Editorial – 4 de Julho 2018
As injeções massivas de capitais por parte do BCE têm servido para salvar bancos e acalmar os efeitos económicos, financeiros e sociais da crise. No entanto, a crise não está resolvida. O relativo crescimento que se tem feito sentir fez abrandar o aumento das doses de austeridade mas não reverteu os duros cortes aplicados nos últimos anos
Bruxelas e o BCE, através do cumprimento das metas do défice, forçam a que a austeridade se mantenha e possa até voltar a aumentar.
Daí que as condições de trabalho e de vida dos povos europeus estejam há uma década em declínio acentuado, gerando descontentamento generalizado com repercussões políticas sobre todos os quadrantes. Em traços gerais, os tradicionais centrões políticos travaram as quedas acentuadas, sem ter revertido as duras perdas dos últimos anos. A esquerda mantém as dificuldades em apresentar um plano alternativo ao actual status quo, conciliando permanentemente interesses com aqueles que nos têm governado nas últimas décadas. A direita e extrema-direita, por sua vez,aproveitam o descontentamento generalizado com a política de austeridade da UE para agitar os velhos espetros reacionários, racistas e xenófobos e ir ganhando influência política.
O Conselho Europeu adere à xenofobia e racismo
A rejeição do Governo italiano à entrada de barcos com refugiados vindos do Norte de África, deixando-os à deriva no mar Mediterrâneo, desencadeou uma crise diplomática entre vários Estados da UE. De um lado, estão aqueles que querem controlar as suas fronteiras unilateralmente e, do outro, estão aqueles que querem, igualmente, controlar as suas fronteiras, mas de forma concertada, com os restantes Estados da UE.O projecto europeu de solidariedade e de democracia, que nos têm vendido nas últimas décadas, não passa de uma farsa. Quando é verdadeiramente necessário, verifica-se que não existe.
O Conselho Europeu, reunido nos dias 28 e 29 de Junho, serviu para tentar matar dois coelhos de uma cajadada: (i) desanuviar o ambiente de instabilidade com que a questão migratória voltou a assolar a UE; e (ii) tentar diminuir os elementos de crise, no interior do Governo alemão, aparentemente dividido sobre aquela mesma questão.
O acordo alcançado, entre os vários Estados da UE, sobre a migração teve como ponto principal a disponibilização de fundos para a criação de “centros de controlo” nos vários países da UE, para onde os refugiados serão enviados enquanto são processados os seus pedidos de asilo. Serão ainda disponibilizados fundos para a criação de “centros de controlo” nos países de saída de refugiados, nomeadamente, do Norte de África e Médio Oriente.
Para além disso, o acordo estabelece ainda que não serão tomadas medidas adicionais com a finalidade de melhorar o acolhimento de refugiados, ficando essa matéria entregue à iniciativa voluntária de cada Estado membro. E será incrementado o combate à “segunda imigração”, migração de refugiados entre vários países da UE na busca de algum país que os aceite, mesmo já tendo pedidos de asilo negados. A redação final do acordo estabelece que os membros da UE devem usar “todas as medidas administrativas e legislativas necessárias internamente” para prevenir o movimento de refugiados dentro da UE.
A semelhança com as políticas de Trump para com as famílias e crianças mexicanas é tão gritante que está afastada a hipótese de mera coincidência.
Segue-se o acordo entre os partidos integrantes do Governo alemão
O Governo alemão tem atravessado, no último mês, uma grave crise entre os partidos de direita que o compõem: a CDU, de Merkel, e a CSU, de Seehofer, que ocupa o cargo de Ministro do Interior. Para se compreender a instabilidade desta situação, a aliança entre CDU e CSU já dura há 70 anos e é um dos pilares do sistema político alemão do pós-guerra.
Igualmente sob o contexto de descontentamento popular com as políticas de Merkel e da UE, a CSU pretende evitar uma derrota nas eleições de Outubro,na Baviera, seu bastião político, onde o partido tem perdido muitos votos para a Alternativa para a Alemanha (AfD), organização de extrema-direita, anti-refugiados.
Para tal, Seehofer, já depois das dificuldades em formar governo, ameaçou demitir-se caso Merkel não aceitasse as suas posições sobre a questão migratória. O líder da CSU defendia o reenvio unilateral dos refugiados e migrantes para a fronteira, uma opção rejeitada por Angela Merkel com o argumento de que isso iria criar um “efeito dominó” na Europa, acabando por potenciar o problema em vez de o amenizar. Merkel acabou por convencer Seehofer a aguardar pela referida reunião do Conselho Europeu, onde conseguiu uma mesma orientação para todos os Estados membros, diluindo a sua responsabilidade política e, acabando, assim, por resolver igualmente os seus os problemas internos e manter-se no governo.
No passado dia 2 de Julho, já com a UE alinhada sob a política dos “centros de controlo” e do combate à “segunda imigração”, foi alcançado o acordo entre Seehofer e Merkel. Este acordo adopta a política sinistra do Ministro do Interior, Seehofer, a criação dos tais “centros de controlo” na fronteira entre a Áustria e a Alemanha a partir dos quais os requerentes de asilo que não cumprem os requisitos para o estatuto de refugiado serão enviados para os países onde deram entrada na Europa.
À livre circulação de capitais não corresponde uma livre circulação de pessoas
Esta é a Europa que não mede esforços para resgatar banqueiros mas que não está disposta a esforço algum para criar as condições necessárias ao acolhimento digno de refugiados e migrantes.
A verdade é que depois do pico da crise de migração, em 2015, quando mais de 1 milhão de pessoas chegaram à Europa, este número diminuiu para cerca de 360 mil, em 2016, e 180 mil, em 2017,e cerca de 37 mil refugiados, até agora, em 2018.
As forças de extrema-direita vão cavalgando o descontentamento popular através dos espantalhos do racismo e da xenofobia e, oportunisticamente, os governos de turno, compostos ou não por forças de extrema-direita, vão-se adaptando e adotando aquelas mesmas concepções políticas reacionárias.
Os governos reacionários, racistas e xenófobos de Itália, Hungria, Áustria e Polónia ganharam o Governo alemão e, por arrasto, os restantes Estados da UE para as suas posições sobre a migração de refugiados.
A UE de Merkel acabou de dar carta-branca e de disponibilizar financiamento para a construção de muros e campos de concentração para impedir o acolhimento de seres humanos que fogem da guerra, da perseguição política e da miséria. A História parece voltar a repetir-se.
Esta é a verdadeira face da UE, branda com banqueiros e bárbara com seres humanos que apenas procuram uma vida digna.
Igualmente repudiante é a posição do Governo português que, através do Primeiro-Ministro António Costa, se limitou a obedecer às diretrizes de Merkel, assinando este acordo da vergonha. Para consumo interno o Governo PS diz que Portugal está disponível para receber refugiados, mas na prática, assina um acordo que os rejeita. Tenhamos a noção de que o Governo português é um dos cúmplices da barbaridade que está a ser feita com os elementos mais básicos dos direitos humanos.
As direções de BE e PCP devem combater estes acordos da UE e deixar de apoiar o Governo PS. É necessária uma imediata mobilização internacional de repúdio aos acordos assinados e aos seus efeitos.
Não ao acordo da vergonha! Basta de enterrar dinheiro na banca! Nenhuma vida é ilegal! Por um Europa sem muros nem austeridade!