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Argélia: o regime moribundo e a mobilização crescente


Pela quarta vez consecutiva, as sextas feiras, milhares de argelinos saíram às ruas, no dia 15 de março para exigir a saída do presidente. Os manifestantes não querem apenas que o atual presidente desista de concorrer a um quinto mandato. Eles exigem a saída imediata do presidente e do regime político que ele encarna, no poder há 20 anos.

É um movimento sem precedentes na Argélia, que mobiliza o conjunto da população, liderada por uma juventude decidida a realizar uma verdadeira transição democrática, tomando as ruas com marchas pacíficas e numerosas por todo o país.

 

Propostas do poder

Após o seu retorno da Suíça devido à crise no país, no dia 10 de março, o Presidente Bouteflika enviou uma segunda carta à nação em que anunciou várias medidas importantes: o adiamento da eleição presidencial prevista para 18 de abril de 2019, sua decisão de não buscar um quinto mandato, bem como realizar uma Conferência Nacional com amplos poderes, e a formação de um novo governo. De fato, é uma extensão ilegítima e indeterminada do quarto mandato após 18 de abril.

Mas as “concessões” anunciadas pelo governo são sistematicamente rejeitadas pelas mobilizações. Numa tentativa de encontrar um consenso político e apaziguar o descontentamento, o Presidente nomeou dois diplomatas que gozam de prestígio na população: um para o novo cargo de vice-primeiro-ministro, Ramtane Lamara, que também será encarregado das Relações Exteriores e Lakhdar Brahimi, como responsável pela futura Conferência Nacional. Além disso, o Presidente promoveu Bedoui, o ministro do Interior, a Primeiro-Ministro. Mas tudo isso não conseguiu convencer as multidões. A última entrevista coletiva de Bouteflika foi uma decepção. Nenhum anúncio sério foi feito, a não ser vagas promessas de empregos para os jovens .

 

Greve geral e mobilizações diárias, com os estudantes na liderança

No dia seguinte, os estudantes saíram às ruas para protestar contra a tentativa do regime de mudar apenas aparentemente, sem nenhuma proposta mais profunda.  Aos gritos de “Nenhuma prorrogação ou adiamento!”,  “Nós não somos ingênuos, você não vai nos pegar!”, “Estudantes para uma segunda República”, eles galvanizam a multidão e juntam-se aos professores e à população em geral. “Não deixe ir“, dizem os estudantes “somos contra o sistema que ainda está em vigor”.

As mulheres, fortemente representadas nas mobilizações, mostram múltiplos cartazes a favor da igualdade de direitos, igualdade salarial, o equilíbrio de gênero. Elas são as mais afetadas pelo desemprego. De 11 milhões de trabalhadores, só 1,9 milhões de mulheres têm trabalho.

O slogan de uma greve geral cresce a cada dia. A direção da poderosa União Geral dos Trabalhadores Argelinos (UGTA), comprometida com o regime, é atropelada por suas bases, que exigem a imediata renúncia de seu principal líder, Sidi Said. Na região de Tizi Ouzou, a greve geral, que começou em 10 de março, é mantida. As lojas estão fechadas e transporte está indisponível.

Os professores também estão em greve há vários dias. Muitas outras cidades relatam mobilizações semelhantes: nova marcha pacífica em Bejaia , iniciada por funcionários públicos de moradia social e dos serviços de água; na Bouira há mobilização do pessoal de saúde ; as pessoas com necessidades especiais se manifestam também em várias cidades.

A Ordem dos Advogados de Argel apoia a continuação das manifestações e adverte contra a repressão dos manifestantes.    E há as redes sociais, muito ativas desde o início das manifestações, em um país de 40 milhões de habitantes com 19 milhões de pessoas conectadas à internet, 60 milhões de smartphones e 100 milhões de cartões SIM!

 

E o exército?

Até o exército, que adverte contra o “caos”, tem que ouvir os apelos de abertura política por parte dos membros dos membros das Forças Armadas, como o vice-ministro da Defesa, que salientou a forte ligação entre o exército e o povo (editorial de El Djeich de março 2019). Essa insistência parece uma mensagem política de apoio à vontade popular de mudança.

“O Exército Nacional Popular, bem como a polícia, é formado por jovens que passam pelas mesmas dificuldades que o povo argelino. Além disso, o exército exerce um tipo de acompanhamento ás mobilizações que não diz seu nome para evitar excessos “, diz Ali Benflis, ex- Primeiro-Ministro argelino entre 2000-2003 ao ser entrevistado por uma rádio francesa, hoje líder de um dos partidos da oposição.

 

15 março, a enorme marcha antissistema

Milhões de pessoas foram às ruas em todas as grandes cidades do país. Os motoristas de ônibus transportam os manifestantes de graça.  Apesar de barricadas da polícia para tentar conter o dilúvio de manifestantes na capital, a multidão enche as ruas. Famílias inteiras, mulheres, idosos e crianças que participam da manifestação em uma atmosfera amigável. Sempre pacíficos – essa é uma das características desse processo atual – os manifestantes cantam costumeiros slogans contra o poder:   “Você prolonga o mandato, nós prolongamos a luta”,  “Revoltar é permanecer vivo”, “a rua não será silenciada”, “Fora Bedoui “

Por todo o lado se vê solidariedade. Moradores oferecem comida aos manifestantes que vieram para o centro antes das 14h. Em Telemly, um residente local forneceu uma mangueira de água para permitir que as pessoas bebessem e se refrescassem, uma vez que o sol batia forte.

Até mesmo a imprensa, que defende o governo, apoiou a mobilização. Por exemplo, o Canal Argélia mostrou sinais e faixas com slogans antissistema.

 

Não à intervenção estrangeira

Um novo slogan apareceu: “Fora Macron” , “Resistência e não à alternância designada pela França” . Os manifestantes denunciam o apoio de Paris a Bouteflika. De fato, o ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian disse esta semana: “Saúdo a declaração do Presidente Bouteflika, anunciando que não procura um quinto mandato e tomando medidas para renovar o sistema político argelino”. Parabenizar as medidas anunciadas quando elas são maciçamente rejeitadas pelo povo foi recebido pelos argelinos como um apoio ao poder atual. Em 19 de março, uma marcha numerosa com milhares de imigrantes argelinos ocorreu em Paris, em apoio às mobilizações do seu país de origem.

 

Um cenário de crise econômica anunciada…

De 2014 a 2016, o preço do petróleo caiu de 102 para 46 dólares por barril. Recentemente, houve um pequeno aumento, o que poderia ter levado a uma melhora na situação, o que não ocorreu. A economia da Argélia, assim como a de todos os países do Oriente Médio e Norte da África tem sido fortemente afetada. Essa crise causou a deterioração do poder de compra da classe média e piorou as condições de vida dos trabalhadores, afetando o equilíbrio social adquirido nas décadas anteriores. O desemprego aumentou acima de 10%, especialmente entre jovens e mulheres.

Essa crise foi catastrófica para a economia argelina, que é totalmente dependente do petróleo. Vejamos alguns números: três setores compõem a economia argelina: o setor público, único exportador de petróleo, responsável por 95% das receitas de exportação em 2018, de 75 % das receitas do orçamento e aportando mais de um terço do PIB (35 %). Esse setor também alimenta um setor importador hiper atrofiado de bens de consumo e produtos intermediários (30 % do PIB), em grande parte, suportado pelo setor bancário e as suas linhas de créditos a curto e médio prazo. As atividades industriais de transformação são subdesenvolvidas, localizadas no setor agroalimentar, no setor de montagens elétricos, eletrônicos, têxteis.

O terceiro setor é o de serviços, pequenos negócios e construção. O setor de manufatura industrial diminuiu de 15% do PIB nos anos 1980 a 10 % em 1996 e caiu para 5 % em 2015. O setor informal é bastante importante. A produção agrícola permanece marginal apesar dos subsídios estatais ao setor. Hoje, a burguesia argelina aposta em uma economia que precisa urgentemente de diversificação de sua indústria e aumento de sua capacidade produtiva e do mercado interno para poder sair de sua dependência histórica ao Petróleo.

 

Perspectivas

A situação está indefinida e o resultado incerto: o governo está encurralado e não encontra resposta para as demandas dos manifestantes, o que faz com que a mobilização cresça a cada dia. O governo tenta ganhar tempo para encontrar uma transição aceitável, mas os manifestantes, com os jovens na liderança já não acreditam nele, querem mudanças imediatas. Quando o Presidente Bouteflika sairá? Isso dependerá da continuidade das mobilizações, mas também da capacidade do movimento de avançar em sua auto-organização e na elaboração de propostas políticas concretas. Uma marcha nacional de estudantes na capital, apoiada por numerosos setores, está marcada para terça-feira, 19 de março. O exército ainda não se pronunciou e o governo parece cada vez mais sem saída, enfrentando inclusive divisões internas. Os próximos dias poderão ser decisivos para o futuro do povo argelino.

 

Joana Benário, São Paulo – Esquerda Online

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