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“Foi uma greve ainda inicial mas muito aguerrida”


No dia 8 de Maio os trabalhadores do call-center da Teleperformance de Setúbal fizeram greve por melhores salários, estabilidade e contra o assédio moral. Para conhecer melhor esta luta, fizemos algumas perguntas a Manuel Afonso, trabalhador da Teleperformance, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores de Call-Center e militante do MAS.

MAS: No passado dia 8 de Maio houve uma greve de três horas na Teleperformance de Setúbal, explica-nos como correu e que objectivos tinha.

Manuel Afonso: As principais reivindicações eram, e continuam a ser: o aumento de salários e progressão salarial. Exigimos também que a Teleperformance tome medidas concretas para combater o assédio moral e o fim da contratação através da Empresa de Trabalho Temporário, a Emprecede, uma empresa de fachada que só serve para impedir a entrada de trabalhadores nos quadros da Teleperformance. A par disso, queremos que todos os trabalhadores tenham acesso ao prémio de assiduidade, um prémio mensal de 78€ a que os colegas contratados após Novembro de 2014 não tem direito.

A greve correu muito bem. Participaram mais de 50 trabalhadoras e trabalhadores, que às 15h “deslogaram-se” e concentraram-se em frente do local de trabalho. O Sindicato tinha assegurado a existência de um sistema de som que permitiu que todos os trabalhadores que assim o entenderam falassem da sua situação e das suas reivindicações. Além disso foram três horas de animação constante em que se gritaram palavras-de-ordem como “A empresa cresce e os salários não! Estamos fartos desta exploração”. Foi uma greve ainda inicial mas muito aguerrida.

MAS: Qual é a situação dos trabalhadores na Teleperformance e nos call-centers em geral?

MA: Há entre 50 mil a 100 mil trabalhadores de call-center em Portugal. Na Teleperformance somos mais de 8 mil. O CEO vem repetidamente dizer que paga 20% acima da tabela. Isso é falso. Os trabalhadores estrangeiros ou que trabalham em campanhas em língua estrangeira recebem salários superiores, conforme a língua que falem, mas sempre muito abaixo do salário mínimo no país de origem. Já a maioria, que trabalha em campanhas de língua portuguesa, para parceiros tão importantes como Santander, Tranquilidade, FNAC, Ageas, Deco, NOS ou Galp, recebe, salvo raríssimas excepções o salário mínimo e o subsídio de alimentação. Em alguns casos, recebemos também o referido prémio de assiduidade. Esta é a situação de todos os trabalhadores que fizeram greve em Setúbal. Alguns há mais de dez anos sem qualquer progressão salarial.

Em troca estamos a falar de um trabalho extremamente desgastante, muitas vezes por turnos, num ambiente de pressão e controlo permanente. Essa pressão e controlo, a par com a precariedade e medo do despedimento, criam um clima onde o assédio moral é uma prática quotidiana.

MAS: Esta não foi a primeira greve neste call-center. Que caminho percorreram para chegar aqui?

MA: O STCC está presente neste call-center em Setúbal há mais de três anos, inicialmente com um ou dois sócios e posteriormente com uma delegada sindical. Paulatinamente fomos chegando a mais gente, ajudando em diversos problemas concretos que foram surgindo. No ano passado, os trabalhadores de um dos departamentos onde tínhamos sócios chamou-nos, pois não podiam aguentar mais com os baixos salários e estavam dispostos a entrar em greve. Foi uma greve praticamente de um departamento só mas muito determinada, quase espontânea. Não foi fácil, porque a empresa tentou virar os restantes colegas contra os grevistas. Mas a greve foi um sucesso: todo o departamento parou e viemos a Lisboa, protestar junto à Sede da Teleperformance. Embora a empresa se tenha recusado a receber-nos, foi dado um prémio mensal de 150€ não só aos trabalhadores do departamento que fez a greve mas também a outras equipas. Além disso vários trabalhadores foram passados para os quadros da empresa.

Após isso fomos fazendo um trabalho de organização ao longo de um ano, com vários plenários, sindicalização de mais colegas, comunicados etc. Foi um fantástico trabalho não apenas do delegado sindical, como de uma série de colegas que, no dia-a-dia, foram eles próprios expandindo o STCC. Já em 2018, em vários Plenários construiram e votaram um Caderno Reivindicativo que foi apresentado à empresa subscrito por mais de 200 trabalhadores e familiares. Aquando da resposta da Teleperformance – que mais uma vez, recusou-se a receber os trabalhadores e sindicatos – negando “simpaticamente” todos os pontos do caderno, os trabalhadores decidiram voltar à luta. Em Plenário, decidimos começar por uma greve de três horas apenas, pois o objectivo, antes de mais, é chegar aos trabalhadores que ainda não podem, não querem ou receiam lutar, não só em Setúbal mas em toda a empresa.

MAS: Consideras que foi uma greve vitoriosa?

MA: Sem dúvida. Primeiro porque faz parte de um processo, que como disse começou na greve do ano passado e até antes, em que já conseguiu um prémio mensal de 200€ à maioria destes trabalhadores. Não só foi conseguido o prémio de 150€ no ano passado, como já este ano no dia antes do Plenário em que avançamos para a greve, a empresa anunciou que iria dar mais 50€ de prémio mensal! Porém, isto não deteve os trabalhadores que compareceram ao Plenário e escolheram como palavra-de-ordem “Não Lutamos por Comissões, Lutamos por Salários em Condições!”.

Ou seja: os prémios ou comissões com que a empresa “presenteia” os trabalhadores não estão no contrato e podem ser retirados a qualquer momento. Além disso são cortados quando se dá três faltas num mês, mesmo que justificadas. Estas trabalhadoras, na sua maioria são mulheres, com filhos e por vezes outros familiares a cargo e estão obrigadas a faltar para apoio familiar, algo que está previsto na lei. E assim perdem os “prémios”. O mesmo para inúmeros colegas que adoecem, muitas vezes por causa das condições de trabalho ou do assédio moral. Além disso, se mudar de departamento ou campanha, o trabalhador pode perder o prémio, tal como a empresa pode retira-lo caso os trabalhadores desmobilizem. Assim, os colegas de Setúbal recusaram esta chantagem e exigem aumento dos salários-base e progressão salarial.

O objectivo central da greve foi o de reforçar a união e a confiança dos trabalhadores, estimular mais colegas a lutar e mandar um recado a empresa. Nesse sentido, foi um sucesso, apesar de menos de metade dos trabalhadores ter aderido. Nós não inflacionamos os números das greves, como infelizmente é prática no mundo sindcal. Os trabalhadores tem noção que só unidos e chegando aos que ainda não se mobilizam podemos vencer. E que esta greve foi só mais um passo. Já levam algumas conquistas importantes no caminho, mas pretendem continuar. Há poucas vitórias maiores que isso.

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