Porque fazemos greve no dia internacional da mulher?

Desde 2017 que, a nível mundial, se tem convocado uma greve internacional de mulheres (também conhecida como greve feminista internacional). É um exemplo impressionante de movimento internacionalista, grevista, construído por e para mulheres, enfrentando o machismo, a violência, as desigualdades, a discriminação económica, nas suas diversas esferas, unificando as lutas em cada país – nas escolas e universidades, nos locais de trabalho, nas casas e também nos media, na sociedade de consumo e nas mentalidades.

A greve surge como uma resposta aos inúmeros ataques a que estamos sujeitas, enquanto mulheres trabalhadoras, precárias, mães, negras, imigrantes, LGBTs. Fazemos greve para visibilizar o trabalho feminino que é sistematicamente ignorado e menosprezado, mas fazemos greve ao trabalho também porque entendemos que é uma ferramenta essencial para pôr o dedo na ferida, evidenciar as falhas sistémicas e lutar pelas nossas reivindicações, pondo em cheque os nossos patrões, os políticos, o Governo e o Estado, enquanto responsáveis pela perpetuação das desigualdades em prol das taxas de lucro. A greve e a mobilização retira-nos da individualidade, mostrando-nos que as mulheres que nos rodeiam enfrentam os mesmos problemas que nós e que juntas somos mais fortes. Quando gritamos em uníssono, quando fazemos greve em conjunto, fortalecemos as lutas e exigimos que nos respondam à altura ou não arredamos pé. Como no Brasil, também em Portugal dizemos que ninguém larga a mão de ninguém. Ninguém fica para trás.

Pelo fim da precariedade e por direitos iguais nos locais de trabalho!

A mulher compõe cerca de 50% da população ativa do mundo. Integrou-se no mercado de trabalho massivamente a partir do séc. XIX, o que significou um avanço significativo na sua condição social, no sentido em que a retirou da esfera meramente privada, possibilitou rendimentos próprios e alguma independência relativa face à família e a companheiros. Contudo, os nossos locais de trabalho não são uma excepção na sociedade machista e discriminatória, havendo todo um leque de problemas que nos afectam que, no dia a dia dos homens, nem chegam a existir. Falamos da desigualdade salarial (em alguns setores desigualdade direta, ou seja, pelo mesmo trabalho recebemos um salário inferior, noutros desigualdade indireta, por ocuparmos os part-times, não termos direitos a prémios ou também pela existência de setores maioritariamente femininos, como as limpezas, onde são praticados salários mais baixos). Falamos do assédio moral e sexual, que não é activamente combatido pelas empresas, muitas vezes utilizado para pressionar e controlar as trabalhadoras, mantendo-as num estado de tensão e stress permanentes, que leva a burnouts, baixas psicológicas, despedimentos etc. Falamos também da dificuldade que é para as mulheres conciliarem a vida profissional e familiar, por termos, ainda hoje, uma dupla e tripla jornada de trabalho a nosso cargo. Nas entrevistas, querem saber se temos filhas/os ou se desejamos engravidar, partindo do principio que teremos um impacto negativo na produtividade por não sermos 100% dedicadas ao nosso trabalho. Somos nós quem mais falta para assistir as/os filhas/os e familiares, significando que no momento de receber incentivos, prémios ou promoções, ficamos quase sempre em último lugar.

Fazemos greve ao trabalho porque passamos sete, oito, nove horas nos nossos locais de trabalho, onde se acumulam situações de desigualdade e discriminação que não entendemos como problemas pessoais, mas sim da responsabilidade das empresas e entidades empregadoras. Reivindicamos locais de trabalho livres de discriminação, onde possamos ter o direito a ser mães e pais sem penalização, onde não nos sintamos oprimidas pelo nosso género.

Fazemos greve para combater a precariedade no mercado laboral, que afecta mulheres e homens mas que tem maior impacto sobre as vidas das mulheres, pela situação de desvantagem em que nos encontramos.

Fazemos greve ao trabalho porque estamos fartas de ser o exército de reserva, as mais precárias e mais mal pagas, as primeiras a serem despedidas ou sem renovação dos contratos. As empresas não podem gabar-se de serem locais paritários sem proporcionar segurança e condições iguais entre trabalhadoras e trabalhadores.

Exigimos formação obrigatória sobre assédio sexual e moral, para as chefias e trabalhadores/as.

Exigimos a diminuição do horário de trabalho para as 35h, para criar mais postos de trabalho e garantir mais tempo livre.

Exigimos um combate efectivo à precariedade, que nos condena à incerteza, insegurança e a uma vida sem garantias.

Queremos o fim da dupla jornada de trabalho!

Nós, mulheres, garantimos um sem número de tarefas essenciais para o decorrer “normal” da vida. É sobre os nossos ombros que recaem a maior parte das tarefas domésticas, a educação das novas gerações, o cuidado dos idosos. Em pleno séc. XXI, estas tarefas são ainda vistas como naturalmente “femininas”, falando-se em predisposição biológica, razões naturais e até orgulho das mulheres. A sociedade foi educada a aceitar a divisão sexual do trabalho, por um motivo simples: o trabalho que as mulheres desempenham, de forma gratuita, garante a reprodução social da força de trabalho. Enquanto as mulheres garantem a sobrevivência das novas gerações e o cuidado das gerações existentes, enquanto desempenham as tarefas domésticas (limpar, cozinhar, lavar, ir às compras), o Estado não tem que garantir qualquer uma destas atividades, os governos não têm que investir em creches, lares, cantinas, lavandarias nem a maior parte dos homens se tem que preocupar em cumprir uma segunda jornada de trabalho, porque esta pertence-nos automaticamente. Naturalizou-se a ideia de que todas estas tarefas pertencem ao privado, que devem ser feitas “por amor” e que cabe às mulheres “educarem” os homens a “ajudarem” com as tarefas, para equilibrar a balança, culpabilizando-nos pela nossa própria opressão, no final do dia.

Estamos fartas!

Queremos uma rede nacional de creches públicas e acessíveis!

Queremos que as empresas com mais de 200 trabalhadores sejam obrigadas a ter creches!

Queremos cantinas em todos os locais de trabalho, com comida de qualidade a preços acessíveis!

Queremos a partilha de todas as tarefas domésticas e de cuidados!

Não aceitamos a sexualização dos nossos corpos!

Numa sociedade que consome de forma frenética, somos vistas, por um lado, como mercadoria e, por outro, como alvo comercial. As publicidades, os anúncios, os media e o marketing, sob o mote “sex sells”, apresentam-nos imagens de mulheres “perfeitas”, estereótipos inalcançáveis e surrealistas. Associado a um carro, uma casa, um produto, encontramos o nosso corpo despido, sexualizado, objectificado, contribuindo para desumanizar a nossa existência. Se formos vistas como produto, propriedade e/ou partes corporais dispersas mais facilmente somos objecto de violência, de ataques, piropos, assédio. Ao mesmo tempo somos alvo da campanhas publicitárias que reproduzem a divisão sexual do trabalho – desde o Fenistil para passar na queimadura do filho à lixivia para limpar o chão da casa de banho, as campanhas reforçam constantemente que o nosso lugar é em casa, a cuidar, a limpar e a cozinhar mas que, ao mesmo tempo, devemos ser super-mulheres, garantir uma carreira, um corpo de modelo, um sex apeal impecável e fazer tudo isto com um sorriso na cara, amor no coração e sem nunca nos queixarmos de algo que é apanágio nosso por excelência.

Não queremos ser super-mulheres!

Pelo fim da violência contra as mulheres!

Se somarmos desde 2004, perto de 500 mulheres foram assassinadas, por namorados, maridos, ex-companheiros e familiares homens. Só em 2019 já foram assassinadas 11 mulheres por violência doméstica e consecutivamente vemos os juízes a ilibar os agressores, a suspender penas e o governo pouco ou nada faz, para além de reuniões de emergência.

Os números não deixam sombra para dúvidas: o problema do machismo, manifesto nestes crimes violentos, não faz parte do passado, não está resolvido, nem está a ser combatido com todas as armas possíveis. Pelo mundo, milhares de mulheres são vitimas de feminicídio e os governos, políticos e as instituições do Estado assobiam para o lado. Nas escolas e universidades a violência no namoro é vista como um fenómeno natural, nas casas e nas ruas as mulheres são violentadas, nos locais de trabalho somos assediadas sem mercê.

Exigimos que haja um compromisso com o combate da violência sobre as mulheres, que, vezes demais, termina na sua morte. Que o Governo PS, apoiado pelo BE e PCP, encontre vontade política para travar a batalha pelas vidas destas mulheres, pela vida de todas as mulheres, porque não é só nos dias de festa e nas ocasiões solenes que merecemos ser mencionadas. Exigimos que, em vez de se orgulharem de pagar juros da dívida e salvar bancos, se orgulhem de ter um programa de combate ao machismo, um que funcione e que não seja só uma promessa vazia no papel.

Exigimos a prisão efetiva para os agressores, com penas mais duras e o fim das penas suspensas!

Exigimos medidas de restrição de proximidade assim que há uma denuncia de violência doméstica, para proteção imediata da vítima!

Exigimos a criação de infra-estruturas, por freguesia, com equipas especializadas no atendimento e acompanhamento de casos de violência doméstica!

Nem uma menos! Basta de feminicídios!

As razões para nos mobilizarmos, manifestarmos e convocarmos greve são múltiplas e diversas. Sabemos que o sistema económico não funciona a nosso favor e sabemos que os governos e as politicas são feitas à medida dos ricos, dos banqueiros e dos interesses privados. Aqui em Portugal isso fica evidente – o Governo PS, com apoio parlamente do BE e PCP, enterrou somas exorbitantes de dinheiros públicos para resgatar os bancos, investir em PPPs e pagar de forma antecipada, milhares de milhões de euros ao FMI, mas não investiu de forma séria no combate à violência doméstica, à discriminação económica, na criação de creches públicas ou na construção de uma justiça que proteja as mulheres.

Nós, no Movimento Alternativa Socialista, fazemos parte da Rede 8 de Março, que convoca a greve feminista internacional. Apoiamos, construímos e apelamos a esta greve, que deve ser travada por mulheres e homens, pois a luta pelos direitos das mulheres não divide e não enfraquece a luta do conjunto dos trabalhadores. Queremos enriquecer as resistências, somar as reivindicações e construir uma sociedade em que sejamos todas/os livres.

Temos, para o dia 8 de Março, 5 pré-avisos de greve: STCC (Sindicato de Trabalhadores de Call Center), STOP (Sindicato de Tod@s @s Professor@s), SNESUP (Sindicato Nacional do Ensino Superior), SIEAP (Sindicato das Industrias, Energia e Águas de Portugal) e STSSS (Sindicato dos Trabalhadores da Saúde, Solidariedade e Segurança Social).

No dia 8 de Março, estamos todas/os convocadas/os para a greve e para as manifestações que irão acontecer em mais de 12 cidades em Portugal e também por todo o mundo. 

Se as mulheres param, o mundo pára. 

 

 

 

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