Esta semana, foi noticiado um estudo da UMAR sobre a violência de género, em contexto académico, mais especificamente na Universidade de Coimbra (UC). Não é por acaso que a UC é referida. Há vários anos que surgem, em Coimbra, denúncias, campanhas e colectivos que querem que se faça luz sobre as situações de violência que ocorrem e que são quotidianamente ignoradas. É importante referir que Coimbra não é a excepção. Por todo o país e pelo mundo a violência de género atinge números verdadeiramente assustadores, atravessando todas as faixas etárias, evidenciando que nós, mulheres, somos encaradas de forma diferente, tratadas de forma diferente. Por sermos mulheres. O nosso género dita a nossa sentença nesta sociedade machista.
Sobre o estudo, das inquiridas, 94% afirmou já ter sido alvo de algum tipo de assédio sexual, 21,7% de coerção sexual e 12,3% admitiram já terem sido violadas [1]. Os números não mentem, estamos perante um problema grave, que não afecta só mulheres que trabalham, a violência é gritante, normalizada e naturalizada, em todos os meios. A violência no namoro manifesta-se de várias formas, desde a invasão da privacidade, controlo sobre as roupas, amigos e saídas, relações sexuais forçadas, agressões físicas, ameaças de morte, violência psicológica. Existe também uma incompreensão da complexidade da violência nas relações, dizendo-se muitas vezes que “as mulheres que se mantêm nas relações violentas são masoquistas” ou então que algumas situações de violência doméstica são provocadas pelas mulheres [2]. A culpabilização da vítima contribui, como sempre, para o silenciamento e reprodução de múltiplos acontecimentos de violência sobre a mulher.
Muitos dos casos nem chegam a ser denunciados porque há uma legitimação dos comportamentos agressivos, uma incompreensão do que são comportamentos abusivos, gerando medo, vergonha e culpa nas vítimas. Os meios de denúncia, de protecção e de justiça são inexistentes, insuficientes e muitas vezes ineficazes, sendo que só uma em cada dez vitimas efectiva a queixa e recorre a apoios [3]. As mulheres são silenciadas e apagadas, em todos os contextos. Apresentar queixa numa esquadra, mesmo que especializada, em vez de ser a solução é todo um problema acrescido, onde as mulheres são sujeitas a perguntas como “O que fizeste para o motivar?”, “Porque o fizeste?”, “O que tinhas vestido?” ou então “conversem entre vocês que a situação resolve-se, não há necessidade de tanto alarido!”. Quando chegamos à justiça, há possibilidade de ouvirmos citações da Bíblia ou de peças medievais de teatro para ilibar o agressor.
Precisamos de uma mudança de paradigma. Basta da conivência, do silêncio e da ineficácia. Desde as universidades aos tribunais, passando pelas nossas casas e locais de trabalho, nós, mulheres, precisamos de nos defender e ser defendidas.
As universidades deviam ocupar a linha da frente do combate às opressões, desde as estruturas de representação das/os estudantes, como a Associação Académica de Coimbra, às direcções das instituições, denunciando o que está mal, mostrando a quem sofre que não estão sozinhas e que existe uma estrutura pronta para dar todo o tipo de apoio necessário. É necessário levar a cabo um sério combate às discriminações que nos cercam e nos dividem, em força e em voz. Enfrentar a opressão contra a mulher, o racismo, a xenofobia e a LGBTQI+fobia é fulcral na conquista de uma educação pública de qualidade.
Devem existir estruturas e mecanismos especializados dentro das universidades que funcionem como um espaço de apoio a todos e a todas que sofrem de opressão e/ou discriminação (inclusive, prestar apoio jurídico às situações que necessitem dele) e que se responsabilizem também pela organização de debates, campanhas de sensibilização e espaços de discussão. Estas estruturas, desde as Associações de Estudantes a outros organismos institucionais, devem aderir e apoiar todos as causas, eventos e projectos de combate às opressões (Marcha LGBT, dias de consciencialização, etc.), não para cumprir calendário, mas para se colocar do lado de quem é oprimida/o, num combate quotidiano e efectivo, nos corredores, praças, festas académicas a todo tipo de opressão, violência e discriminação. É necessário que o Governo PS, apoiado pelo BE e PCP, cumpra com um programa efectivo de combate ao machismo. Pois não basta marcarem presença nas ruas no Dia Internacional da Mulher ou no Dia Contra a Violência sobre a Mulher e, de seguida, aprovarem conjuntamente sucessivos Orçamentos do Estado que cortam na Saúde, na Educação e nos demais serviços públicos e não preveem qualquer investimento no combate à violência sobre a Mulher. Basta de violência machista!
Rebeca Moore
Notas