Editorial – 7 de Maio 2018
Manuel Pinho, ex-Ministro da Economia do Governo Sócrates (2005-2009), é arguido no “caso EDP” por crimes de corrupção e de participação económica em negócio, ou seja, de receber pagamentos do Grupo Espírito Santo (GES), em troca de benefícios económicos à EDP quando aquele grupo financeiro, era então acionista da eléctrica.
Nos últimos dias, têm surgido notícias com informações de que os procuradores do “caso EDP” se têm socorrido da Operação Marquês (onde Ricardo Salgado, Zeinal Bava e José Sócrates são acusados de corrupção) para chegar à conclusão de que Manuel Pinho terá recebido do GES, mais concretamente da ES Enterprises, um total de cerca de 2 milhões de euros. Ou seja, a tal ES Enterprises funcionava, de facto, como um “saco azul” utilizado por Ricardo Salgado para subornar, comprar e corromper quem pudesse servir para beneficiar os seus negócios.
Segundo a Revista Visão, Manuel Pinho terá recebido os 2 milhões de euros entre os anos de 2002 e 2012 e colocado o dinheiro em 4 offshores diferentes. Isto significa que enquanto foi Ministro da Economia, área onde havia negócios em que o GES tinha interesses, este recebia mensalmente cerca de 15 mil euros mensais. Neste período em que Pinho foi Ministro da Economia, chegaram às suas contas, via as offshore Mesete II e via Tartaruga Foundation, mais de 793 mil euros.
Mas importa questionar-nos se o caso de Manuel Pinho é um caso isolado? Será Manuel Pinho o único ministro que recebeu dinheiro de um “saco azul” em troca de favores empresariais? Ou passando para outros casos mediáticos de corrupção, será que a corrupção começou com o Governo Sócrates? O esquema de Ricardo Salgado, o Dono Disto Tudo (lembram-se?), de pagamentos a ministros e primeiro ministro em troca de beneficio do seu banco começou só em 2007? Ricardo Salgado é o único banqueiro que corrompe políticos e coloca funcionários seus em locais de decisão?
É muito provável que a resposta seja negativa a todas estas questões. A comunicação social e a maioria dos habituais comentadores parecem fazer crer que o problema da corrupção está agora a ser resolvido, que o problema eram umas 4 ou 5 maçãs podres, e agora o sistema continuará a funcionar perfeitamente. Mas isso não é verdade.
Este caso é só mais um que demonstra como a corrupção faz parte integrante do capitalismo e que a promiscuidade existente entre políticos e administrações dos grandes bancos e empresas não é uma exceção, mas sim a lógica interna ao sistema. Ou seja, a classe dominante gira em roda viva entre Governos e as administrações empresariais de maneira a tentar valorizar ao máximo possível o seu capital e extrair daí o máximo de benefícios pessoais.
A forma como fazem a valorização do capital pouco interessa, o importante é maximizar o lucro. Essa é a verdadeira lógica do capital e nenhuma outra. Por isso, a corrupção não é um caso especifico português, mas um caso sistémico, que existe em todos os países no mundo. Logo, a impunidade que reina nos crimes cometidos pela burguesia e seus aliados deve ser denunciada e combatida. É por isso que os partidos da classe dominante como o PSD, CDS-PP e PS se sentem incomodados com estes temas e se refugiam numa suposta separação de poderes que, na verdade, não passa de uma desculpa para encobrir os corruptos e a corrupção que é estrutural no sistema e nos seus próprios partidos.
BE, PCP e a esquerda, no geral, devem desenvolver um programa de resposta à corrupção. Não dar resposta ao tema da corrupção ou canalizá-lo apenas para o show dos inquéritos parlamentares, é deixá-la nas mãos da direita que, na verdade, não tem qualquer interesse em combatê-la. Estamos fartos do mediatismo dos inquéritos parlamentares.
Acabar com a corrupção requer um controlo permanente das instituições e dos cargos de direção, assim como o fim do sigilo bancário para as grandes empresas, bancos e respetivas administrações, quer sejam públicas ou privadas.
Todos os setores estratégicos deveriam retornar às mãos do Estado, sem qualquer tipo de indemnização. Um sector assume-se como estratégico no sentido em que contrai uma importância vital à sociedade, pelo que deve pertencer e estar sujeito ao controlo público. Neste caso, isto aplica-se tanto à EDP como ao sector financeiro.
Para além disso e como o carácter público de uma instituição não é suficiente para combater a corrupção, se todos nós temos de pagar os permanentes buracos financeiros, provenientes da corrupção e benefícios pessoais das administrações das grandes empresas e bancos, exigimos ter acesso à informação de todo o seu património, quer seja coletivo, quer seja pessoal. O que escondeu o banqueiro António Domingues ao negar-se a apresentar a sua declaração de património quando estava prestes a assumir a direção da administração da CGD, o nosso banco público? Ninguém sabe ao certo, mas todos nós desconfiamos. Porque é que Marcelo Rebelo de Sousa vetou a lei que pretendia obrigar os bancos a enviarem ao fisco informação sobre o saldo das contas bancárias acima de 50 mil euros? Ninguém sabe ao certo, mas todos nós desconfiamos que interesses foram protegidos pelo “presidente dos afetos”.
Quem administra e gere bens e serviços de interesse público, quer sejam privados ou públicos, tem de estar sujeito ao escrutínio público. Não exigimos mais que o cumprimento de uma das bases da democracia. Isso só é possível através de uma democracia efetiva que torne a contabilidade das grandes empresas, quer sejam públicas, quer sejam privadas, completamente transparente, completamente pública, completamente democrática. Afinal, que justificação pode existir para que estas medidas, de interesse público, não se cumpram? Só quem tem algo, de interesse público, a esconder.
Todos os órgãos de direção das grandes empresas, bancos e administrações, privadas ou públicas, devem ter uma representação eleita pelos seus trabalhadores, sendo que os mandatos devem ser, todos eles, imediatamente revogáveis por decisão dos seus eleitores.
Os organismos dos trabalhadores, quer seja sindicatos ou comissões de trabalhadores, têm de ter completo acesso à contabilidade das empresas que representam. Só assim poderemos almejar um efectivo controlo democrático e um efectivo combate à corrupção.
É necessário defender a responsabilização, a prisão e confisco dos bens de quem roubou e endividou o país e destruiu os nossos serviços públicos, assim como o fim das prescrições dos crimes económicos!