Editorial – 8 de Janeiro de 2019
O convite feito pela TVI a Mário Machado para falar sobre a necessidade de “Um Novo Salazar” chocou o país. Ao contrário do que muitos pensavam, Portugal não está imune à ascensão da extrema-direita.
Todo o país viu a verdadeira face daqueles que clamam por “um novo Salazar”. Mário Machado é um nazi-fascista assumido, já condenado e preso pelo envolvimento no assassinato do jovem negro Alcindo Monteiro, em 1995, além de crimes de extorsão, porte ilegal de arma, etc. Ficou ainda evidente que os media não têm pejo em dar palco a estes personagens e ao seu programa de barbárie e ódio. Por fim, vimos que a sociedade portuguesa tem ainda uma boa dose de “anticorpos”: as múltiplas reações de repúdio fizeram a TVI encerrar a rubrica que deu voz ao fascista.
Um perigo real
Apesar de, no nosso país, as organizações e as ideias neofascistas estarem felizmente aquém de países como o Brasil, Itália ou EUA, nos últimos tempos tivemos vários sinais. A candidatura de André Ventura, pelo PSD, à Câmara de Loures, de carácter abertamente xenófobo, e a sua tentativa de criar um novo partido é um alerta. Assim como a tentativa de diversos grupos de extrema-direita e fascista de “surfar” o descontentamento popular, como vimos na versão portuguesa dos “coletes amarelos” e, em menor medida, também nas manifestações “contra os incêndios”, em 2017. A manifestação que está a ser preparada em “homenagem” a Salazar vem nesta senda.
Mais grave foi a presença de Marcelo Rebelo de Sousa na tomada de posse do neofascista Bolsonaro, em Brasília, o que descreveu como um “encontro de irmãos”. Esta visita de Marcelo, não mereceu o mesmo repúdio massivo que a entrevista de Mário Machado. O silêncio do PCP e Bloco de Esquerda foi ensurdecedor. É por estas brechas e ambiguidades que a extrema-direita pode crescer. É preciso repudiar totalmente o convite de Marcelo a Bolsonaro, deixando evidente que o neofascista não é bem vindo a Portugal!
A política do PS, feita à medida de Bruxelas, faz aumentar a desilusão face à chamada “Geringonça”. Ao contrário do que a direita reclama, essa desilusão não existe por o Governo ter uma política “demasiado à esquerda”, mas pelo contrário, por continuar no essencial a política de governos anteriores. Porém, na ausência de uma oposição real à esquerda, à direita abre-se espaço para uma radicalização, com base em ideias xenófobas, conservadoras e até fascistas.
A extrema-direita e o fascismo: a barbárie ao serviço do Capital
A extrema-direita finge colocar-se ao lado de que trabalha e apropria-se de bandeiras como a defesa de melhores salários, impostos mais baixos (sem dizer para quem) ou o combate à corrupção. Mas, em vez de apontarem os verdadeiros culpados, canalizam o ódio popular precisamente contra os mais oprimidos: os imigrantes, os negros, as LGBT e as mulheres.
Em nome de combater “o socialismo”, combatem todas as liberdades. Em nome da “economia nacional” atacam os salários e direitos laborais. Colocam trabalhadores nacionais contra imigrantes, brancos contra negros, os do público contra os do privado, enquanto atacam os direitos das mulheres e das LGBT pobres. Colocam trabalhadores contra trabalhadores, para que os poderosos possam fazer o que pretendem. O crescimento da extrema-direita e do fascismo no mundo mais não são do que a expressão mais feroz da crise do sistema capitalista, da sua voracidade que não olha a meios.
Não deixemos a extrema-direita ganhar espaço nas ruas!
Portugal tem a memória histórica da Revolução de Abril e da resistência anti-fascista. A esquerda tem uma força social forte, ainda que nem sempre a expresse nas ruas. Há um despontar do movimento feminista, anti-racista e LGBT que incute nas novas gerações a germe do anti-fascismo. Mas isso não chega. Se a extrema-direita e o fascista querem tomar as ruas, devem ser detidos o quanto antes, nas ruas. Não podemos contar com as instituições do status quo – Governos, Presidentes, Tribunais ou Comunicação Social – para resistir. Tão pouco com os partidos do centrão. Só através da organização e mobilização popular se pode matar a serpente ainda no ovo – não ganhamos nada em esperar que ela cresça!
Na sequência da entrevista de Mário Machado na TVI, diversas vozes se levantaram: o Sindicato dos Jornalistas, a União dos Resistentes Antifascistas Portugueses, diversas figuras públicas etc. Sob o mote “O racismo e o fascismo não passarão!”, dezenas de activistas e organizações feministas, anti-racistas, em defesa das liberdades e outras assinaram uma carta aberta ao Governo, Presidência, Assembleia da República e outras entidades para que tomassem posição.
Já vimos noutros países que, mesmo com muito repúdio da “opinião pública”, a extrema-direita ganha espaço, impondo-se nas ruas e organizando-se “por baixo”. É necessário responder no mesmo terreno.
Se as organizações que subscrevem a carta aberta contra o racismo e o fascismo convocassem uma grande manifestação contra o fascismo e o racismo, a manifestação salazarista de 1 de Fevereiro seria reduzida à sua insignificância. A esquerda tem de se empenhar neste sentido, assim como o movimento sindical tem de tomar a dianteira, ao lado de todos os movimentos sociais. A extrema-direita não será travada essencialmente nas páginas dos jornais nem nas redes sociais, mas pela mobilização dos que trabalham, através da sua luta e organização. Podem contar com o MAS.