no final do século estaremos perante um aumento médio de temperatura não de 1,5°c nem de 2°c, mas de 5! Ou seja, o sistema capitalista, dependente de combustíveis fósseis, conduz-nos para a destruição da civilização como a conhecemos e de grande parte das espécies animais e de plantas. O derretimento dos pólos, a submersão da maioria das grandes metrópoles, secas e cheias extremas, que tornariam regiões inteiras do global inabitáveis, a desregulação das correntes oceânicas, a perda de grandes áreas agrícolas férteis, crises migratórias acrescidas. Tudo isso seria altamente provável perante um aumento de 5°c das temperaturas médias. Há por isso, motivo para alarme.

Um movimento de massas contra os governos e os bilionários petrolíferos

Há também soluções. Estes relatórios apontam que para evitar estes cenários é necessário travar as emissões globais de gases de efeito estufa em 40% até 2035 e em 100% até 2050. Isso é tecnicamente possível. Exige parar imediatamente toda a prospecção de carvão, petróleo e gás natural, fazer uma transição global para fontes de energia renováveis. Um estudo de 2015 da Universidade de Standard, de Mark Jacobson comprova que a economia dos EUA, que é o maior emissor do mundo per capita, pode transitar 100% para energias renováveis até 2050. Mesmo os críticos desde estudo concordam que essa meta é tecnicamente possível em 80%.

É possível salvar o planeta e o futuro e o presente de milhões. Isso não acontece porque os Governos de todo o mundo, sejam abertamente negacionistas das alterações climáticas, como Trump ou Bolsonaro, ou pelo contrário, se mostrem muito preocupados, como Merkel ou Costa, são incapazes de tocar os interesses das grandes petrolíferas, das grandes montadoras e do complexo industrial-militar. E assim, arrastam a humanidade para a barbárie.

Um amplo movimento de massas, que confronte os governos e os “fossil-fuel bilionaires” (bilionários dos combustíveis fósseis), nas palavras dos jovens activistas do Sunrise Movement, pode obter vitorias. A irrupção daquele que parece ser o maior movimento estudantil desde o maio de 68, pode, como aconteceu à época, estabelecer as alianças com a classe trabalhadora e assim abalar todo o sistema. Como afirmou a jovem activista sueca Greta Thunberg perante o olhar atónito dos Governantes do mundo reunidos na Cimeira Climática da ONU na Polónia: “A mudança vem a caminho, quer vocês queiram quer não. O verdadeiro poder pertence ao povo!”

 

Artigo de Manuel Afonso

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