Editorial – 24 de Julho 2018
Crise na Geringonça
A Geringonça tem revelado, nos últimos tempos, alguma fricção. Alguns dos casos que têm gerado mais desconforto estão relacionados com a alteração às leis laborais, as rendas da EDP e a recuperação da carreira docente.
No próximo ano haverá eleições europeias e legislativas. A recuperação eleitoral do PS e os sinais de abrandamento da economia, a nível mundial e no país, com as suas consequências sobre as “metas orçamentais” fazem com que o PS se lance mais afincadamente na conquista do centro e aposte na tentativa de alcançar a maioria absoluta, levando a uma aproximação da direita. É precisamente neste contexto que se enquadra o braço de ferro entre Governo e professores. O Governo tenta passar a imagem para o país de que é prudente com as contas públicas e que não “privilegia corporações profissionais” tentando assim ganhar a simpatia do eleitorado mais do centro.
Em todas as matérias em que o PS consegue acordos com a direita, como no caso da regionalização ou da aprovação da legislação laboral, prejudicial aos trabalhadores, BE e PCP vêm o seu papel paulatinamente enfraquecido e secundarizado. Chegamos assim à discussão do Orçamento do Estado para 2019 (OE19) em que o PS quer mostrar, pelos motivos já referidos, um serviço de contenção de contas, enquanto que BE e PCP querem ter do seu lado algumas medidas que possam dizer que se deveram à sua pressão junto do Governo. Esta contradição, com os olhos nas eleições, explica boa parte dos desaguisados e “ultimatos” a que temos assistido ultimamente.
OE19 – Não há dinheiro para quem?
Desde o inicio da legislatura e apesar da austeridade ter continuado com este Governo PS, embora em doses e formas diferentes do anterior, ninguém ainda se tinha atrevido, até agora, a utilizar a famosa expressão de Passos Coelho e Vitor Gaspar: “não há dinheiro!”[1].
No entanto, António Costa parece estar cada vez mais parecido a Passos Coelho quando repete afirmações iguais e com o mesmo conteúdo político. E não é o único, Mário Centeno, Ministro das Finanças e Presidente do Eurogrupo, segue a mesma linha e numa entrevista ao jornal Público refere que o “OE é para todos os portugueses”[2] e não dos professores.
É preciso muita desfaçatez de Mário Centeno e do Governo que, em 2 anos e meio, já enterraram na banca mais de 10 mil milhões de euros (mais que o Governo da direita) vir agora dizer que não existe dinheiro para descongelar a carreira docente.
Na verdade, nesta entrevista, o Governo, por intermédio de Mário Centeno, tenta ganhar a população para estar contra a luta dos professores com o intuito de dividir a classe trabalhadora e colocar trabalhadores/as contra trabalhadores/as. É importante combater a atitude do Governo de dividir a nossa classe. Não podemos deixar que enganem os/as trabalhadores/as que não são professores, colocando-os contra quem como eles vive só do seu trabalho. Além de que os professores lutam para recuperar os seus direitos, e isto é do mais elementar dever, não só para os professores, mas para todos os que vivem do seu trabalho. Qualquer sector da classe trabalhadora sejam estes professores, operários da Autoeuropa, ferroviários estivadores ou outros, caso sejam derrotados na tentativa de recuperar os seus direitos roubados, desencadearão um conjunto de consequências para toda os/as trabalhadores/as. Pois é sempre à classe trabalhadora, no seu conjunto, que o Governo vai tentar encurtar direitos e salários para entregar à banca ou a negociatas privadas, como é o caso, por exemplo, das dispendiosas PPPs.
É preciso ser claro: Mário Centeno e o Governo estão muito pouco preocupados com “todos os portugueses”. O dinheiro que o Governo da direita roubou aos professores e que este Governo continua a não devolver, não é para o IP3[3], como disse António Costa, há algumas semanas nem é para melhorar a vida dos/as trabalhadores/as. A preocupação do Ministro das Finanças e do Governo PS é com os que são donos de bancos e de grandes empresas, bem como com as regras da União Europeia, que o Governo tenta sempre privilegiar com a sua política.
Na tal entrevista que Mário Centeno passa mais de metade a dizer que não há dinheiro para os professores, porque o OE tem que ser “sustentável” com os “recursos disponíveis”, etc. cai-lhe a mascara quando surge a última questão do jornalista sobre “se o Novo Banco vai precisar de novas injeções de capital?”. Aí o caso muda de figura e estranhamente o Ministro das Finanças deixa de ser tão perentório na resposta e não diz que há limitações de dinheiro nem nada parecido, deixando mais uma vez em aberto uma possível ajuda ao Novo Banco, caso este volte a precisar. Estas são as prioridades do Governo PS, que não são de agora, mas que vão revelando as suas semelhanças com o Governo de Passos Coelho: prioridade à banca em detrimento dos serviços públicos como a Saúde, Educação e os direitos dos/as trabalhadores/as.
É precisamente por isto que a luta dos professores deve ser apoiada porque é uma luta por mais e melhores serviços públicos. Não haverá educação de qualidade humilhando e retirando direitos aos professores. É preciso fazer o inverso, valorizar os professores e dar-lhes as melhores condições para que desenvolvam a educação dos alunos da melhor forma possível. Bem como na saúde onde a percentagem do PIB atribuída pelo Governo aos cuidados prestados nas unidades de saúde é menor do que nos anos da crise[4].
O que impede a construção do IP3 não é a recuperação de direitos por parte dos professores, mas sim a prioridade que é dada às despesas com a NATO. Há cerca de 3 semanas, António Costa e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, comprometeram-se com um “plano para atingir 2% do PIB em despesas com Defesa até 2024”, após a pressão exercida pela figura inenarrável do Trump.
Está visto que há dinheiro! Mas o dinheiro vai para a NATO, Banca e privados!
Greve dos professores: unificar as lutas!
A luta dos professores que já dura há quase 2 meses tem posto a nú o verdadeiro caráter deste governo. As atitudes arrogantes, antidemocráticas e de intimidação do Governo PS aos professores, bem como o seu caráter de defesa dos interesses dos ricos e banqueiros têm ficado mais claros. Esta greve começou no dia 4 de Junho, marcada pelo recém criado sindicato de Todos os professores, o S.TO.P. que tem seguido juntamente com os professores uma luta exemplar de combatividade, democracia e persistência na recuperação dos seus direitos.
Mas os professores não são o único sector em luta. Os últimos meses têm sido marcados por várias lutas como a dos enfermeiros, técnicos de saúde, guardas florestais, CP, Call-Centers, Efacec, Sumol/Compal etc. E porque razão estes sectores saem à rua separados? CGTP, BE e PCP têm a obrigação de potenciar estas lutas, unindo-as. Até porque todas elas têm reivindicações muito semelhantes: reconquistar direitos roubados pela direita.
Para além disso, BE e PCP, têm o dever de não aprovar qualquer Orçamento do Estado que não contenha o necessário investimento nos serviços públicos e que não contemple o descongelamento da carreira docente. Se o país cresceu com o trabalho de todos nós, isso tem de reverter na melhoria das condições de vida de todos nós.
A união faz a força. É preciso unificar estas lutas! Só com estes sectores todos unidos a sair à rua ao mesmo tempo será possível, de facto, influenciar o Orçamento do Estado de 2019 e recuperar direitos. Caso contrário, assistiremos a mais do mesmo.
Reconhecimento total da carreira docente! Investimento nos serviços públicos! É urgente unir as lutas dos diversos sectores em luta!
Se o país cresceu, queremos os nossos direitos de volta!