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O Caso de Rúben Semedo e Gelson Martins: Uma Lição

Esta semana assistiu-se a um caso no futebol que tem gerado alguma polémica. Não, desta vez o assunto não são emails, dirigentes, corrupção e arbitragens. O protagonista foi o jogador Gelson Martins.

Este, no jogo que opôs a sua equipa, o Sporting, contra o Moreirense marcou o golo que deu a vitória ao clube que representa. Gelson ao marcar o golo, retirou a camisola do Sporting, e como já tinha um amarelo, acabou por ser expulso e ficar de fora do jogo decisivo da próxima jornada, entre o Sporting e o Porto. Gelson por debaixo da camisola trazia a seguinte mensagem em crioulo cabo-verdiano: “Cu bo ti fim de mundo”, ou seja, contigo até ao fim do mundo.

A mensagem tinha um destinatário claro, o seu amigo Rúben Semedo, com quem jogou no Futebol Benfica (“Fofo”) e Sporting. Rúben Semedo foi há pouco mais de uma semana detido e está em prisão preventiva no Estado espanhol para onde foi transferido o ano passado. É acusado de tentativa de homicídio, posse ilegal de arma e sequestro.

O mundo do futebol tem sido marcado por inúmeros casos que poderiam configurar os mais variados crimes. Desde dirigentes, a jogadores os casos são múltiplos e das mais variadas géneses. Quem não se recorda do caso de fuga ao fisco de Messi, o envolvimento de Cristiano Ronaldo num escândalo idêntico, ou o desvio de fundos de Blatter e Platini? Não é nossa intenção estabelecer aqui qualquer grau de gravidade entre os vários crimes ou até aferir qualquer grau de culpa dos visados. Interessa-nos aqui tratar da forma diferenciada com uns e outros são tratados pela opinião pública.

 

“Dois pesos e duas medidas”

Verifiquemos o tratamento dado a um e a outros.

A reação da comunicação social e da sociedade no geral foi bem diferente. No caso do Rúben Semedo os comentários vão dos mais rasteiros e racistas possíveis tentando estabelecer uma causalidade directa entre criminalidade e a tez da pele. Antes do julgamento já há, pelos vistos, uma “cultura”, “antecedentes criminais”, um “modus operandi”, e, por fim, uma condenação. Tudo isto por ser negro e ter origem num bairro pobre. No caso de Messi, por exemplo, a maioria do que se escrevia e dizia que este estava a sofrer de inveja social e a ser vitima de uma perseguição. O mesmo se passou no caso de alegada fuga ao fisco de Cristiano Ronaldo.

Qual a razão para este tratamento diferenciado? Uma das explicações serão os milhões de Messi, pois embora Rúben Semedo viva de forma desafogada, não tema mesma condição de vida do jogador argentino.

Mas a razão determinante é o racismo institucional. Rúben Semedo é negro. Vem de bairros pobres da periferia de Lisboa, logo é bandido. Só o racismo pode explicar que jogadores como Messi, Ronaldo e outros tantos se vejam envolvidos em escândalos variados e não sejam antecipadamente condenados em praça pública. Rúben Semedo que ainda não foi condenado de nada mas já se encontra julgado e condenado na praça pública.

 

Solidariedade

É aqui que entra a nobre atitude de Gelson Martins. Este, ao escrever uma mensagem em crioulo cabo-verdiano para o amigo e colocando-se numa posição complicada ao ser expulso antes de um jogo importante, revela grande solidariedade com o amigo e colega de longa data. Parece ir muito além da amizade, demonstra também que Gelson presta uma solidariedade racial com os seus irmãos porque sabe bem o que é ser negro nos subúrbios de Lisboa e na sociedade em geral.

Para os mais desatentos, é importante verificarmos as conclusões do relatório da Amnistia Internacional revelados esta semana. O relatório conclui que o racismo é ainda um problema em Portugal e refere, o exemplo, da acusação de racismo, tortura e maus-tratos cometidos por 17 polícias da Amadora contra seis jovens negros.

Além disto, recorda que o país continua a não garantir boas condições de habitação para as comunidades cigana e africana, salientando as demolições de que foram alvo várias casas no Bairro 6 de Maio, também na Amadora. O Comité Anti Tortura do Conselho da Europa, que afirma no seu relatório que Portugal é dos países da U.E com mais violência policial, afirma também que os riscos de abusos são maiores para afrodescendentes portugueses e estrangeiros.

Ou seja, Gelson teve uma atitude de amizade e solidariedade racial que o tornou alvo de criticas, algumas delas bem reacionárias como a do director do Correio da Manhã, Octávio Ribeiro. Este escreveu barbaridades como estas: “é inadmissível e continua a senda de má educação global de que o genial jogador ainda sofre, certamente desde as raízes da infância.”. Ou mais à frente “Sim, o Sporting deve castigar Gelson de forma exemplar. E talvez arranjar-lhe um bom psicólogo. O talento deste miúdo merece todo o esforço necessário a uma educação, que manifestamente a escola não lhe deu e o clube ainda omite.”

A tentativa torpe do director do Correio da Manhã de crucificar Gelson Martins na praça pública por este se ter solidarizado com Rúben está carregada do racismo mais básico a que o seu pasquim já nos habituou. Otávio Ribeiro vai mais longe, tenta estabelecer uma causalidade entre os milhares de jovens negros e negras que vivem na periferia de Lisboa e a sua pretensa falta de educação e suposta aptidão natural para a criminalidade.

O que Gelson fez esta semana foi dar uma lição de vida a algumas pessoas tais como Octávio Ribeiro, que infelizmente calculo não consiga aprender a lição toldado que está pelo seu racismo primário.

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