Violência Machista: A Geringonça não resolve

25 de novembro dia de luta

Aproxima-se o 25 de Novembro, dia Internacional pelo Fim da Violência contra as Mulheres. Os anos passam e os motivos para sairmos às ruas em luta neste dia continuam a somar-se e a exigir de nós uma reflexão séria sobre o que está por fazer para garantir proteção, segurança e mecanismos de justiça eficazes no combate à violência machista, pelo direito das mulheres a uma vida livre de agressões físicas, sexuais e morais. A violência sobre as mulheres perpetua-se através de uma complexa teia que combina uma opressão de género historicamente estabelecida e um empobrecimento dos vários pilares da sociedade essenciais a uma vida digna: trabalho, educação, saúde, justiça, habitação. Em todo o mundo as mulheres vão ocupar as ruas para mostrar a sua indignação e exigir mudanças aos governos. As palavras de ordem variam de acordo com as reivindicações mais urgentes que as mulheres têm nos seus países (por ex.: pela legalização do aborto, o fim do feminicídio) mas com um sentimento de unidade internacional pois a emancipação de cada uma de nós apenas poderá acontecer com a conquista da igualdade social para todas.

O panorama por cá

Comecemos por olhar para os números em Portugal. Segundo o relatório anual de 2017 da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) os crimes de violência doméstica destacam-se do total de crimes registados representando 75,7% dos casos atendidos pela instituição. Sobre a caracterização das vítimas que foram apoiadas os dados não trazem novidades, são na sua maioria do sexo feminino (82,5%) e os autores do crime do sexo masculino (80%). A violência continuada representa 75% dos casos e dos que passaram pela APAV apenas 45% tiveram uma queixa formalizada.[1] Em Setembro deste ano o Observatório de Mulheres Assassinadas já registava um total de 21 mulheres mortas concluindo existir um aumento da violência e do sofrimento infligido às vítimas.[2] Os dados falam por si, além de que não nos podemos esquecer de um incalculável número de mulheres que não estão incluídas nestas estatísticas pois nunca chegam a procurar ajuda ou a apresentar queixa seja por vergonha, por medo, por ser culturalmente normalizada a violência machista ou porque são pobres e então presas às circunstâncias materiais em que se encontram.

Na justiça as declarações misóginas que têm sido feitas em acórdãos sobre violência contra as mulheres revelam um significativo atraso dos tribunais portugueses no que diz respeito à temática. Crimes de violência sexual, ameaças de morte, perseguição, violência obstétrica, física e psicológica são banalizados com base em argumentos insólitos como uma passagem da bíblia ou dramas teatrais colocando as culpas na vítima que “podia ter resistido” ou porque é “adúltera”[3]. Ou seja, além de todo o sofrimento psicológico que a vítima já carrega ainda se vê confrontada com a violência institucional do sistema judicial que, ao invés de garantir um processo que lhe devolva uma vida tranquila e as forças para seguir em frente, ainda a culpa da sua própria desgraça e absolve o seu agressor. Defendemos que deve ser prioridade do Governo o desenvolvimento de um sistema especializado e integrado para a identificação, apoio e resolução de casos de violência doméstica que vá desde os serviços de saúde, de educação, às autoridades, aos tribunais e Ministério Público assim como uma alteração na lei que decrete a prisão efetiva dos agressores. Todos os intervenientes no processo devem receber formação sobre o que é a violência de género e a opressão machista. É necessário também ampliar e melhorar a rede de casas abrigo, que devem ser sempre públicas e gratuitas, para receber a vítima (e os filhos se for o caso) onde possa permanecer o tempo necessário à junção das condições para uma vida independente.

A degradação geral dos serviços públicos tem consequências diretas na vida das mulheres, em particular de nós, que trabalhamos. A ideologia dominante coloca sobre os nossos ombros a tarefa do cuidado dos filhos e parentes dependentes assim como as tarefas domésticas, ou seja, a responsabilidade por garantir as condições necessárias à reprodução social. É necessário combater essa ideia para libertar nos desse trabalho opressivo, educar os homens para a partilha dessas tarefas, mas sobretudo exigir a criação de um conjunto de serviços gratuitos que retirem esse trabalho da esfera privada. Hoje em dia colocar uma criança numa creche pública ou privada tem um custo insuportável para a maioria das pessoas. O mesmo acontece com os lares de idosos que são uma fonte de enormes lucros para empresas privadas. É preciso uma rede nacional de creches públicas e lares de idosos para que a população inativa não represente uma carga acrescida às mulheres.

A combinação desta dupla e tripla jornada com o trabalho precário limita-nos o dia-a-dia a um “viver para trabalhar”. Os baixos salários, subcontratação, horas extraordinárias não pagas, despedimentos por gravidez, assédio moral e sexual são condições que fazem parte da realidade laboral e que nos coloca em situações de enorme vulnerabilidade. É urgente reverter as alterações introduzidas ao Código do Trabalho pela direita e a Troika. O governo PS tem que devolver os nossos direitos: que foram roubados: aumento dos salários, contratação coletiva, combate à precariedade no geral e investimento na ACT para maior fiscalização, identificação e punição das empresas que praticam todo o tipo de diferenciação em função do sexo.

Na saúde também vemos os nossos direitos ameaçados. O corte no SNS tem empurrado a consulta de IVG para os hospitais privados. De acordo com uma notícia de setembro deste ano 60% dos centros de saúde do país não fazem a consulta prévia que está prevista na lei para as mulheres que queiram interromper a gravidez[4]. Em Lisboa, a falta de enfermeiros especializados de obstetrícia e saúde materna levou à suspensão da consulta de IVG do hospital Santa Maria, com o encaminhamento das mulheres para a Clínica dos Arcos[5]. Isto significa que milhões do Estado destinados a este serviço passam a ser injetados no privado. Em vez de potenciar esse encaminhamento, o Governo tem que investir nas instalações e profissionais do SNS e travar a privatização! A legalização da IVG em Portugal foi uma importante conquista das mulheres, mas encontra-se sob constante ameaça de retrocesso dado ao desinvestimento na saúde pública que afeta principalmente as mulheres mais pobres.

A habitação é outra das problemáticas centrais quando pensamos na violência contra as mulheres. A especulação imobiliária e o turismo são os interesses sustentados pelos sucessivos Governos que nos trouxeram à atual situação. Os preços das casas são insuportáveis para quem trabalha em Portugal e nada está a ser feito para reverter a lei Cristas e travar este ataque às nossas vidas. Como é que uma mulher que vive numa situação de violência doméstica se pode libertar do agressor se não pode pagar uma casa sozinha? Como é que ela pode passar tempo com os filhos se além do horário de trabalho ainda leva 1h, 2h em transportes para a periferia da cidade? Para ser empregada de limpeza, servir às mesas dos restaurantes, ser cozinheira, dar aulas, atender o telefone num call-center, contribuir todos os dias no seu sector para o lucro dos patrões, em condições precárias o trabalho da mulher é essencial. Mas o direito a um lugar seguro para descansar e recuperar as forças para um novo dia não existe. O Governo PS tem que alterar a legislação de modo a garantir que qualquer pessoa tenha a possibilidade, de acordo com os seus rendimentos, de ter uma casa para viver. Essa é uma das condições necessárias para libertar as mulheres de relações abusivas e combater a violência machista.

Todas estas condicionantes pioram a vida das mulheres em geral. Pioram muito mais a vida de nós que todos os dias nos levantamos para ir trabalhar nos empregos precários, viajando de transportes públicos, enfrentado machismo nas ruas, no trabalho, nos lares, nas escolas e nas universidades também. Para as mulheres negras o cenário é ainda mais violento, pois para além de toda a opressão machista, soma-se e combina-se o racismo. São estas mulheres que vemos nos primeiros transportes públicos de manhã, que vivem nas periferias, que reclamam o direito à nacionalidade para si e para os seus filhos. São estas as mulheres invisibilizadas que limpam, cozinham e garantem uma série de funções mal pagas, ainda mais precárias e sem direitos. O racismo institucional e o machismo quotidiano condenam estas mulheres a uma violência evidente, que tem que ser denunciada e combatida, diariamente. Basta de fechar os olhos e ignorar. O estado português é um estado racista e as demandas das mulheres negras, ao invés de serem negadas, devem ser ouvidas e atendidas, pela esquerda e pelo movimento de mulheres.

A Geringonça prometeu, mas não cumpriu

O machismo é um problema sistémico com o qual as mulheres se confrontam todos os dias na esfera pública e privada. Um combate à opressão machista exige um investimento efetivo do Governo no desenvolvimento de políticas ao nível do emprego, da educação, da saúde, da justiça e da habitação de modo a resgatar a Mulher do seu papel subalterno de “reprodutora da família e do lar”. Estamos fartas da violência, não queremos ser submissas nem ter medo.  Queremos viver com dignidade e por isso exigimos uma resposta do Governo à altura das nossas necessidades. Não podemos aceitar que a Geringonça continue a canalizar o dinheiro do Estado para a banca e negócios privados em detrimento dos serviços públicos.  O PS, com o apoio do BE e PCP, mantém os problemas deixados pelo governo PSD/CDS e deixa por cumprir as promessas feitas no início da legislatura. A esquerda, BE, PCP e CGTP, devem unir-se à luta das mulheres e fortalecer o movimento para fazermos as mudanças necessárias à nossa emancipação. Não é por acaso que são elas quem tem estado na frente e em maioria nas lutas pelo direito à habitação, dos professores, dos call-centers ou dos enfermeiros. Não é por acaso que são elas na frente da resistência contra a eleição de governos de extrema-direita pelo mundo. A nossa força e união cresce a cada dia e não vamos parar. A luta das mulheres é de todas e todos que acreditam numa sociedade livre de opressões. As organizações da esquerda e sindicatos devem unir-se e fortalecer este movimento rumo à Greve Internacional de Mulheres, no próximo dia 8 de Março.

Junta-te à Marcha pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, no 25 de Novembro a partir das 15h no Largo do Intendente. Vamos construir o movimento de mulheres rumo ao 8 de Março.

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