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Nenhuma liberdade aos inimigos da liberdade!

A ida de Mário Machado ao programa da TVI Você na TV, apresentado por Manuel Luís Goucha, levantou várias polémicas e indignação. Tem sido justificada a sua presença como um exercício de liberdade de expressão e de pluralismo de ideias. Mesmo muita gente que o despreza é sensível a este argumento.

Afirmamos, desde já, que somos totalmente contra qualquer espaço para fascistas. Vemos esta entrevista como parte de um movimento internacional de naturalização do fascismo e da extrema-direita, apresentados como saída para a crise em que o capitalismo nos mergulhou, que já conta com vários governos no mundo e tenta expandir-se e enraizar-se.

Mas então, quem é Mário Machado? É um nazi. Desde os anos 1990 é o principal rosto dos neonazis portugueses. Mário Machado foi condenado, em 1997, a uma pena de quatro anos e três meses de prisão por envolvimento na morte de Alcindo Monteiro – assassinado em 1995, no Bairro Alto (Lisboa). Mário Machado voltou, depois disso, a ser outra vez condenado por vários crimes de violência, sequestro, posse de arma e discriminação racial. Fundador e dirigente de várias organizações de perfil neonazi e racista, com várias ligações internacionais ao movimento de extrema-direita. No último período, tem tentado reciclar a sua imagem, aparecendo agora a esconder as suas suásticas tatuadas e as saudações nazis, como um licenciado em direito, supostamente reabilitado.

A liberdade de expressão não é um conceito abstrato, esotérico, é algo concreto, palpável, real. A luta histórica pela liberdade de se dizer o que se pensa, de discordar e reclamar, concordar e apoiar, não pode ser confundida com o direito a oprimir. É diferente, sim, a liberdade de expressão do negro que denuncia o racismo, da “liberdade de expressão” do racista que defende a agressão, humilhação e insulto de todos os que não concordem com a sua opinião. Mais ainda, os fascistas não querem liberdade de expressão para ter debates escolásticos, querem liberdade para eliminar, agredir, matar quem eles acham que é inferior e quem pensa diferente deles. Hitler também quis liberdade para chegar ao poder, para então usar da liberdade para fazer o que fez. Racismo, machismo LGBTfobia e xenofobia não são opiniões, são crimes. Nenhuma liberdade aos inimigos da liberdade.

Não podemos deixar de reparar que muitos dos que hoje se indignam corretamente, não foram coerentes noutras situações. Por exemplo, Daniel Oliveira escreveu um bom texto, indignado com a participação de Mário Machado na TVI, mas no caso do impedimento da palestra de Jaime Nogueira Pinto na FSCH não só foi contra como fez um programa para dar a possibilidade de este defensor de Salazar e do colonialismo português poder dar a palestra que queria depois de ter sido censurado. Qual a diferença? Mário Machado foi condenado, passou das palavras à acção, enquanto Jaime Nogueira Pinto é apenas um académico? Não. Um é a cabeça e o outro o braço do mesmo corpo. Isto é importante, pois os fascistas não têm exclusivamente uma versão bruta. O próprio Mário Machado, hoje, esconde as suásticas que tem tatuadas pelo corpo e aparece com a imagem de um Life couche, lavadinho e engomado. André Ventura, também engravatado e comentador da bola tem um projeto semelhante. Esse projeto é conhecido pela história. Eliminar parcelas da sociedade, prender e matar a oposição e a resistência em benefício de uma minoria privilegiada. Esta prática ficou conhecida por holocausto, na década de 1930/40.

Também não podemos deixar de assinalar a ironia da entrevista em questão ser comandada por Manuel Luís Goucha. Gay assumido, casado e uma referência importante para milhares de pessoas que, em parte, lhe devem o combate à sua homofobia. O seu convidado defende e promoveu o espancamento e a perseguição de pessoas LGBT. E o mote da entrevista era a defesa de um regime e um ditador que criminalizava, prendia, torturava e matava qualquer identidade LGBT. Manuel Luís Goucha no Regime Salazarista não seria casado, nem seria apresentador de televisão e se tentasse viver a sua vida com deseja seria preso e torturado pela PIDE. Que triste serviço prestou Goucha às LGBT.

Após instalada a polémica, a TVI defende-se a dizer que dá espaço a todas as opiniões. Nada mais falso. Quantos comentadores de política têm a TVI que não sejam dos partidos com assento parlamentar? Mesmo destes, quantos são de esquerda? Quantos activistas LGBT, mulheres ou antiracistas já participaram no Você na TV? Quantos sindicalistas? Algum estivador foi ao Você na TV explicar a greve que fizeram? Pois é… as escolhas têm critério. E o critério, desta vez, foi dar tempo de antena a um nazi para defender uma manifestação salazarista.

Uma nota sobre a questão do “politicamente correto”, pois é um dos centros da discussão. O “politicamente correto” tem sido apresentado como um flagelo que assola a sociedade. É um facto que, nos últimos anos, os movimentos de combate às opressões tiveram várias vitórias. Essas vitórias criaram (parcialmente) um clima que reprime piadas, comentários e discursos opressores. O combate ao “politicamente correto” é uma invenção de quem tem saudades de poder descriminar, sem resistência. De nossa parte, não temos saudades nenhumas. Devemos, sim, reprimir qualquer comportamento opressor. Quem diz que “é só uma piada”, está equivocado. Essas piadas são parte do conjunto que mantém as LGBT no armário, as mulheres em casa e os negros nos piores trabalhos. Terá mais dificuldade em entender quem não é negro, não é mulher ou não é LGBT. Façamos um esforço para entender que humilhar ou rebaixar alguém através de uma qualidade física ou sexual não é piada, é boçalidade, é selvajaria. Numa sociedade em que a discriminação é regra, as piadas opressoras não são inofensivas. O machismo, racismo e LGBTfobia não precisam de “liberdade de expressão”. Já a naturalização do discurso opressor como uma mera opinião é um retrocesso e uma tática para mascarar a vontade de oprimir.

A luta das ideias responde à regra da correlação de forças da sociedade de conjunto. A constituição portuguesa proíbe a ideologia fascista, o racismo e outras formas de discriminação mas Mário Machado lá foi falar. Se tudo correr como até então, nada irá acontecer de consequência para os envolvidos e estes episódios vão-se tornando “naturais”. Isto só acontece porque, hoje, a extrema-direita tem mais força que no passado. Não basta gritar “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais”. É preciso forçar que isso se concretize.

No próximo dia 1 de Fevereiro, é necessária uma resposta antifascista, uma demonstração de força dos mais explorados(as) e oprimidos(as), das mulheres, dos negros e imigrantes e das LGBTs, de todos os trabalhadores. Toda a esquerda, movimentos, sindicatos, associações, coletivos e activistas, assim como os seus partidos maioritários, BE e PCP, devemos unir esforços como forma de ganhar a população para a concretização do “fascismo nunca mais”. Devemos aproveitar a indignação geral que este episódio gerou para pôr mãos à obra, para organizar e mobilizar a resistência antifascista.

 

Eduardo Velosa

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