Editorial – 24 de Abril 2018
É com o BE e PCP que o PS consegue o apoio fundamental para aprovar os seus sucessivos Orçamentos do Estado (OE) e, assim, governar, mas é com o PSD que o Governo PS, que se diz de esquerda, concerta posições sobre as questões fundamentais.
As constantes injeções de capitais públicos na banca privada, a manutenção privada de serviços públicos estratégicos, o chumbo da reposição das leis laborais ou a possível descentralização e o futuro financiamento europeu. Após a intervenção no Banif, o chumbo da proposta de renacionalização dos CTT e o chumbo das propostas de BE e PCP sobre a reposição de algumas leis laborais, temos o PS, novamente, a procurar apoio junto do PSD, partido que, há menos de três anos, deixou o país a pão e água.
Mas afinal o que é a Descentralização?
A Descentralização é a mais recente designação para a velha Regionalização. Este é um processo de transferência de poderes, competências e meios financeiros do Estado central para autarquias locais. Que competências? Não se sabe. Que meios financeiros? Ninguém refere mas serão com certeza os mínimos possíveis.
A ideia de descentralizar responsabilidades, tendo em conta as especificidades locais, pode parecer apetecível mas, pelos interesses envolvidos, não será assim tão generosa. Com os serviços públicos sob a gestão autárquica existe o perigo de serem desencadeados dois processos, cuja responsabilidade, já não estará sob a alçada do governo central de turno: fecham-se estruturas e serviços, devido aos reduzidos orçamentos municipais, e abre-se espaço à privatização desses serviços.
O maior exemplo que temos deste género é a actuação das empresas municipais. Estas desresponsabilizaram a vereação autárquica, passando as competências para as administrações das ditas empresas. As administrações são directamente nomeadas pelos partidos, beneficiando os interesses de uns poucos em prejuízo dos serviços públicos de todos. O acordo sobre a Descentralização pode muito bem representar o ajuste direto aplicado à administração dos serviços públicos, pelo que Costa e Rio tentam adiantar-se, afirmando que “o interesse nacional tem de estar acima do interesse dos partidos”.
E quanto aos fundos europeus?
O objetivo do Governo é de que o montante de fundos comunitários, na próxima década, se mantenha igual ao da década anterior, atualizado da inflação – €30 mil milhões. Como será utilizado esse dinheiro? Ninguém sabe.
Os fundos europeus cumprem uma parte muito significativa do investimento público. Como sabemos, esta tem sido uma das rubricas que o Governo PS mais tem reduzido. O valor do investimento público de 2017 situou-se nos €3,2 mil milhões e ainda não alcançou sequer o valor de investimento público deixado pela Troika e pela direita (€4 mil milhões, em 2015).
Ora, sendo a política de investimento público tão importante para o desenvolvimento e governação do país, seria de prever que esta fosse parte do Acordo de Governo entre PS, BE e PCP. Errado! O PS acabou de escolher como parceiro o PSD.
Nas últimas décadas, PS e PSD têm apostado num modelo produtivo de imediato e vistoso crescimento, hipotecando o futuro das novas gerações: (i) uma base produtiva assente na mão-de-obra pouco qualificada e produtos de baixo valor acrescentado; (ii) um crescimento rápido e em força através do turismo; e (iii) precariedade e salários baixos como forma de aproximar o empreendedorismo e especulação selvagens. Este é o plano de desenvolvimento que a UE, o PS e o PSD têm, em comum, para um país periférico como Portugal. Um plano que nos tem transformado num resort de luxo onde quem trabalha está mais pobre, mais precário e mais dependente.
Como se pode verificar, o apoio de BE e PCP ao actual Governo PS não evita que este se alie, em questões fundamentais, à direita. A mesma direita que fez questão de ir mais longe que a Troika no corte dos nossos direitos laborais e condições de vida. Mais, a presente solução governativa tem aproximado o PS de uma futura maioria absoluta, conferindo-lhe maior margem de manobra para negociar à direita sobre questões fundamentais, enquanto usufrui de um permanente apoio da esquerda para governar.
Os presentes “acordos de regime” entre PS e PSD têm muito pouco de concreto, pelo que serviram sobretudo para assinalar importantes e estratégicas mensagens políticas. A primeira mensagem está implícita e parece ser amplamente aceite por todas as forças políticas: a menos que se dê alguma catástrofe, a falta de oposição à esquerda permitirá que o PS continue a governar, com ou sem geringonça, pelo que vai já preparando o terreno para os acordos à direita. A segunda mensagem é a intenção de recuperação do “centrão”, com um PSD mais cooperante, a tentar descolar-se da sombra dos anos da austeridade, demonstrando-se disponível para ajudar à governação do PS. A terceira mensagem é a de que o apoio eleitoral do PS começa a tornar-se de tal maneira expressivo que está cada vez menos dependente do apoio de BE e PCP para governar.
BE e PCP devem preocupar-se com a estratégia que têm seguido. A sucessiva aprovação dos OEs do PS não tem servido para melhorar qualitativamente as condições de vida de que trabalha nem para reforçar a esquerda. É preciso uma oposição à esquerda, nas ruas e no parlamento. Deixar a direita como único canal para o descontentamento é suicidário. Voltar às ruas para recuperar direitos é o caminho para fortalecer a esquerda e reconquistar direitos. Se o país cresceu, queremos os nossos direitos de volta!