Editorial – 21 de Junho 2018
O PS, os sindicatos que lhe são afectos (UGT) e os patrões, chegaram a um acordo de concertação social que dizem combater a precariedade e promover a negociação coletiva.
O acordo prevê que os contratos temporários passem a ser sujeitos a um máximo de seis (!) renovações e os contratos a termo certo passem de um limite máximo de três para dois anos (!).
Por contrapartida, passa a ser permitido que os contratos de curta duração passem de um período máximo de 15 para 35 dias e que possam ser celebrados em qualquer sector de actividade. Neste momento, apenas podiam ser celebrados nos setores da agricultura e do turismo, mediante situações muito específicas, mas todos sabemos o abuso que é feito deste tipo de contratos naqueles e em muitos outros setores, sendo um dos mais gritantes, o sector de call-centers.
É ainda proposto que as empresas que recorram sistematicamente à contratação temporária e que ultrapassem a média de contratação temporária do seu sector, paguem uma taxa anual que poderá chegar aos 2% sobre a massa salarial dos trabalhadores com este tipo de vínculo, excetuando os contratos de muito curta duração. Ou seja, o PS propõe punir as empresas que abusem dos contratos de curta duração mas logo a seguir exceptua dessa punição os próprios contratos de curta duração. A contratação temporária para trabalhos permanentes continua a ser permitida e quanto maior for a média de utilização deste tipo de contratação mais precariedade é permitida. Por outro lado, o período experimental é duplicado de 90 para 180 dias.
Relativamente aos bancos de horas, é eliminada a possibilidade de bancos de horas por acordo individual mas os acordos existentes manter-se-ão por mais um ano. Os bancos de horas grupais manter-se-ão, desde que 65% dos trabalhadores votem favoravelmente. Sobre as convenções coletivas, é proposto que qualquer uma das partes envolvidas na negociação possa solicitar uma mediação que ficará a cargo dos árbitros registados no Conselho Económico e Social mas a caducidade das convenções coletivas é mantida.
Sob o mote de combater a precariedade e defender direitos, o PS alia-se aos patrões e à direita para defender os interesses de quem trabalha. Confuso?
O actual acordo de concertação social consubstancia, na prática, a mais importante aproximação entre o PS e a direita, até ao momento, e isso é importante de se assinalar. Tanto assim é que a contestação dos patrões e da direita ao actual acordo é praticamente inexistente. Marcelo Rebelo de Sousa diz que o acordo alcançado é “sensato, equilibrado e oportuno”… para os patrões – acrescentamos nós.
A verdade é que o presente acordo mantém o Código do Trabalho praticamente inalterado face ao que foi deixado pela direita e a Troika. Não des-Troika o Código do Trabalho, mantém a precariedade, não fomenta a negociação coletiva.
A aproximação entre o PS e a direita tem sido aliás um comportamento que se tem vindo a consolidar nos últimos meses.
A falta de oposição do BE e PCP e a consequente estabilidade governativa têm resultado na recuperação eleitoral do PS, o que lhe tem trazido uma vantagem negocial que este vai aproveitando cada vez mais em seu benefício.
O presente acordo é disso reflexo. Em primeiro lugar, deixa evidente que a influência política do PS é já suficiente para garantir uma boa quota de independência face a BE e PCP. Em segundo lugar, cria o ambiente para que o próximo Orçamento do Estado (OE) seja pautado por um peso muito menor da “influência” da esquerda. Em terceiro lugar, lança a responsabilidade de uma possível instabilidade governativa para o colo da esquerda, esta sim completamente refém do Governo PS.
As cedências do PS à direita são, portanto, o resultado do apoio do BE e do PCP ao Governo PS. Com a recuperação do PS, a retórica de “virar a página da austeridade”, do início da legislatura, tem vindo a perder espaço para a de “atingir as metas do défice” que parece pautar, cada vez mais, a fase final do mandato. A verdade é que a recuperação de rendimentos e de direitos fica muito aquém daquilo que nos foi prometido pelo actual Governo no início da sua legislatura.
BE e PCP, ao invés de aprovarem os sucessivos OEs do PS, devem apoiar-se e fortalecer, em conjunto com o movimento sindical, a contestação que vai ressurgindo para conquistar as medidas que defendam, efetivamente, os interesses de quem trabalha, combatam a precariedade e privilegiem a contratação coletiva. Já a CGTP não basta ficar de fora do acordo e denunciar aquilo que o acordo não alcança. É necessário que una as lutas de todos os setores em mobilização, nomeadamente, da função pública para conquistar direitos.
É urgente a redução da jornada de trabalho, com 35 horas de trabalho semanal no público e no privado. É necessária a recuperação do descanso compensatório devido por trabalho extraordinário. É necessário o aumento geral dos salários, a começar pelo aumento do salário mínimo para os €750. Recuperação do valor pago pelas horas extraordinárias. É urgente o combate à precariedade e à facilidade de despedimento assim como o fortalecimento da contratação coletiva. Fim das ETTs e efetivação ao fim de um ano de trabalho. Reposição integral das carreiras de todos os funcionários públicos. É necessário defender o interesse e direitos dos jovens trabalhadores que chegam pela primeira vez ao mercado de trabalho. É necessário combater as desigualdades salariais e de direitos entre homens e mulheres. Se o país cresceu, queremos os nossos direitos de volta!