Editorial – 16 de Outubro 2018
Aqueles que vivem do seu trabalho não veem a recuperação económica do país chegar aos seus bolsos. Os salários estagnaram, a habitação alcança valores insuportáveis, os serviços públicos estão arrasados, o desemprego jovem está nos 19%, o emprego criado é absurdamente precário e mal pago, a carga fiscal bate records, principalmente, sobre o trabalho e o consumo. O que falta é aquilo que o Governo PS, com o apoio do BE e PCP, prometeu, mas não cumpriu: “virar a página da austeridade”.
O papel da esquerda parlamentar não tem servido para expor aquilo que verdadeiramente subsiste ao plano do PS.
A luta dos professores, por exemplo, depois de meses de expectativa, com uma considerável capacidade de mobilização, foi entregue pela esquerda à sua sorte. As direções de BE e PCP deitam fora o seu principal trunfo para não terem de se confrontar com a responsabilidade de destabilizarem o Governo. O que ganhamos com as cedências que estas direções têm feito?
O resultado desta política é a recuperação do PS. A esquerda tinha a obrigação de lutar por um OE2019 que cumprisse, pelo menos, com aquilo que nos foi prometido: “virar a página da austeridade”.
Saúde
Na Saúde, a austeridade mantém-se. Em Portugal, os mais pobres, as mulheres e comunidades não-brancas continuam a ter um acesso à Saúde muito deficitário.
É necessário recuperar o investimento público no SNS anterior à chegada da Troika. Afinal, reverter a austeridade é isso. Para além disso, é necessário colocar um fim às PPPs na Saúde e recuperar para o SNS todos os hospitais que foram construídos sob tal regime.
O lema dos profissionais de saúde tem sido “fazer das tripas coração”, o que se torna cada vez mais difícil com um investimento público tão baixo. Médicos, enfermeiros ou auxiliares de ação médica têm recorrido, justamente, a sucessivos meios de luta como forma de reivindicar o vital investimento no sector. Este é o caminho que BE, PCP e CGTP deve potenciar!
Educação
Os avanços existentes na Educação são muito tímidos, e os seus problemas são especialmente sentidos pelos alunos mais pobres, mulheres e negros. O regime fundacional das universidades mantém-se e aprofunda-se, criando as condições à empresarialização do ensino superior. Embora, tenha sido anunciado que o OE19 prevê a descida das propinas em 200 euros, sabemos que esta é uma medida insuficiente. Porque as rendas não param de aumentar e os estudantes que tem que se deslocar da sua cidade para estudar deparam-se com esse agravamento no seu orçamento mensal.
O Governo PS teima em não cumprir com a sua promessa de contagem integral do tempo de serviço dos professores, que deveria ter sido implementada com o OE2018, propondo agora que sejam apenas repostos 2 anos. É por todos estes problemas que os professores se têm, justamente, mobilizado com tanta veemência.
O Governo tem de retomar o investimento anterior à Troika, assim como reconhecer o tempo de serviço completo e imediato da carreira docente.
Transportes
O desinvestimento nos transportes foi grande, no período da Troika, e o Governo PS recuperou muito pouco desse investimento. A precariedade e baixos salários no sector são insustentáveis.
Parte do investimento no sector dos Transportes passa pela reversão de todas as PPPs rodoviárias, com as quais o Governo PS gastou €1.181 milhões, em 2017, prevendo manter sensivelmente estes mesmos gastos em 2018[1].
É necessário pôr um fim às PPPs rodoviárias. É necessário investimento público nos transportes. São necessários mais e melhores condições de vida e de trabalho. Salários dignos, 35h de trabalho semanal e combate à precariedade no sector.
Habitação
O direito à habitação, previsto constitucionalmente, foi vendido pelos sucessivos governos, incluindo o actual Governo PS, à especulação imobiliária.
O Governo tem de dar início a uma política de defesa do direito à habitação e para tal é preciso pôr um travão aos interesses da especulação imobiliária e do turismo. É necessária a imediata revogação da Lei Cristas. É necessário um programa de casas públicas para arrendar, acessíveis ao salário médio português. É necessário que o Governo defina que as rendas devem estar indexadas a um terço do salário mínimo, como forma de assegurar que até os rendimentos mais baixos têm direito a uma habitação digna. É necessário, por fim, controlar o turismo e a especulação imobiliária, o que implica proibir a construção de mais hotéis e unidades de alojamento local, assim como um número máximo de estadias por habitante.
Mercado de trabalho
O acordo de Concertação Social, alcançado pelo Governo PS e os patrões, mantém a precariedade, não fomenta a negociação coletiva e mantém os baixos salários. Como é possível que, em Portugal, cerca de 500 mil trabalhadores não consigam viver do seu salário?
Antes de mais, trabalho igual tem de ter direitos e salário iguais, entre homens e mulheres, nacionais e imigrantes. É necessário o aumento geral dos salários, a começar pelo aumento do salário mínimo para os €750. Recuperação do valor pago pelas horas extraordinárias. É urgente o combate à precariedade e à facilidade de despedimento assim como o fortalecimento da contratação coletiva. Fim das ETTs e efetivação ao fim de um ano de trabalho. Reposição integral das carreiras de todos os funcionários públicos. É necessário defender o interesse e direitos dos jovens trabalhadores que chegam pela primeira vez ao mercado de trabalho.
Mulher
Numa sociedade cujas atividades são ainda divididas de acordo com o sexo, todas as fragilidades dos serviços públicos acabam por recair sobre as mulheres. Esta situação assume contornos ainda mais gravosos nas situações em que as mulheres pertencem às classes sociais mais baixas ou a grupos sociais não-brancos.
Para além do investimento nos serviços públicos já referidos, é urgente o investimento numa rede nacional de creches públicas, acessível a todos. Para além disso, todas as empresas com mais de 200 trabalhadores devem ser obrigadas a facultar serviços de creche e alimentação.
A violência sobre as mulheres é outro dos problemas sociais que se vai arrastando, sem que os os agressores sejam devidamente punidos. Estamos a falar da violência física, do assédio moral e do assédio sexual.
O Governo PS tem de investir num sistema público, especializado e integrado para a identificação, apoio e resolução de casos de violência doméstica que vá desde os serviços de saúde, educação, às autoridades, tribunais e Ministério Público. O OE2019 deve ainda prever o desenvolvimento de uma rede nacional de esquadras de combate à violência machista, assim como um plano nacional de combate ao machismo nos serviços públicos. O OE2019 deve ainda prever 0,5% para combate ao machismo!
Não há dinheiro?
Os cofres do Estado têm sido um sorvedouro de dinheiro para os negócios privados. Seja através das PPPs; seja através da privatização de serviços públicos; seja através da venda de sectores estratégicos e lucrativos, como a EDP, a REN, os CTT, a TAP, a ANA, a Galp ou a PT; seja através do patrocínio que tem sido prestado à banca. Basta de destruir recursos públicos em negócios privados!
A esquerda não pode aceitar um OE2019 igual aos anteriores. Investir na Saúde e Educação implica que o PS se comprometa com a reposição total do tempo de serviços dos professores e restantes funcionários públicos, investimento no SNS e a revogação das medidas laborais da Troika. Sem isso, a esquerda deve votar contra o OE2019.
Os trabalhadores não estão satisfeitos. Professores, enfermeiros e demais profissionais da saúde, trabalhadores da CP, estivadores e muitos outros têm lutado pelos seus direitos. Só exigem o que é seu: salários dignos, reposição do tempo de serviço e respeito pela contratação colectiva.
É preciso unir estas lutas, basta de lutar cada um para seu lado. A esquerda e a CGTP e restantes movimentos sociais, em vez de apoiar o PS, devem unir-se para lutar e exigir mais. Uma Greve Geral da Função Pública unitária de 2 dias, a meio da semana, pelo respeito das carreiras e pelo investimento na Saúde e Educação, é possível. Sair à rua pela revogação das leis laborais da Troika, pela Educação, Saúde e Habitação é possível e necessário!