No 25 de Abril de 1974 cai a ditadura mais longa da Europa. A revolução portuguesa explode e durante dezoito meses abala o país e arranca imensas conquistas, abrindo espaço para progressos importantes. Portugal, um país na periferia, mergulhado numa guerra colonial, pobre, atrasado, antiquado, foi fustigado por um processo revolucionário que inaugurou imensas liberdades democráticas, mas que cedo foi traído pela contra-revolução, que se bateu por extinguir os avanços e esbater a força que o povo descobriu em si.
Para entendermos o que a revolução significou para as mulheres, temos primeiro que olhar para o panorama do pré-25 de Abril. Consideradas portuguesas de segunda até à constituição de 1976, as mulheres viviam o regime ditatorial de forma muito particular – o Estado Novo preocupou-se em difundir a ideia de mulher subalterna, dona de casa, mãe cuidadora e passiva, sem direitos sobre a sua vida e o seu corpo. Os homens ocupavam a esfera pública e às mulheres estava reservado o lar, o privado e a subjugação. No quotidiano e nas leis havia a preocupação de perpetuar a ideia de mulher-propriedade. Não havia direito ao divórcio, a família era dominada pelo “chefe”, que administrava os bens da família, das mulheres e dos filhos menores, os filhos ilegítimos eram excluídos e tinham menos direitos. O código civil afirmava que à mulher pertencia o governo doméstico, enquanto o código penal permitia ao marido assassinar a sua esposa devido a adultério e a sua filha quando corrompida. O casamento era um contrato de autentica propriedade, como quem compra um imóvel ou um carro, havendo obrigatoriedade de partilha de domicílio, sendo permitido ao homem abrir a correspondência da esposa, proibi-la de trabalhar fora de casa e de viajar para o estrangeiro. Os contraceptivos eram de difícil acesso (os médicos da Previdência não estavam autorizados a receitar), o aborto era punido com pena de prisão, não existia uma rede de creches e escolas públicas para fazer face às necessidades.
Apenas 25% dos trabalhadores eram mulheres (e a diferença salarial situava-se nos 40%). Às mulheres eram vedadas as carreiras de magistratura, diplomática, militar e policia e algumas profissões, como a de enfermeira e hospedeira de bordo, implicavam limitações, ficando, por exemplo, sem possibilidade de contrair casamento. O direito ao voto só se aplicava em casos muito específicos, sendo vedado à maior parte das mulheres.
Com o 25 de Abril, as mulheres libertam-se de muitos dos seus espartilhos e lançam-se nas grandes transformações sociais em curso. As operárias industriais e agrícolas, as empregadas, as donas de casa, as estudantes e as idosas assumiram a revolução de forma corajosa, entendendo-a como a forma de lutarem pela sua emancipação. Participaram ativamente nas lutas, na defesa das liberdades, pelo direito ao trabalho, pela Reforma Agrária, pelas nacionalizações, pelo direito à igualdade em todas as esferas da vida, pública e privada.
Os avanços conquistados com a revolução afectaram de forma particular as mulheres, que se encontravam numa situação de submissão e silenciamento. Desde a fixação do salário mínimo, aos aumentos salariais e direitos de trabalho (garantia de trabalho, férias, subsídios de férias e Natal, diminuição da diferença salarial), passando pelos direitos sociais como a segurança social, a saúde pública e a habitação, as mulheres lutaram pelo seu reconhecimento na sociedade.
Os avanços são visíveis, por exemplo, no pleno direito ao voto, no direito ao divórcio, na abolição das leis retrógradas que legitimavam o chefe de família e permitiam ao marido controlar a esposa, na criação de uma rede nacional de assistência à maternidade e ao cuidado dos filhos, no direito ao planeamento família e à licença de maternidade superior aos 90 dias e legislação que protegia mães e futuras mães nos seus locais de trabalho.
A participação política das mulheres no 25 de Abril foi determinante para garantir todas estas medidas – foram produzidas alterações profundas na sociedade e na legislação, consagrando o direito à igualdade das mulheres no trabalho, na família, na participação social, politica, cultural e desportiva e o direito aos serviços públicos. Era necessário aprofundar o processo revolucionário para que a igualdade fosse alcançada não só perante a lei.
Contudo, o golpe de 25 de Novembro e o processo contra-revolucionário fechou a porta do PREC e veio limitar o processo de emancipação das mulheres, que teria e tem ainda muitos passos a dar. Embora na lei a igualdade exista, há que reconhecer que não basta ser uma formalidade. Os direitos alcançados no 25 de Abril são cada vez mais atacados, no desmantelamento dos serviços de saúde, de educação, na falta de creches públicas, na invisibilização dos problemas específicos das mulheres, nos locais de trabalho, sindicatos, nas ruas e em casa.
Todas as mulheres que lutaram pela Reforma Agrária, pela ocupação e gestão das empresas e das fábricas, todas aquelas esquecidas pela história, que deram o seu tempo e a sua vida na construção de uma sociedade mais justa, não podem ser abandonadas. Hoje, não estamos livres. Hoje, existe opressão, diferença salarial, assédio no trabalho, tarefas domésticas “femininas”, violência, feminicídio. Precisamos de trazer as reivindicações das mulheres que trabalham, que são precárias, jovens, negras, imigrantes para construir um movimento combativo, de luta, capaz de se fazer ouvir e de defender os direitos que a cada dia nos são arrancados. As tarefas de transformação da sociedade, que o 25 de Abril inaugurou, não estão terminadas.
Rebeca Moore