Editorial – 9 de Agosto 2018
Aquecimento global e condições meteorológicas extremas, paisagem desordenada, cultura do eucalipto, frágeis meios de prevenção e combate a incêndios são todos eles fatores que contribuem para mais um Verão sob a ameaça dos fogos.
Se a meteorologia não é passível de controlo, todos os outros fatores parecem depender das políticas que vão sendo implementadas pelos sucessivos governos. A paisagem florestal é passível de ser pensada e organizada, as espécies florestais são passíveis de serem programadas e controladas, a manutenção e vigia das florestas é passível de ser implementada, os meios de combate a incêndios são passíveis de serem reforçados, equipados, profissionalizados e bem treinados.
Sem as necessárias políticas prévias, o combate aos incêndios é muito dificultado. Já o vimos no último ano. Só o Governo parece não ter aprendido nada.
O Governo dá ares de se mexer muito, acabando por não fazer nada. Pretendeu impor o ordenamento do território através da aplicação de multas a quem não limpasse os seus terrenos e aumentou o número de operacionais de combate aos fogos, mas não dedicou qualquer investimento a uma séria organização territorial, reconversão florestal, abertura de vias de acesso, desbastação de vegetação ou formação de guardas e equipas de manutenção florestal para prevenir fogos incontroláveis.
Por outro lado e mais grave ainda, o eucaliptal mantém-se e vai sendo renovado. “Há programas de empresas de celulose a ser apoiados por fundos governamentais e europeus para requalificar eucaliptais em zonas ardidas. Mas os projetos de sementeira da floresta autóctone são ignorados, embora a procura destas sementeiras não pare de crescer. E quase só há sementes de eucalipto para plantar”[1].
O critério do Governo continua a ser a rentabilidade e esta é tanto maior e mais rápida, quanto maior for a percentagem de eucaliptos na floresta. “Depois de Pedrógão Grande, o Governo tinha prometido não expandir as áreas de eucalipto, mas admitiu replantações onde já existia […] financiada, precisamente, pelo Estado”[2].
É necessário que o Governo, que se diz de esquerda, enfrente a indústria da celulose que é quem lucra com a floresta como ela se encontra: uma monocultura de eucaliptos. E a indústria da celulose tem nome: Navigator Company (ex-Grupo Portucel Soporcel), Altri (Celtejo), Semapa, Celbi, Celpa, Caima, Renova. Três delas estão cotadas no PSI20, ou seja fazem parte das 20 mais poderosas empresas portuguesas.
António Costa não só mostra que não aprendeu nada com os incêndios do ano passado, como ainda faz questão de evidenciar a sua indiferença afirmando que Monchique é a exceção de que tudo está bem. Um incêndio que lavra há sete dias.
Marcelo Rebelo de Sousa, por sua vez, vai aproveitando a tragédia anual dos incêndios em proveito próprio, preparando a sua candidatura ao segundo mandato, com a cobertura privilegiada da comunicação social, pouco contribuindo para uma séria resolução do problema.
A verdade é que enquanto a prioridade do Governo for o alcance das “metas de Bruxelas” e a defesa da rentabilidade privada das florestas, não haverá investimento público nas florestas. Este é mais um governo que nos condena a ser vítimas dos fogos completamente incontroláveis.
O Governo PS teima em não investir aquilo que deve na floresta e no meio ambiente e a esquerda parlamentar que o apoia, BE e PCP, teima em não lhe fazer oposição, deixando espaço aberto à direita. Esta política tem-nos saído cara, muito cara. No ano passado, isso materializou-se em dezenas de vidas perdidas.
Olhemos para o território ardido, para o SNS em rutura e para a Escola Pública em destruição. São apenas alguns exemplos da destruição do investimento público, sob a condição de atingir as “metas de Bruxelas”. Basta!
Parece que Governo só enfrentará os interesses privados das celuloses se for confrontado com uma forte mobilização popular, que mostre a todo o país que os incêndios não são meras catástrofes naturais, mas sim o resultado das politicas dos sucessivos Governos PS/PSD/CDS-PP. A esquerda e os movimentos sociais ambientais têm a obrigação de tomar a dianteira e sair à rua, antes que isso seja feito pela direita e até extrema-direita, como aconteceu o ano passado.
É necessário investimento, muito investimento público nas nossas florestas, na defesa do nosso meio ambiente, na defesa das populações que vivem no interior, na defesa do ordenamento e organização territorial, nos meios de prevenção e combate a incêndios. Isto só será conseguido através do controlo público da indústria da celulose. Os rendimentos desta indústria devem ser usados para pensar, proteger e investir na própria floresta.
Estamos nas vésperas do Orçamento do Estado para 2019. Este tem de prever o investimento necessário à proteção das nossas florestas e meio ambiente.