Os casos de assédio sexual e violações envolvendo figuras mediáticas tem estado nas bocas do mundo. O pontapé de saída aconteceu quando várias mulheres se chegaram à frente e falaram sobre casos de assédio envolvendo Harvey Weinstein, um produtor americano. Logo de seguida começaram a chover relatos e denuncias que chocaram o público e deixaram evidente os problemas graves decorrentes do machismo, invisibilizados, silenciados e negados nos medias e pela sociedade em geral. Sylvester Stallone, Jamie Foxx, James Franco, Michael Douglas, Aziz Ansari, Donald Trump, Dominique Strauss Kahn…a lista é interminável e continuamos a somar o número de mulheres que ganham coragem e denunciam a violência de que foram alvo. A campanha #MeToo ganhou grande visibilidade e foi usada por milhares de mulheres para divulgar os seus casos pessoais, de forma a quebrar o silêncio e o isolamento que muitas vezes sentimos nestas situações. As grandes mobilizações de mulheres, no 8 de Março e as reações gigantescas aos ataques que nos são dirigidos também tem contribuído para construir a resistência, criando um sentimento de solidariedade e união de que ultrapassa as fronteiras, as nacionalidades e junta o grito contra a opressão institucionalizada, contra a justiça machista, contra todas as agressões do dia-a-dia.
Os últimos casos que abalaram as notícias foram as de Brett Kavanaugh e de Cristiano Ronaldo (CR7).
Kavanaugh, nomeado para o Supremo Tribunal por Trump, já foi denunciado por três mulheres por violação e assédio sexual mas continua o seu percurso. A Greve Internacional de Mulheres convocou um protesto esta semana contra a nomeação deste juiz, com base na sua história de violência sexual mas também pelo perigo que representa para as mulheres norte-americanas no futuro, podendo contribuir para aprofundar os ataques aos direitos reprodutivos e aos direitos das trabalhadoras nos EUA.
CR7 foi acusado de ter violado Kathryn Mayorga, em 2009. Na altura Kathryn fez queixa na polícia em Las Vegas (Nevada) mas no ano seguinte assinou um acordo com o Ronaldo para não vir a público com a acusação. Este ano decidiu quebrar o silêncio e CR7 está envolvido numa grande polémica, tentando escapar entre os pingos da chuva. Veio a público dizer “Nego terminantemente as acusações de que sou alvo. Considero a violação um crime abjeto, contrário a tudo aquilo que sou e em que acredito. Não vou alimentar o espetáculo mediático montado por quem se quer promover à minha custa”[1] mas os relatos de 2009 são totalmente diferentes. As palavras de Ronaldo ficaram documentadas – “Ela continuava a dizer não, não faças isso” – alegando até que ele próprio pediu desculpa no final. Ronaldo, figura tão querida dos portugueses, é criticado por uns e protegido por outros, como o seu clube, Juventus, que diz que o jogador demonstrou imenso profissionalismo desde que chegou e não existem razões para acreditar nas alegações. Ronaldo, como tantos outros acusados, culpa a vítima. Deslegitima a sua denúncia. Silencia os seus argumentos. E ainda diz que Kathryn faz isto para ganhar “visibilidade mediática”. Contratou o mesmo advogado que defende Cavanaugh, um dos advogados mais poderosos nesta área e arma-se para destruir novamente a vida de Kathryn e provavelmente não deve ser condenado, como tantos outros. Esta justiça também agride e mata as mulheres quando se coloca do lado do agressor, procurando todas as formas de denegrir e desmentir as acusações. Há uma incompreensão gigante e uma conivência grande quando se fala de violência machista. Todas nós conhecemos os argumentos. Mas há que deixar claro que “Não é NÃO”. Não nos interessa fazer uma leitura das intenções de Kathryn ou de Cristiano. Os factos estão em cima da mesa, Kathryn disse “não, pára”, várias vezes, ao avanço de Ronaldo, facto que foi admitido e corroborado pelo mesmo, não apenas verbalmente mas por escrito.
O facto de Kathryn se ter deslocado ao quarto de Cristiano em nada desvaloriza o seu “não” ou “pára”, porque um “não” a um avanço sexual tem de ser “não”, assim como um “pára” tem de ser pára, sob qualquer circunstância. Caso contrário, estará ultrapassada a linha do sexo mutuamente consensual e entraremos no campo da imposição, da humilhação, da violação. Não é pela figura envolvida nos ser querida que o “não” a um avanço sexual seu se tornará num “sim”.
Mesmo sendo Ronaldo uma figura de destaque e um dos melhores atletas e jogadores de que temos memória, isso nunca serve para desculpar ou ignorar o acontecido, nem nos deve inibir de condenar e exigir justiça. Não podemos assobiar para o lado. CR7 deve responder pelo que fez.
A pergunta que muitos fazem sobre estes casos, alguns ocorridos há algum tempo, é sempre “Porquê denunciar agora?”. Nós respondemos que finalmente começamos a ganhar coragem para denunciar. Os crimes sempre aconteceram. Somos alvos de machismo quotidianamente, muitas vezes culpando-nos individualmente, sem saber a quem recorrer, como resolver, com medo, vergonha, culpa. Devemos dizer às mulheres que denunciam, que dão a cara, que acreditamos nelas. Que as ouvimos. Que estamos solidárias. Que queremos encher as ruas com milhares de pessoas para que a violência machista seja combatida. Devemos fortalecer-nos para que mais mulheres possam quebrar o silêncio e para que a nossa resistência cresça. A cada denúncia de violência machista, devemos responder que não dá mais, não aguentamos mais. As nossas vidas valem muito, merecemos viver seguras.
As respostas nas ruas são muito importantes – devemos replica-las, fortalece-las rumo a uma Greve Internacional de Mulheres no dia 8 de Março de 2019.
Basta de violência machista!
Punição efetiva dos agressores!
018/10/03/sociedade/noticia/cristiano-ronaldo-a-violacao-e-um-crime-abjecto-1846131