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Loures: uma reflexão sobre o racismo (I)

O MAS juntou forças à candidatura autárquica do BE para o Município de Loures. Esta é uma candidatura de unidade à esquerda, sem o PS, considerada já uma “lista histórica” da esquerda, que reúne três forças políticas: BE, MAS e Livre.

O início de campanha em Loures tem assumido uma importância que vai muito além do âmbito autárquico, pois foi desde cedo marcada pelas conceções racistas do candidato do PSD, André Ventura.

Apesar da tentação, é importante não desperdiçar tempo com a boçalidade de André Ventura, esse é o menor dos nossos problemas. É fundamental sim, entendermos de que forma se enquadra esta candidatura do PSD na actual situação política nacional e internacional e, para além disso, percebermos a profundidade das suas perceções racistas e aquilo que representam. Só assim poderemos preparar-nos para o combate que o racismo exige.

Segundo André Ventura, Portugal é demasiado “tolerante com algumas minorias”, particularmente com a comunidade cigana, pois estes “vivem quase exclusivamente de subsídios do Estado” e acham que “estão acima das regras do Estado de direito”. O candidato do PSD afirma ainda que “as minorias se tornaram minorias de privilégio”1. Para além disso, André Ventura propõe ainda, caso o Governo não aumente o financiamento da PSP, a transformação da Polícia Municipal num “exército de proteção” contra as tais minorias.

De Trump a André Ventura

Todo este esquema ideológico não é novo, não saiu da cabeça de André Ventura, nem da desgastada direção do PSD, e não é por acaso que vai ao encontro de propostas como as de Trump ou de Marine LePen. Trump associa, permanentemente, as comunidades mexicanas ao crime, ao tráfico e ao abuso sexual como forma de justificar a construção de um muro em toda a fronteira com o México e de executar uma expulsão massiva de imigrantes2. Por sua vez, Marine LePen, enquanto afirma que as suas propostas não são racistas nem xenófobas, vai associando os imigrantes ao crime e à delinquência, propondo a sua perseguição, expulsão e retirada da nacionalidade francesa.

As semelhanças entre estes 3 personagens são gritantes e não são fruto do acaso. Assim como há um século atrás uma profunda crise económica do sistema capitalista deu origem ao Nazismo e outros fascismos, também hoje, a explicação para tal fenómeno está nas profundezas da disputa do Mundo entre Estados dominantes e Estados dominados, na divisão social em classes e, acima de tudo, nas classes que detêm o domínio económico e político do Mundo.

É cada vez mais evidente que as grandes potências, nomeadamente, EUA e UE já não conseguem governar o Mundo como fizeram até então. A crise económica de 2008, para além de ter colocado tal fragilidade a nu, acabou igualmente por aprofundá-la.

Daqui desencadearam-se forças de contestação, tanto à esquerda, por parte dos trabalhadores, como à direita, por parte dos setores mais regressivos e conservadores das elites que nos têm governado.

A desregulação económica e financeira, a privatização de setores estratégicos e a destruição de direitos laborais têm vindo a atingir níveis insuportáveis para as classes trabalhadoras, desencadeando, por um lado, importantes ondas de contestação popular. Por outro lado, determinados setores das elites que nos têm governado, da direita e extrema-direita mundial, pretendem apoiar-se e cavalgar aquele descontentamento popular, através da ventilação de preconceitos socialmente disseminados, para aplicar de forma ainda mais profunda, dura e autoritária os cortes que já têm sido aplicados até aqui.

Trump é o exemplo mais gráfico do que acabamos de referir. O descontentamento social nos EUA contra o empobrecimento generalizado acabou por ser capitalizado por Trump, em boa medida, através da ventilação de preconceitos racistas. Da eleição de Trump ao facto de uma das suas primeiras medidas, levadas a votação, ter sido o fim de um sistema de saúde já de si inútil, foi uma fração de segundo.

Como se pode verificar, a crise e o, consequente, enfraquecimento das elites que nos têm governado, abre espaço a que outros setores, mais à direita, dessas mesmas elites se vejam confiantes para disputar o poder político e económico. Ainda assim, é importante salientar que a humanidade não está condenada às soluções que os múltiplos setores da burguesia têm para nos oferecer. Não existe nenhum desígnio histórico que determine que as alternativas estão confinadas à direita. A esquerda tem a responsabilidade de encarar e entrar nesta disputa. No entanto, a disputa à esquerda não é o que tem determinado predominantemente os desenvolvimentos dos últimos tempos.

É precisamente da crise e daquela disputa entre os vários setores da burguesia que, à escala macro, surgem os Trump e as Marine Le Pen e, a uma escala infinitamente menor, surge a candidatura do PSD a Loures, pois existe uma maior confiança por parte destes tais setores mais regressivos para disputar a realidade política e social, defendendo publicamente as suas posições racistas, xenófobas, homofóbicas, machistas, autoritárias, etc.

A própria UE tem utilizado sistematicamente uma retórica muito semelhante para justificar a espoliação dos países do sul da Europa. O nosso país tem sido subjugado, nos últimos anos, com a conivência dos Governos PS e PSD/CDS-PP, a um profundo processo de empobrecimento geral, perda de direitos laborais, perda de soberania e de humilhação, não raras vezes sob a justificação de que os “povos do sul são preguiçosos”, “desperdiçam dinheiro em bebida e mulheres” e “não gostam de trabalhar”, entre outros absurdos do género.

PSD faz de Loures o tubo de ensaio do racismo

Daqui devemos perceber a matriz ideológica do racismo enquanto estrutura de conceções, sem qualquer fundamento científico, com ramificações em todos os âmbitos da nossa sociedade, desde os individuos até às instituições do Estado, que defende a existência de uma hierarquia entre humanos, hierarquia essa que é definida com base em características físicas e hereditárias como a cor da pele, atribuindo aos grupos considerados superiores o direito de subjugar e/ou suprimir outros, considerados inferiores.

Aos poucos, esta é uma linha política que tem vindo a ganhar espaço a nível mundial e desengane-se aquele que pensa que Portugal está imune a tais influências.

Apesar de Portugal estar a viver um momento de relativa estabilidade social, um certo crescimento económico e uma amenização da austeridade, não está imune aos efeitos da crise mundial que se continuam a desenvolver.

A crise mundial sem fim, os planos de empobrecimento e de perda de direitos que nos têm sido impostos e uma dívida pública gigantesca são os problemas fundamentais de um país que se vê cada vez mais dependente do estrangeiro. O empobrecimento tem sido de tal ordem que, para além da forte emigração de portugueses, boa parte dos imigrantes, presentes no país antes da crise, acabaram por procurar outros destinos que lhes garantissem melhores condições de sobrevivência.

Assim como a UE tem feito com os países do sul, também o PSD, através de André Ventura, quer servir-nos a sopinha do ódio contra as “minorias preguiçosas, criminosas e subsidiodependentes” como forma de desviar atenções dos problemas profundos que afetam o nosso país e as nossas autarquias.

André Ventura não é um erro de casting ou um desmiolado desprovido de consciência sobre as suas próprias concepções. A candidatura do PSD a Loures, para além de denunciar a crise política em que o PSD está mergulhado e o oportunismo político que estão dispostos a navegar, é aberta e conscientemente racista. Passos Coelho, no habitual discurso do Pontal, fez questão de o demonstrar, estabelecendo uma associação directa entre a imigração e a criminalidade3.

Loures está a servir de tubo de ensaio para o PSD experimentar a amplitude eleitoral de uma política à la Donald Trump, racista e discriminatória, como forma de atingir o maior número de votos.

O objetivo do PSD e de André Ventura é o de se apoiar no conjunto de preconceitos e estigmatização existentes sobre a comunidade cigana para se catapultar para a arena mediática. Apoia-se no profundo desconhecimento geral sobre a etnia cigana, nos preconceitos que vão sendo criados e ventilados e que toda a gente aceita como verdadeiros, para se projetar eleitoralmente. Atribui determinadas características a um determinado grupo, como se de um problema biológico se tratasse, para justificar a inferioridade de tal grupo étnico e daí ganhar os sectores mais conservadores da sociedade contra as minorias étnicas. Desta forma, espera ir dividindo os sectores mais pobres – brancos, negros, ciganos e imigrantes – para que se estigmatizem entre si e deixem, os mesmos de sempre a governar como sempre.

Hoje são os ciganos, amanhã serão os negros, depois serão os LGBT’s e daí partirá para quem se opuser à política do racismo e da xenofobia. Esta receita não é nova e serve sobretudo para desviar as atenções dos problemas reais do país como o desemprego e a precariedade, sobretudo entre a juventude, a sistemática privatização dos serviços públicos que degradam os nossos transportes, a nossa saúde, a nossa educação, a nossa habitação e a nossa vivência em sociedade, os salários miseráveis, a destruição dos direitos laborais e por aí em diante.

O racismo exige um combate frontal, logo desde os seus primeiros passos.

 

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