Os números da ONU apontam que a cada dez minutos uma mulher é assassinada por um homem que é ou já foi seu companheiro e que uma em cada três mulheres sofreu agressões ao longo da vida.
O que é que estes dados nos dizem, que mulheres são assassinadas e agredidas por serem mulheres? Que, historicamente, todas nós vivemos numa condição de submissão ao homem, seja ele irmão, pai, marido, colega de trabalho ou patrão? Mas, se sabemos que existe uma grande desigualdade entre géneros, porque é que o problema se sustenta e em certos sítios do mundo se agrava?
No ano referente a 2016 a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) apoiou 9.347 vítimas de crimes e de outras formas de violência. Entre elas, 5.226 são mulheres, o que corresponde a uma média de 100 mulheres atendidas por semana. Seguem-se os mais velhos, com 1.009 pessoas idosas a receberem ajuda da organização, e depois 826 crianças e 826 homens.
Já no que respeita à relação da vítima com o agressor ou autor de crime, continuam a prevalecer – sendo 59% do dos casos – as relações de cônjuge, companheiro, ex-cônjuge, ex-companheiro, ex-namorado e namorado/a.
Segundo a legislação portuguesa, desde o ano 2000, violência doméstica, além de ser um atentado à dignidade do ser humano, é um crime público, deixando de ser um acontecimento confinado apenas aos limites das paredes do lar familiar. Segundo a lei, o procedimento criminal não está dependente de queixa por parte da vítima, bastando uma denúncia ou conhecimento do crime para ser aberto um processo. A realidade mostra-nos que a sociedade e o sistema judicial, muitas vezes, ainda trata a violência doméstica como um acontecimento entre marido e mulher, em que, na maioria das vezes (77,4%), a denúncia é feita pelas vítimas e que uma pequena minoria (8,7%) é feita por familiares ou vizinhos (dados RASI). É importante notar o avanço penal em termos legislativos, mas será este avanço suficiente na protecção e prevenção da violência sobre a mulher?
Os dados são do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) referentes ao ano de 2016, contabilizando um total de 27.935 inquéritos realizados, dos quais mais de 20 mil acabaram arquivados e apenas 4.163 deram origem a uma acusação. Estes dados apontam a imprevisibilidade do sistema judicial, ficando muitas vezes à mercê da sensibilidade dos profissionais que ditam o veredicto.
Marcada por construções históricas, culturais, económicas, politicas e sociais discriminatórias e por desigualdade entre género masculino e feminino, a violência contra a mulher não é só física. É psicológica, laboral, legislativa, educacional, judicial e institucional. Estamos conscientes que, quer seja devido à sua classe social, cor, raça, nacionalidade ou a sua orientação sexual, existem mulheres que sofrem mais violência do que outras.
A mulher deve ser bela, elegante, magra, ter cabelos bem cuidados, unhas bem tratadas, pele hidratada, corpo tonificado, estar em forma, no peso ideal e com curvas definidas.
Deve ser uma mulher bem-sucedida no trabalho, casada e feliz, mãe extremosa e sempre perfeita, deve ser uma amante ardente e uma cozinheira exímia.
A mulher deve estar sempre atenta ao melhor da moda, às tendências dos cabelos e às cores da maquilhagem.
Todas estas construções culturais exercem, diariamente, violência sobre a mulher, porque educar sob a atribuição de papeis de género é violência, educar para ser mulher é violência!
Em 2016 as mulheres da Islândia foram notícia pelo mundo, todas as trabalhadoras saíram à rua às 14h38 em protesto contra a desigualdade salarial entre géneros. Em comparação com os colegas homens, num dia de trabalho de oito horas, as mulheres islandesas começam a trabalhar de graça a partir das 14h38.
Um estudo da Eurostat, referente ao ano de 2015, expõe que as mulheres em Portugal ganham, em média, menos 17,8% que os homens em remuneração média mensal. Vamos fazer um exercício, para melhor compreender esta questão da desigualdade salarial. Devido à esta disparidade, a partir do mês de Novembro, estamos na prática a pagar para trabalhar, pois deixamos de ser pagas a partir do dia 24 de Outubro. Com acréscimo à desigualdade salarial podemos juntar a construção cultural discriminatória da naturalização do papel da mulher como esposa e mãe, com dupla e tripla jornada de trabalho sem o seu reconhecimento e sem a devida remuneração.
A desvalorização do trabalho feminino é violência económica, sendo necessário tornar visível que as tarefas domésticas e de cuidado são uma responsabilidade de toda a sociedade e que não devem ser as mulheres a assumir esse trabalho não remunerado.
Desigualdade salarial pelo mesmo trabalho, baseado apenas e só porque somos mulheres, é violência!
Todas estas formas de violência continuam a ser toleradas pela nossa sociedade, a quem devemos reivindicar uma alternativa, onde todas as formas de violência machista sejam tiradas da invisibilidade e sejam, finalmente, punidas.
De notar a relação intrínseca entre a violência sobre a mulher e a exploração económica, devendo o feminismo, como a realidade nos mostra, ser integrado numa noção de classe. Tudo o que oprime as mulheres numa base diária oprime as trabalhadoras com especial incidência, porque ao capitalismo serve a perpetuação desta violência constante que explora e subjuga a mulher a cumprir um papel reprodutivo específico.
É importante destacar que a desigualdade entre géneros serve à manutenção do sistema capitalista pelo que só unidas e organizadas poderemos lutar pela nossa emancipação. É urgente compreender que a classe trabalhadora é heterogénea, além de branca e masculina, é feminina, negra e LGBT!
Viva a luta das mulheres trabalhadoras!
Viva o 8 de Março!
Juliana Inácio