Os dois últimos Orçamentos do Estado (OE), do actual Governo PS, apoiado por BE e PCP, têm reposto alguns dos rendimentos que, logo em seguida, são recolhidos através de impostos indiretos e através de profundos cortes nos serviços e investimento públicos.
Os cortes nos serviços públicos são, hoje em dia, feitos através de cativações e os impostos diretos sobre os salários mantêm-se ao nível dos tempos de Vítor Gaspar.
O aumento do salário mínimo para os miseráveis €600, sem estar garantido, tem sido diluído ao máximo no tempo. As 35 horas de trabalho semanal não chegaram sequer a todos os setores do Estado. A insistência do PS em manter o nível de direitos laborais que nos foi imposto pelo Governo PSD/CDS-PP, é cada vez mais visível.
Estas são as consequências diretas do profundo alinhamento entre o Governo PS e o plano de Bruxelas ou, por outras palavras, da obsessão com o défice e o pagamento da dívida e dos seus juros em benefício do sector financeiro. Embora hoje o faça de forma mais moderada, a UE e os sucessivos governos continuam a sacrificar os povos, para salvaguardar a banca.
Para 2018, já se vai afigurando que esta aposta é para continuar. Está prevista uma reposição mínima do IRS. O anterior Governo PSD/CDS-PP aumentou o IRS em€1.200 milhões. Neste momento, o BE defende a reposição de €600 milhões e o PS está disposto a repor €200 milhões. Prepara-se um descongelamento mínimo das carreiras da função pública. O descongelamento das carreiras rondará um custo de €400 milhões anuais. O Governo PS parece ter apenas previsto metade deste valor para o descongelamento de carreiras, tentando agora faseá-lo ao máximo no tempo.
Ou seja, o pagamento de juros da dívida pública que ronda os €8.000 milhões anuais não permite a recuperação de rendimentos e direitos que precisamos. É uma questão de prioridades políticas. As opções política que têm sido seguidas, começam a evidenciar que não estão de acordo com os interesses de quem trabalha e de quem assegura parte importante dos serviços públicos do país.
Greves exigem imediata reposição de direitos
É daqui que justamente têm surgido as greves das últimas semanas: os trabalhadores da Autoeurpoa que lutam contra a desregulação dos seus horários de trabalho; os enfermeiros que lutam pelo reconhecimento das suas carreiras e por uma remuneração condizente com a sua formação; os professores que lutam contra deslocações de centenas de quilómetros para trabalhar; os trabalhadores da antiga PT que lutam contra os despedimentos indiscriminados.
Estas são manifestações de que nem tudo vai bem com a governação do PS e que os direitos laborais continuam tão comprimidos quanto a direita os deixou.
Por sua vez à esquerda, Catarina Martins dá a entender que o actual acordo de governo com o PS foi meramente conjuntural, afastando mesmo a possibilidade de se voltar a repetir1.
Jerónimo de Sousa, em entrevista à Lusa, segue um modelo muito semelhante e refere que “a denominada ‘geringonça’ foi uma solução ‘conjuntural’ e que ‘dificilmente se repetirá’” 2.
É visível que entre estas declarações e o apoio que BE e PCP têm prestado ao PS vai uma distância considerável. BE e PCP preparam-se para aprovar o terceiro OE do Governo PS.
Tal é confirmado por Pedro Nuno Santos, Ministro dos Assuntos Parlamentares e um dos negociadores da actual solução de governo, que à questão sobre se a discussão do próximo OE vai correr bem, responde “disso não tenho dúvida nenhuma”3, sugerindo que a aprovação estará garantida.
“Algo está podre no reino da Dinamarca”. Os dirigentes de BE e PCP dizem-nos que a presente governação do PS tem problemas a tal ponto que “a geringonça não é para renovar”. Catarina Martins chega mesmo a referir que “o PS, e não é de agora, interiorizou o discurso de austeridade europeu”. No entanto, BE e PCP só estão disponíveis para denunciar tal governação daqui a 2 anos, pois até lá a “geringonça” é para manter e os OE do PS são para aprovar.
Catarina e Jerónimo têm desenvolvido o entendimento de que, se não fosse o acordo de governo alcançado com o PS, a única alternativa seria a continuidade da governação da direita. Vão mais longe e dizem-nos que o acordo alcançado tem permitido puxar uma governação do PS mais para a esquerda e retomar o crescimento do país.
A verdade é que perante uma governação do PS, ainda que minoritária, as bancadas parlamentares de BE e PCP poderiam exigir e, eventualmente, aprovar as medidas que trouxessem a recuperação de rendimentos e direitos, sem o comprometimento profundo com o programa do PS e todos os seus OE. Para além disso, está visto que o actual acordo de governação tem tido como consequência fundamental o reforço da influência política do PS. E o próprio PS já vai demonstrando uma renovada disposição em negociar com a direita, como fez nos últimos 40 anos, nomeadamente, sobre o plano de grandes obras.
BE e PCP poderiam fortalecer-se como alternativa ao PS e à direita. No entanto, os acordos que alcançaram com o PS apenas têm servido para fortalecer este último. Como se não bastasse, no contexto das eleições autárquicas, os últimos dias têm sido marcados pelos ataques mútuos e disputa entre as lideranças de BE e PCP.
BE e PCP devem pôr um fim ao apoio que têm prestado ao Governo PS, ser consequentes com o apoio que têm prestado aos trabalhadores em luta e exigir a cedência às suas reivindicações.
O OE para 2018 já deverá ter sido negociado mas, para não destabilizar as autárquicas, só será servido depois das eleições. As mobilizações e greves dos últimos meses evidenciam as limitações da actual governação e mostram que é necessário retomar direitos para melhorar as condições de vida. Catarina Martins e Jerónimo de Sousa devem esquecer os ataques mútuos e ponderar a recusa do próximo OE, caso o Governo PS não satisfaça as reivindicações dos setores em luta.
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