Há 45 anos, as prisões de 16 de Dezembro de 1973

Ditadura marcelista prende estudantes do secundário e rapa os seus cabelos num episódio que se tornou famoso como a “carecada”

 

Era domingo, e o movimento estudantil secundário de Lisboa reunia em Assembleia Geral os ativistas que dinamizavam nos liceus e escolas técnicas da cidade e da região, a luta contra a ditadura marcelista e contra a guerra colonial.

Para esta Assembleia que se realizou nas instalações da Associação de Estudantes de Medicina, no Hospital de Santa Maria, todas as correntes politicas e associativas que intervinham no MAEESL (Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa) mobilizaram o máximo de militantes para um debate que se previa acalorado para o futuro do movimento.

Foi neste contexto que o governo marcelista, mediante as informações da Pide (e de um seu agente infiltrado na corrente maoísta), considerou uma óptima oportunidade para tentar desferir um golpe na recente organização dos estudantes do secundário, que no dizer de deputados do regime, estava a contaminar a juventude com ideias ‘subversivas’.

Decorria a Assembleia quando chegou a informação que o Hospital estava a ser cercado por elevada quantidade de policias que já tinham encerrado as passagens em parte das instalações. A Assembleia decidiu continuar e organizar uma saída em conjunto para tentar romper as forças policiais, o que não se concretizou perante o sacar das armas da barreira policial e do nervosismo que estes demonstravam perante a firmeza do avanço dos jovens estudantes. Perante a iminência de um banho de sangue, os dirigentes das diversas correntes concluíram que não havia relação de forças para tentar forçar a barreira policial e retrocedemos organizadamente.

Seguiu-se a destruição de toda a documentação que se queria evitar que fosse apreendida e a operação policial de detenção dos cerca de 150 rapazes e raparigas (com idades entre os 13 e os 18 anos) ainda demorou algumas horas.

A maioria foi conduzida aos calabouços do Governo Civil de Lisboa e alguns ‘reincidentes’ enviados para a prisão de Caxias. Perante os protestos e cânticos anti regime que continuávamos a fazer dentro das celas, o tristemente conhecido capitão Maltêz (chefe da policia) mandou rapar o cabelo a todos os rapazes ( pelo que passamos a chamar a essas prisões ‘a carecada’).

Em vez de desanimar o movimento, esta nova realidade desencadeou ainda mais força na contestação no secundário e a visibilidade dos activistas (os carecas) ainda dinamizou mais a sua acção entre os colegas.

A resistência de muitos dos jovens em pagar as enormes multas que lhes foram passadas pelo ‘crime’ de ‘reunião ilegal’ viu este processo encerrado poucos meses depois com a derrota da ditadura pela revolução do 25 de Abril de 1974.

Passados 45 anos, o essencial das injustiças sociais, da exploração e opressões neste capitalismo em crise continua, bem como continuam forças que querem de volta as velhas ditaduras de cariz fascista. Tal como em 1973, hoje é necessário continuar a lutar, organizar os meios para prosseguir o combate ao capitalismo e construir uma saída socialista que aprenda com os erros do passado.

João Pascoal

(um dos presos de 16 Dez 73)

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