As eleições foram autárquicas, mas a leitura de resultados é, para todos, nacional. Inevitavelmente estas eleições serão lidas como um referendo ao governo PS e ao apoio prestado por PCP e BE, assim como à performance da oposição de direita.
O PS aparece como o grande vencedor: no total ganhou mais 9 Presidências de Câmara e 22 maiorias absolutas, crescendo de de 36,4% para 38%, no total. António Costa fez questão de ser o grande protagonista da noite: ainda que não o diga, viu este resultado como mais um passo na direção da maioria absoluta.
Mais que a vitória do PS, foi a derrota do PSD que marcou a noite. Se no PS, o resultado é lido como um plebiscito a António Costa, no PSD acontece o mesmo face a Passos Coelho. A derrocada do PSD é enorme: perdeu 20 Câmaras e em Lisboa e no Porto ficou na casa dos 10%. Teresa Leal Coelho, vista como braço-direito do ex-primeiro ministro, foi largamente ultrapassada pelo CDS em Lisboa, e mesmo no Porto, a candidatura improvisada do PS teve quase três vezes mais votos que o PSD.
À esquerda os resultados são contraditórias, mas, numa contagem geral, refletem, no mínimo, um impasse. A CDU, e portanto, o PCP, é, ao lado de Passos Coelho, a grande derrotada da noite. Isso foi até assumido, de forma inédita, por Jerónimo de Sousa. Após ficar atrás do BE nas legislativas de 2015 e de dar um grande tropeção nas presidenciais de 2016, o PCP agora vê-se derrotado num terreno que lhe é mais favorável, o do trabalho local. A CDU perdeu 10 Câmaras, em particular alguns bastiões, como Almada, Beja ou Barreiro. Perdeu-os todos para o PS. Perdeu ainda 10 maiorias absolutas e 40 vereações. Só o resultado de João Ferreira em Lisboa, que subiu cerca de 2000 mil votos face a 2013, serve de ligeiro consolo.
O BE consegue sair melhor destas eleições, mas aquém dos objetivos assumidos. Um partido quase sem tradição autárquica, passou de 8 para 11 vereadores do no país. Nas Freguesias, a subida foi de 138 para 212 eleitos. O “salto” que Catarina Martins anunciou não se deu. Ainda que tenha uma importância política e ideológica crescente em todo o país, o BE confirmou-se um partido essencialmente parlamentar, do ponto de vista orgânico. Isso não pode ser colmatado apenas por boas campanhas autárquicas de quatro em quatro anos. A eleição de Ricardo Robles em Lisboa é uma importante vitória, que deve servir para impulsionar lutas na cidade, organizadas pela base, em torno dos grandes temas da campanha: transportes, habitação ou as creches públicas. Porém isso não será possível caso se conforme uma “mini-geringonça” com Medina, como parece pretender o PS.
MAS, uma participação 100% à esquerda
O MAS esteve empenhado nestas eleições em diversas cidades. Vimos a possibilidade e necessidade de evitar que a previsível queda da direita fosse capitalizada pelo PS, e o seu governo. Porque estamos certos que, quanto mais o PS se fortaleça, mais espaço de manobra terá para continuar as suas políticas, restritivas para os trabalhadores, a saúde e a educação, e favoráveis à banca e às grandes empresas como a Altice ou Autoeuropa, que atacam os trabalhadores impunemente. Defendemos, nesse sentido, que PCP e BE lançassem candidaturas unitárias, assinalado uma perspetiva independente da direita e do governo. Como isso não sucedeu, participamos de diversas candidaturas, para reforçar a esquerda, contra a direita e o PS. O nosso objetivo era dirigir-nos aos trabalhadores e aos eleitores da esquerda para denunciar os ataques feitos pela direita e pelo PS, não só no terreno local, apoiar as lutas em curso – como a da Autoeuropa ou dos SMTUC de Coimbra – e defender uma perspetiva de esquerda, independente do PS, apoiada num programa anti-capitalista. Fizemo-lo de diferentes maneiras: com uma candidatura própria do MAS em Barcelos, integrando as listas do movimento Cidadãos por Coimbra ou apoiando as candidaturas do BE em Lisboa, Loures e Vila Franca de Xira, dando uma principal força aos seus candidatos sindicalistas e trabalhadores.
Orgulhamo-nos especialmente da candidatura e do resultado do Vasco Santos em Barcelos, a única candidatura do MAS nestas eleições. Foi, nesse Concelho, a candidatura que fez a diferença. Pela voz de um auxiliar de ação médica, dirigente sindical e lutador dos bairros sociais daquela cidade, o MAS demonstrou como é possível fazer, também neste terreno, uma política para os trabalhadores, com propostas anti-capitalistas, como a remunicipalização das Águas de Barcelos, sem qualquer indemnização. O resultado de 1,29% é modesto mas muito importante, praticamente a par dos resultados da CDU e do BE em Barcelos.
Algumas conclusões iniciais
Após dois anos de “Geringonça”, o terreno político parece estar a mudar. O momento inicial, de expectativa e de “devolução de rendimentos” esgotou-se e quem o capitalizou foi essencialmente o PS. O clima de crescimento económico, que segue as tendenciais internacionais, reforça esse fôlego de António Costa. Porém, ao mesmo tempo que recomeçam as lutas e as greves, a esquerda parece estagnar. A ligeira subida do BE não compensa a queda da CDU e ambos parecem chocar contra uma parede que eles mesmo ergueram: o prestígio do Governo e de António Costa. Prestígio imerecido, diga-se, dado que no essencial, a vida da maioria da população, em especial dos trabalhadores, pouco mudou. Por isso começam a sair à rua.
As votações do PS mostram que a sua força não é tanta como António Costa quer que pareça. Por exemplo em Lisboa, o PS perde 10 mil votos e a maioria absoluta, essencialmente para a sua esquerda. No Porto, o PS rompeu com Rui Moreira, mas este reforçou-se, tornando-se mais independente do PS. As nove Câmaras ganhas pelo PS, tão pouco constituem um número assinalável. A força do PS e o sucesso de Costa consiste, essencialmente, na inexistência de oposição à altura. Ainda que, nestas eleições autárquicas, BE e PCP, tenham atacado de forma muitas vezes certeira as autarquias do PS, como em Lisboa, nunca deixaram de defender a governação do PS no país e preparam-se para aprovar mais um Orçamento de Estado restritivo. É certo que fazem críticas pela esquerda ao Governo, mas se passaram dois anos e meio a elogiar a solução de governo capitaneada por Costa, porque motivo esperavam que os eleitores os votassem na esquerda?
Confirma-se também que a queda do PSD não é momentânea, mas estrutural e que se abre um momento de reorganização da direita. Isso fica evidente com a votação no CDS em Lisboa. Mas também fica evidente que, no seio das novas movimentações à direita, surgirão variantes mais radicais, como André Ventura, cujo discurso xenófobo permitiu uma subida do PSD em Loures – ainda que modesta, em total contraste com o resto do país. Sobretudo fica evidente que a ameaça do regresso da direita ao poder e de Passos Coelho em particular, está arredada para já. A esquerda perde assim a principal justificação para a sua aliança com o PS. Na verdade, agora que o PSD está em crise e que ainda vai demorar a recompor-se, é o momento ideal para ajustar contas com o Governo e lutar na rua por tudo o que ainda há por fazer. Só assim se pode impedir o reforço do PS à custa da esquerda, recuperar salários e direitos laborais, e, ao mesmo tempo, impedir que uma nova direita cresça, não por mérito próprio mas por lhe ter sido entregue todo o terreno da oposição ao Governo.