A Justiça agride as mulheres

O caso julgado recentemente no Porto, referente à violação de uma jovem por dois homens, em Gaia, causa em nós uma profunda revolta, somando-se a vários outros casos que temos assistido nos últimos meses, que deixam muito a desejar no que toca ao julgamento de crimes de violência contra as mulheres. Sobre esta violação, ouvimos falar de “sedução mútua”, demasiado álcool, danças provocantes, como justificativas e atenuantes. Sobre o caso de violência doméstica em que um homem agrediu violentamente a esposa, o juiz do Porto atenuou a pena pelo facto de a mulher ter um amante, recorrendo à Bíblia e ao antigo Código Penal para argumentar. Sobre o caso La Manada (no Estado Espanhol) em que cinco homens violaram uma jovem de 18 anos, um Tribunal de Navarra condenou somente por abuso sexual, mas absolveu do delito de agressão sexual (violação), dando pena suspensa e pagamento de fiança de 6 mil euros.

 Quem leu a descrição da violação da jovem em Gaia certamente percebe a gravidade da situação, o à vontade dos agressores e a violência e brutalidade com que esta mulher é tratada, tanto por parte dos violadores como por parte de todo o sistema judicial português.

Ao ler a nota sobre o caso – “A culpa dos arguidos situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua, ocasionalidade (não premeditação), na prática dos factos. A ilicitude não é elevada. Não há danos físicos [ou são diminutos] nem violência [o abuso da inconsciência faz parte do tipo][i] – e ao entender a pena que foi aplicada, nesta caso, pena suspensa, ficam evidentes as falhas gravíssimas que existe num combate sério e comprometido com a violência contra mulheres em Portugal.

Marcos e Paulo foram apenas condenados “pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência“, que resulta numa pena mais ligeira, não tendo em conta todos os elementos – o não uso de preservativo e a violação por duas pessoas, por exemplo. Marcos e Paulo demonstraram arrependimento somente no que toca aos efeitos negativos nas suas vidas pessoais, nunca admitindo a gravidade, a violência e a brutalidade do ato que perpetraram. Deveriam ter sido condenados com pena máxima, sem possibilidade de suspender, deveria ter sido inscritos na lista de agressores sexuais, deveriam ter sido aplicadas penas acessórias, deveria ser impedidos de trabalhar em funções em que fiquem responsáveis por outras pessoas, nomeadamente em bares e discotecas.

Nada disto ocorreu.

Marcos e Paulo saem em liberdade, com pena suspensa. Para fora parece até que ela é que é culpada, porque bebeu demais e se calhar tinha uma saia curta.

 Que saída para as mulheres?

Estamos fartas – fartas de ser montra, de ser objeto, de ser sexualizadas, agredidas, abusadas. Fartas de ganhar menos, de perder direitos. Fartas de juízes, tribunais e  instituições que não nos protegem e nos deixam com o ónus da culpa.

Por todo o mundo sopram os ventos da resistência feminina – desde a América Latina, às mulheres contra Trump e Bolsonaro, passando pela Irlanda, Argentina e Brasil na luta pelo aborto legal e seguro e as mobilizações gigantes do 8M, especialmente a greve no Estado Espanhol, que colocou mais de 5 milhões de grevistas em marcha e que dias mais tarde encheu as ruas contra a manada, até ao Médio Oriente, com por exemplo, a resistência curda encabeçada por mulheres.

 Em Portugal, o atual governo do PS, com apoio parlamentar do BE e PCP, prometeu “assegurar a coordenação e acompanhamento de todas as estratégias transversais de combate à violência de género e violência doméstica, enfatizando as ações de formação, sensibilização, prevenção e aprofundamento do conhecimento, devidamente articuladas com as forças de segurança, o sistema judicial e os mecanismos de proteção social”. Que resposta tem o PS para esta jovem violada ou para a mulher agredida pelo marido? Ou para as outras todas que enfrentam o machismo institucional, enraizado e violento em todas as esferas da sua vida? De que forma é que BE e PCP colocam as reivindicações e as lutas das mulheres no Parlamento e no Orçamento de Estado de 2019?

As mobilizações do 8 de Março, as respostas nas ruas contra as injustiças machistas evidenciam que as mulheres portuguesas reivindicam uma mudança radical. Juntamos as nossas vozes aos milhões de gritos que explodem pelo planeta e exigimos o fim da violência machista.

Exigimos a prisão efetiva para os agressores, com penas mais duras e o fim das penas suspensas! Basta de justiça machista!

Exigimos proteção imediata das vitimas, com medidas de restrição de proximidade assim que ocorre uma denúncia de violência machista!

Exigimos a criação de infra-estruturas  de apoio especializados, munidas de pessoal formado, com capacidade de responder aos casos de violência machista!

Exigimos que o Orçamento de Estado de 2019 se comprometa com um investimento sério de combate à violência na ordem dos 0,5%

A nossa luta leva-nos às ruas e não nos calaremos – dia 28 de Setembro, às 18h30, na Praça da Figueira (Lisboa), vamos dizer basta à violência machista! Junta-te a nós!

Artigo de Rebeca Moore

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