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Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica – 17 anos de exploração pelo Estado Português

Os Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica terminaram no dia 24 de Novembro de 2017 uma das greves mais compridas de que há memória. Foram precisos 23 dias consecutivos de greve para que o Governo cumprisse com a promessa de negociação feita com estes Profissionais de Saúde em Agosto deste ano.

Teve conhecimento disso? Sabe quais foram os motivos para que muitos, ao fim desta greve, levassem para casa ordenados de 140 euros?

MAS: Quem são os Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica (TSDT’s)?

Paulo Martins: A carreira de TSDT engloba 18 profissões de Saúde. Embora não seja uma caracterização adequada a algumas das profissões, podemos genericamente definir que os TSDT’s são trabalhadores que desempenham atividades técnicas de diagnóstico e tratamento de doenças em estabelecimentos de Saúde, como Hospitais e Centros de Saúde.

Na carreira de TSDT incluem-se, por exemplo, os: Técnicos de Análises Clínicas e de Saúde Pública; Fisioterapeutas; Técnicos de Medicina Nuclear; os Técnicos de Saúde Ambiental; os Técnicos de Radiologia; ou os Terapeutas da Fala.

 

MAS: Devem haver motivos muito fortes para que uma greve dure 23 dias consecutivos…

PM: A carreira de TSDT resulta da especialização existente e imprescindível nas áreas da Saúde. A criação da carreira remonta ao inicio do século XX (mais exatamente a 1901, com a reforma implementada por Ricardo Jorge) e tem vindo desde esse tempo a evoluir e atualizar-se. Resultante dessa evolução, para acesso a estas profissões, tornou-se necessário a detenção de título profissional comprovado por uma cédula profissional atribuído na sequência de uma formação superior. Em 2000, todos os cursos de acesso às profissões de TSDT passaram a licenciaturas.

Atualmente para aceder a uma profissão de TSDT é necessário possuir, como requisito mínimo, uma licenciatura na área aplicável.

Apesar de tudo isto, e de ser requisito obrigatório possuir licenciatura para a candidatura a um lugar de TSDT, os TSDT’s são os únicos licenciados no sector da Saúde do Estado que não recebem como licenciados.

 

MAS: Que não recebem como licenciados? Como é possível se lhes exigem licenciatura para exercer a profissão?

PM: É de facto difícil de explicar, mas os TSDT’s recebem o mesmo que o Estado paga a técnicos profissionais. Os TSDT’s entram na carreira a ganhar, em termos brutos, 1 020,06 € e podem no topo da carreira (que pode demorar mais de 40 anos ou nunca ser atingido) ganhar no máximo 2 281,71 €.

Para termos um termo de comparação, o Enfermeiro quando entra na carreira ganha (novamente em termos brutos) 1 201,48 €, e os Técnicos Superiores de Saúde (Psicólogos, Nutricionistas, Engenheiros Sanitaristas) 1 623,00 €.

Analisando o ganho médio mensal dos trabalhadores do sector da Saúde (valor médio remuneratório bruto onde se inclui subsídio de férias, natal e todos os suplementos):

– A carreira dos TSDT’s é a 29ª pior remunerada das 31 carreiras da Função Pública.
– A carreira dos TSDT’s é a pior remunerada das profissões de profissionais licenciados (comparando licenciaturas que possuem 240 ECTS – European Credit Transfer System);
– Só os assistentes operacionais, assistentes técnicos e administrativos auferem menos do que os TSDT’s na Função Pública;
– Um Técnico Superior de Saúde aufere mais 600 euros do que um TSDT, tendo uma complexidade de funções e uma licenciatura semelhante.

 

MAS: Mas porquê fazer greve nesta altura? Parece que esta foi uma altura em que todas as profissões do Estado decidiram fazer greve…

PM: É preciso tentar não confundir as greves. Uma coisa são os direitos legítimos de profissões que viram congeladas as suas progressões na carreira durante um longo período de tempo, como por exemplo os Professores ou os Enfermeiros, outra é a luta para o reconhecimento e discussão de uma revisão da carreira com salários correspondentes.

Ou seja, os Professores ou os Enfermeiros recebem como licenciados (embora a desigualdade salarial entre os Técnicos Superiores de Saúde e Enfermeiros também seja muito discutível), os TSDT’s não recebem como licenciados e viram, tal como toda a Administração Pública, as progressões nas carreiras congeladas nos últimos anos.

Ou seja, os professores lutam, justa e legitimamente, por reconquistar salário e direitos que lhes foram retirados através dos congelamentos das carreiras. Os TSDT’s lutam por receber um valor equivalente a um licenciado na Saúde com a mesma complexidade de funções, ou seja, 1 600,00 €.

Será importante também referir que os TSDT’s já lutam por este direito há muito tempo. Todos os anos temos tentado chamar a atenção para esta situação, apelando ao diálogo com os sucessivos governos. Diálogo esse que se tem revelado sem sucesso. Por falta deste diálogo, somos obrigados a iniciar jornadas de luta com greves de 2, 3 dias todos os anos, que são sistematicamente interrompidas porque os sucessivos governos prometem negociar. Infelizmente têm sido promessas feitas a lápis…Já assim o é há 17 anos. Parece que os sucessivos Governos têm interesse em prejudicar os utentes, pois são estes, juntamente com os cerca de 10 000 TSDT’s, os principais prejudicados nesta luta.

 

MAS: 1 600,00 €? Acham, portanto, que devem receber o mesmo que os Técnicos Superiores de Saúde?

PM: Sim. Não se compreende esta desigualdade dentro da Função Pública. Se para aceder às profissões são necessárias licenciaturas com o mesmo número de ECTS’s, porque é que os profissionais têm de ser renumerados de forma diferente?

Não percebemos este critério desigual e é preciso lembrar que esta desigualdade já dura há 17 anos, com graves prejuízos para os profissionais e benefício do Estado. Estado esse, a bem da verdade se diga, que tem vindo a beneficiar do trabalho de profissionais altamente classificados, muitos dos quais fazem turnos, trabalhando de noite, fins-de-semana e feriados, a troco de salários demasiado baixos para as qualificações que possuem.

 

MAS: Esta greve foi então suspensa a 25 de Novembro com a assinatura de um protocolo negocial subscrito pelos Ministérios das Finanças e da Saúde e por representantes das Entidades Públicas Empresariais, Sindicato Nacional dos Técnicos Superiores de Saúde das Áreas de Diagnóstico e Terapêutica, Sindicato dos Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica, Sindicato dos Fisioterapeutas Portugueses e Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública e de Entidades com Fins Públicos. O que consta deste protocolo e como estão a correr as negociações?

PM: O protocolo prevê que o processo negocial tenha a duração de 45 dias, prazo que pode ser prorrogado por acordo entre as partes, e incida sobre as seguintes matérias:

– Número de posições remuneratórias e respetivos níveis remuneratórios;
– Regras de transição dos trabalhadores integrados na carreira prevista no Decreto-Lei n.º 564/99, de 21 de dezembro, para a carreira especial de TSDT;
– Regime remuneratório dos TSDT’s;
– Regimes de trabalho, organização do tempo de trabalho e condições da sua prestação;
– Requisitos e a tramitação do procedimento concursal;
– Adaptação do Sistema Integrado de Gestão e Avaliação de Desempenho na Administração Pública aos TSDT’s;
– Definição de serviços mínimos em caso de greve.

Para a resolução destas situações, ficou agendada uma reunião semanal às terças-feiras, entre as partes envolvidas.

Até à data de elaboração deste artigo, já com 28 dias de negociação decorridos, foram realizadas 4 reuniões, quando já deviam ter sido realizadas 5, estando a próxima agendada para dia 3 de Janeiro. Nada está definido ainda. O Governo já veio dizer que os custos da proposta dos sindicatos sobre tabelas salariais e transições para os TSDT’s em regime de Contrato de Trabalho em Funções Públicas (CTFP), calculado pelo Governo não se sabe bem como em 80 Milhões de Euros, é considerado incomportável. Falta ainda saber qual o custo para 40% dos TSDT’s que se encontram em Contrato ao abrigo do Código do Trabalho (CIT).

Ou seja, para o Governo é incomportável pagar um valor justo a profissionais altamente qualificados, valor esse que já devia estar a ser pago há 17 anos. Imagine-se se tivesse de pagar retroativos sobre este valor.

Por outro lado, o Governo toma iniciativas que poderiam não ser prioritárias, como por exemplo o pagamento antecipado de 2 780 Milhões de Euros realizado em Novembro 2017 ao Fundo Monetário Internacional, sobre um valor que vencia entre Junho de 2020 e Maio 2021.

Isto tudo com a passividade de Partidos Políticos como o Bloco de Esquerda ou o PCP, que se solidarizam com a nossa luta e a acham justa, mas que depois apoiam as políticas implementadas pelo Governo. É preciso realçar que estes 2 partidos aprovaram, juntamente com o PS, PEV e PAN, o orçamento do Estado de 2018.

Ora quando se aprova um documento como este, aprova-se a totalidade das medidas nele constantes. A partir daí perde-se a legitimidade de dizer que se apoia a luta pela requalificação que uma carreira que (para que não se arraste ainda mais a precariedade promovida ao longo de 17 anos) deverá ser remunerada como merece a partir de 2018, quando, há alguns meses atrás, se aprovou um orçamento que promove essa mesma precariedade. Também é preciso recordar que esses mesmos partidos criticavam os anteriores governos por preferirem antecipar pagamentos de empréstimos a promover a subida de salários e o combate à precariedade. Situação que agora merece a sua passividade ou mesmo aprovação.

 

MAS: Parece-nos que há alguma descrença no seu discurso sobre o resultado deste processo negocial…

PM: Apesar do início do processo ter sido menos positivo, estou confiante. Penso que se os sindicatos forem firmes e insistirem na definição das tabelas salariais justas e igualitárias antes de negociarem qualquer outra coisa, o Governo aceitará encontrar uma solução justa e que resolva de uma vez por todas a injustiça que já se pratica há 17 anos.

 

MAS: Mas se tudo se resume a salários baixos e precários, porque é que esta solução se arrasta há 17 anos? Porque é que a luta dos TSDT’s não tem visibilidade na Comunicação Social? Porque é que todos os anos os TSDT’s têm de lutar pelo direito a receberem como os outros licenciados da Saúde?

PM: As atividades de diagnóstico e terapêutica, não parecendo, movimentam muito dinheiro. Por exemplo, em 2015, de acordo com dados oficiais, o Estado pagou cerca de 600 Milhões de Euros a entidades convencionadas para realizarem meios complementares de diagnóstico e terapêutica, como análises e diálise de ambulatório. Ou seja, o Estado pagou a privados exames de diagnóstico e terapêutica que o próprio Estado poderia fazer, caso houvesse interesse e fosse feita uma gestão correta de meios.

Veja-se outro exemplo. De acordo com dados do Conselho de Administração do Hospital Santa Maria Maior de Barcelos, esta unidade pede anualmente cerca de 7 000 exames que só podem ser realizados através de um aparelho de Tomografia Axial Computorizada (TAC). Porém, o Hospital não tem este aparelho, o que obriga os utentes a recorrer a entidades privadas, pagando o Estado 350 Mil Euros por ano a estes privados pelos exames ou encaminhando os doentes urgentes para Braga. Curiosamente, também o Hospital de Braga é fruto de uma parceria público-privada entre um grupo privado (José de Mello Saúde) e o Estado. Ou seja, de igual forma um grupo privado beneficia pelo encaminhamento de doentes para o Hospital de Braga. Apesar desta situação se arrastar há vários anos, o Governo continua a não apostar na aquisição deste equipamento, com benefícios evidentes para os privados e prejuízo para o Estado.

Por outro lado, havendo necessidade de realização de atividades de diagnóstico e terapêutica pelas entidades privadas, estas necessitarão obrigatoriamente de TSDT’s. Ora, pagando o que paga o Estado aos TSDT’s, porque é que os privados necessitam de pagar valores mais altos a estes profissionais? O que acontece atualmente é que os TSDT’s que trabalham no privado recebem salários iguais ou menores do que no Estado.

Ou seja, parecem haver interesses privados a imiscuir-se e a contribuir para: por um lado, abafar a luta dos TSDT’s, para que as razões da mesma sejam menos conhecidos pela opinião pública (de forma a que a generalidade das pessoas seja manipulada a pensar que são mais uns a reclamar…), e por outro, para que a situação se arraste o máximo tempo possível para que assim os lobbies privados continuem a beneficiar da gestão desastrosa dos recursos do Estado e do baixo valor pago pela mão de obra especializada.

 

MAS: Esta greve de 23 dias consecutivos foi então a forma dos TSDT’s dizerem que basta de exploração pelo Estado português? 17 anos já chega?

PM: Esta greve foi uma forma de dizer que os TSDT’s estão unidos nessa luta que julgamos justa.

Foi uma forma de dizer que queremos servir os utentes de forma profissional e rigorosa, o melhor que nos é possível, como temos feito até agora, mas que estamos revoltados pelo tratamento desigual e pela hipocrisia que temos merecido por parte deste e dos anteriores Governos.

Estamos esperançosos que as negociações cheguem a bom porto, que sejam dadas as mesmas condições que aos outros Profissionais da Saúde, como por exemplo aos Técnicos Superiores de Saúde. Não queremos ser obrigados a partir novamente para a luta, a prejudicar utentes (esta greve afectou cerca de meio milhão), mas se formos obrigados a isso, assim o faremos, pois estamos unidos e determinados em denunciar e terminar com esta descriminação intolerável.

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